Como seus amores são belos,minha irmã, noiva minha. Seus amores são melhores do que o vinho, e mais fino que os outros aromas é o odor dos teus perfumes. Por isso Eu quero consumir meus dias, no seu amor! ══════ ღೋ♡✿♡ღೋ═══════

Ani Ledodi Vedodi Li


Mais do que qualquer outro motivo, esta é a razão pela qual quero fazer deste blog um caminho para amarmos mais a Deus, por isso seu nome: “Ani Ledodi Vedodi Li”

Para você entrar em nossos artigos click nas imagens nas laterais e encontrarás os lincks dos artigos postados.

Deus o Abençõe !

E que possas crescer com nossas postagens.

É algo louvável esconder o segredo dos Reis; mas há glória em publicar as obras de Deus!

A Igreja não tem pressa, porque ela possui a Eternidade. E se todas as outras instituições morrem nesta Terra, a Santa Igreja continua no Céu.

Não existem nem tempos nem lugares sem escolhas.

E eu sei quanto resisto a escolher-te.

"Quando sacralizamos alguém essa pessoa permanece viva para sempre!"

Sacralize cada instante de tua vida amando o Amado e no Amado os amados de Deus !


Pe.Emílio Carlos

sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Adoração em Espírito e Verdade 

1. O Concílio Vaticano II: um afluente, não o rio
Nessas meditações quaresmais eu gostaria de continuar a reflexão sobre outros grandes documentos do Vaticano II, depois de meditar no Advento, na Lumen Gentium. Mas creio que é útil fazer uma premissa. O Vaticano II é um afluente, não é o rio. Em seu famoso trabalho sobre "O Desenvolvimento da Doutrina Cristã", o beato Cardeal Newman declarou enfaticamente que parar a tradição em um ponto do seu curso, mesmo sendo um concílio ecumênico, seria torna-la uma morta tradição e não uma “tradição viva”. A tradição é como uma música. O que seria de uma melodia que parasse numa nota, repetindo-a ad infinitum? Isso acontece com um disco que arranha e sabemos o efeito que produz.

São João XXIII queria que o Concílio fosse para a Igreja “como um novo Pentecostes". Em um ponto, pelo menos, essa oração foi ouvida. Após o Concílio houve um despertar do Espírito Santo. Ele não é mais “o desconhecido” na Trindade. A Igreja tornou-se mais consciente de sua presença e de sua ação. Na homilia da Missa crismal da Quinta-feira Santa de 2012, o Papa Bento XVI afirmava:
"Quem olha para a história da época pós-conciliar é capaz de reconhecer a dinâmica da verdadeira renovação, que frequentemente assumiu formas inesperadas em movimentos cheios de vida e que torna quase palpável a vivacidade inesgotável da Santa Igreja, a presença e a ação eficaz do Espírito Santo".
Isso não significa que nós podemos desprezar os textos do Concílio ou ir além deles; significa reler o Concílio à luz dos seus próprios frutos. Que os concílios ecumênicos possam ter efeitos não compreendidos no momento, por aqueles que fizeram parte deles, é uma verdade evidenciada pelo próprio cardeal Newman sobre o Vaticano I [1], porém testemunhada mais vezes na história. O concílio ecumênico de Éfeso do 431, com a definição de Maria como Theotokos, Mãe de Deus, procurava afirmar a unidade da pessoa de Cristo, não aumentar o culto à Virgem, mas, de fato, o seu fruto mais evidente foi precisamente este último.
Se há uma área em que a teologia e a vida da Igreja Católica foi enriquecida nestes 50 anos de pós-concílio, é certamente a relacionada ao Espírito Santo. Em todas as principais denominações cristãs, estabeleceu-se nesses últimos tempos, aquilo que, com uma expressão cunhada por Karl Barth, foi chamada de “a Teologia do Terceiro artigo”. A teologia do terceiro artigo é aquela que não termina com o artigo sobre o Espírito Santo, mas começa com ele; que leva em conta a ordem com que se formou a fé cristã e o seu credo, e não só o seu produto final. Foi, de fato, à luz do Espírito Santo que os apóstolos descobriram quem era realmente Jesus e a sua revelação sobre o Pai. O credo atual da Igreja é perfeito e ninguém sequer sonha em muda-lo, porém, ele reflete o produto final, o último estágio alcançado pela fé, não o caminho através do qual se chega a isso, enquanto que, em vista de uma renovada evangelização, é vital para nós conhecer também o caminho por meio do qual se chega à fé, não só a sua codificação definitiva que proclamamos no credo de memória.
A esta luz aparece claramente as implicações de determinadas afirmações do concílio, mas aparecem também os vazios e lacunas a serem preenchidos, em especial, precisamente sobre o papel do Espírito Santo. Já tomava nota desta necessidade São João Paulo II, quando, por ocasião do XVI centenário do concílio ecumênico de Constantinopla, em 1981, escrevia em sua Carta Apostólica, a seguinte afirmação:
"Todo o trabalho de renovação da Igreja, que o Concílio Vaticano II tão providencialmente propôs e iniciou [...] não pode ser realizado a não ser no Espírito Santo, isto é, com a ajuda da sua luz e do seu poder [2]".
2. O lugar do Espírito Santo na liturgia
Esta premissa geral é particularmente útil ao lidar com o tema da liturgia, a Sacrosanctum Concilium. O texto nasce da necessidade, sentida por um longo tempo e por muitos, de uma renovação das formas e ritos da liturgia católica. A partir deste ponto de vista, os seus frutos foram muitos e, no conjunto, benéficos para a Igreja. Menos advertida era, naquele momento, a necessidade de debruçar-se sobre aquilo que, seguindo Romano Guardini, geralmente chama-se “o espírito da liturgia [3]”, e que - no sentido que vou explicar - eu chamaria mais de “a liturgia do Espírito” (Espírito com letra maiúscula!).
Fies à intenção declarada destas nossas meditações de valorizar alguns aspectos mais espirituais e interiores dos textos conciliares, é precisamente neste ponto que eu gostaria de refletir. A SC dedica a isso só um curto texto inicial, fruto do debate que precedeu a redação final da constituição [4]:
“Em tão grande obra, que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai. Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral. Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada par excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja [5]”.
É nos indivíduos, ou nos "atores" da liturgia que hoje somos capazes de perceber uma lacuna nesta descrição. Os protagonistas aqui realçados são dois: Cristo e a Igreja. Falta qualquer alusão ao lugar do Espírito Santo. Também no resto da Constituição, o Espírito Santo nunca é sujeito de um discurso direto, só nomeado aqui e ali, e sempre “oblíquo”.
O Apocalipse nos diz a ordem e o número completo dos atores litúrgicos quando resume o culto cristão na frase: "O Espírito e a Esposa dizem (a Cristo, o Senhor), Vem!" (Ap 22,17). Mas Jesus já havia manifestado perfeitamente a natureza e a novidade do culto da Nova Aliança no diálogo com a Samaritana: "Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja". (Jo 4,23).
A expressão "Espírito e Verdade", à luz do vocabulário joanino, só pode significar duas coisas: ou "o Espírito de verdade", ou seja, o Espírito Santo (Jo 14,17; 16,13) ou o Espírito de Cristo, que é a verdade (Jo 14,6). Uma coisa é certa: não tem nada a ver com a explicação subjetiva, cara a idealistas e românticos, de que "espírito e verdade", indicariam a interioridade escondida do homem, em oposição a qualquer culto externo e visível. Não se trata só apenas da passagem do exterior para o interior, mas da passagem do humano para o divino.
Se a liturgia cristã é "o exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo", a melhor maneira de descobrir a sua natureza é ver como Jesus exerceu a sua função sacerdotal em sua vida e em sua morte. A tarefa do sacerdote é oferecer "orações e sacrifícios" a Deus (cf. Hb 5,1; 8,3). Agora sabemos que era o Espírito Santo que colocava no coração do Verbo feito carne o grito “Abba”! que encerra toda a sua oração. Lucas observa explicitamente quando escreve: "Naquela mesma hora Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra..." (cf. Lc 10,21). A própria oferta do seu corpo em sacrifício na cruz aconteceu, segundo a Carta aos Hebreus, “em um Espírito eterno” (Hb 9,14), isto é, por um impulso do Espírito Santo.
São Basílio tem um texto esclarecedor.
"O caminho do conhecimento de Deus procede do único Espírito, através do único Filho, até o único Pai; inversamente, a bondade natural, a santificação segundo a natureza, a dignidade real, se difundem do Pai, por meio do Unigênito, até o Espírito [6]”.
Em outras palavras, a ordem da criação, ou da saída das criaturas de Deus, parte do Pai, passa através do Filho e chega a nós no Espírito Santo. A ordem do conhecimento ou do nosso retorno a Deus, do qual a liturgia é a expressão mais alta, segue o caminho oposto: parte do Espírito, passa através do Filho e termina no Pai. Essa visão descendente e ascendente da missão do Espírito Santo está presente também no mundo latino. O beato Isaac de Stella (sec. XII), expressa em termos muito próximos aos de Basílio:
"Como as coisas divinas desceram a nós pelo Pai, pelo Filho e o Espírito Santo, ou no Espírito Santo, então, as coisas humanas sobem ao Pai por meio do Filho, e [no] Espírito Santo [7]".
Não se trata, como podemos ver, de ser, por assim dizer, o torcedor de uma ou de outra das três pessoas da Trindade, mas de salvaguardar o dinamismo trinitário da liturgia. O silêncio sobre o Espírito Santo, inevitavelmente, atenua o caráter trinitário da liturgia. Por isso parece-me particularmente oportuno a chamada que São João Paulo II fazia na Novo Millennio Ineunte:
"Obra do Espírito Santo em nós, a oração abre-nos, por Cristo e em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender esta lógica trinitária da oração cristã, vivendo-a plenamente sobretudo na liturgia, meta e fonte da vida eclesial, mas também na experiência pessoal, é o segredo dum cristianismo verdadeiramente vital, sem motivos para temer o futuro porque volta continuamente às fontes e aí se regenera [8]".
3. A adoração "no espírito"
Vamos tentar tirar, a partir dessas premissas, algumas orientações práticas para o nosso modo de viver a liturgia e fazer que ela execute uma das suas principais tarefas, que é a santificação das almas. O Espírito Santo não autoriza inventar novas e arbitrárias formas de liturgia ou modificar de própria iniciativa aquelas existentes (tarefa que cabe a hierarquia). Ele é o único, no entanto, que renova e dá vida a todas as expressões da liturgia. Em outras palavras, o Espírito Santo não faz coisas novas, mas faz novas as coisas! A palavra de Jesus repetida por Paulo: "É o Espírito que dá vida" (Jo 6,63; 2Cor 3,6) aplica-se principalmente à liturgia.
O apóstolo exortava os fiéis a orar "no Espírito" (Ef 6,18; cf. também Judas 20). O que significa orar no Espírito? Significa permitir que Jesus continue a exercer o próprio ofício sacerdotal no seu corpo que é a Igreja. A oração cristã se torna uma extensão no corpo da oração do chefe. É conhecida a afirmação de Santo Agostinho:
"Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é aquele que reza por nós, reza em nós e que é rezado por nós. Reza por nós como nosso sacerdote, reza em nós como nosso chefe, é rezado por nós como nosso Deus. Reconheçamos, portanto, nele, a nossa voz, e em nós a sua voz [9]”.
A esta luz, a liturgia nos aparece como o "Opus Dei", a “obra de Deus”, não só porque tem Deus por objeto, mas também porque tem Deus como sujeito; Deus não é só rezado por nós, mas reza em nós. O mesmo grito, Abbá! que o Espírito, vindo a nós, dirige ao Pai (Gl 4,6; Rm 8,15) mostra que quem reza em nós, pelo Espírito, é Jesus, o Filho único de Deus. Por si mesmo, de fato, o Espírito Santo não poderia dirigir-se a Deus, chamando-o Abbá, Pai, porque ele não é “gerado”, mas somente “procede” do Pai. Se pode fazê-lo é porque é o Espírito de Cristo que continua em nós a sua oração filial.
E, especialmente, quando a oração torna-se cansaço e luta é que se descobre toda a importância do Espírito Santo para a nossa vida de oração. O Espírito se torna, então, a força da nossa oração “fraca”, a luz da nossa oração apagada; em uma palavra, a alma da nossa oração. Verdadeiramente, ele “irriga o que é árido”, como dizemos na sequência em sua honra.
Tudo isso acontece por fé. Basta eu dizer ou pensar: “Pai, tu me deste o Espírito de Jesus; formando, portanto, "um só Espírito" com Jesus, eu recito este Salmo, celebro esta santa missa, ou estou simplesmente em silêncio, aqui em sua presença. Quero dar-te aquela glória e aquela alegria que te daria Jesus, se fosse ele a orar ainda da terra”.
O Espírito Santo vivifica especialmente a oração de adoração que é o coração de toda oração litúrgica. A sua peculiaridade deriva do fato de que é o único sentimento que podemos alimentar única e exclusivamente para com as pessoas divinas. É o que distingue o culto de latria do culto de dulia reservado aos santos e de hiperdulia reservado à Santa Virgem. Nós veneramos Nossa Senhora, não a adoramos, ao contrário do que algumas pessoas pensam dos católicos.
A adoração cristã é também trinitária. É trinitária no seu desenvolvimento, porque é adoração feita “ao Pai, por meio do Filho, no Espírito Santo”, e é trinitária no seu fim, porque é adoração feita junto “ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”.
Na espiritualidade Ocidental, quem desenvolveu mais a fundo o tema da adoração foi o cardeal Pierre de Bérulle (1575-1629). Para ele, Cristo é o perfeito adorador do Pai, que precisa unir-se para adorar a Deus com uma adoração de valor infinito [10]. Escreve:
"Desde toda a eternidade, havia um Deus infinitamente adorável, mas não havia ainda um adorador infinito; [...] Tu es agora, oh Jesus, este adorador, este homem, este servidor infinito por potência, qualidade e dignidade, para satisfazer plenamente este dever e fazer esta homenagem divina [11]”.
Se existe uma lacuna nesta visão, que também deu à Igreja belos frutos e moldou a espiritualidade francesa por séculos, essa é a mesma que temos colocado em destaque na constituição do Vaticano II: a pouca atenção dada ao papel do Espírito Santo. Do Verbo encarnado, o discurso de Bérulle muda para a "corte real" que o segue e o acompanha: a Santa Virgem, João Batista, os apóstolos, os santos; falta o reconhecimento do papel essencial do Espírito Santo.
Em qualquer movimento de retorno a Deus, lembrou-nos São Basílio, tudo parte do Espírito, passa através do Filho e termina no Pai. Não basta, portanto, recordar de vez em quando que existe também o Espírito Santo; é necessário reconhecer-lhe o papel de elo essencial, tanto no caminho de saída das criaturas de Deus quanto no de retorno das criaturas a Deus. O abismo existente entre nós e o Jesus da história está cheio do Espírito Santo. Sem ele, tudo na liturgia é somente memória; com ele, tudo é também presença.
No livro do Êxodo, lemos que, no Sinai, Deus indicou para Moisés uma cavidade na rocha, e escondido no interior dela ele poderia contemplar a sua glória sem morrer (cf. Ex 33,21). Comentando este passo, o próprio São Basílio escreve:
"Qual é hoje, para nós cristãos, aquela cavidade, aquele lugar, onde podemos refugiar-nos para contemplar e adorar a Deus? É o Espírito Santo! De quem aprendemos? Do próprio Jesus que disse: Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em Espírito e verdade! [12]”
Que perspectivas, que beleza, que poder, que atração tudo isso dá ao ideal da adoração cristã! Quem não sente a necessidade de esconder-se de vez em quando, no vórtice rodopiante do mundo, naquela cavidade espiritual para contemplar a Deus e adorá-lo como Moisés?
4. Oração de intercessão
Junto com a adoração, um componente essencial da oração litúrgica é a intercessão. Em toda a sua oração, a Igreja não faz mais do que interceder: por si mesma e pelo mundo, pelos justos e pelos pecadores, pelos vivos e pelos mortos. Também esta é uma oração que o Espírito Santo quer animar e confirmar. Dele São Paulo escreve:
"Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis. E aquele que perscruta os corações sabe o que deseja o Espírito, o qual intercede pelos santos, segundo Deus. "(Rm 8, 26-27).
O Espírito Santo intercede por nós e nos ensina a interceder, por sua vez, pelos outros. Fazer oração de intercessão significa unir-se, na fé, a Cristo ressuscitado que vive em um estado constante de intercessão pelo mundo (cf. Rm 8,34; Heb 7,25; 1 João 2,1). Na grande oração com a qual concluiu a sua vida terrena, Jesus nos oferece o exemplo mais sublime de intercessão.
"Rogo por eles, por aqueles que me deste. [...] Guarde-os no teu nome. Não peço que os tires do mundo, mas que os pretejas do mal. Consagra-os na verdade. [...] Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim... "(Jo 17,9ss).
Do Servo Sofredor se diz, em Isaías, que Deus lhe dá em prêmio as multidões “porque carregava os pecados de muitos e intercedia pelos pecadores” (Is 53,12): Essa profecia encontrou o seu perfeito cumprimento em Jesus que, na cruz, intercede pelos seus executores (cf. Lc 23,34).
A eficácia da oração de intercessão não depende de “muitas palavras” (cf. Mt 6,7), mas do grau de união que se consegue ter com as disposições filiais de Cristo. Mais do que as palavras de intercessão, deve-se, pelo contrário, multiplicar os intercessores, ou seja, invocar a proteção de Maria e dos Santos. Na festa de Todos os Santos, a Igreja pede a Deus para ser ouvida “pela abundância dos intercessores” (“multiplicatis intercessoribus”).
Multiplicam-se os intercessores até quando se rezam uns pelos outros. Diz Santo Ambrósio:
"Se você orar por você, só você vai orar por você, e se cada um só reza por si, a graça que alcança será menor com relação àquele que intercede pelos outros. Ora, dado que os indivíduos rezam por todos, acontece também que todos rezam pelos indivíduos. Portanto, para concluir, se você reza somente por você, você é o único que reza por você. Mas se, pelo contrário, você reza por todos, todos rezarão por você, estando você no meio daqueles todos [13]”.
A oração de intercessão é, portanto, agradável a Deus, porque é mais livre de egoísmo, reflete mais de perto a gratuidade divina e está de acordo com a vontade de Deus, que quer “que todos os homens sejam salvos” (cf. 1Tm 2,4). Deus é como um pai compassivo que tem o dever de punir, mas que tenta todas as desculpas possíveis para não ter que fazê-lo e é feliz, em seu coração, quando os irmãos do culpado conseguem detê-lo dessa punição.
Se faltam esses braços fraternos estendidos a Deus, Ele próprio reclama disso na Escritura: “Ele viu que não havia ninguém, maravilhou-se porque ninguém intercedia” (Is 59,16). Ezequiel transmite-nos esta lamentação de Deus: "Busquei entre eles um homem que levantasse um muro e se colocasse na brecha perante mim, para defender o país, para que eu não o devastasse, porém não o encontrei” (Ez 22,30).
A palavra de Deus enfatiza o extraordinário poder que tem junto a Deus, pela sua própria disposição, a oração daqueles que Ele colocou no comando do seu povo. Diz-se em um salmo que Deus havia decidido exterminar o seu povo por causa do bezerro de ouro, “se Moisés não tivesse se interposto diante dele para evitar a sua ira” (cf. Sl 106,23).
Aos pastores e guias espirituais ouso dizer: quando, na oração, vocês sentirem que Deus está zangado com o povo que vos foi confiado, não tomem rapidamente o partido de Deus, mas do povo! Assim fez Moisés, até o ponto de protestar e de querer ser riscado, ele próprio, com eles, do livro da vida (cf. Ex 32,32), e a Bíblia deixa claro que isto era justamente o que Deus queria, porque ele "abandonou a intenção de prejudicar o seu povo". Quando se está diante do povo, então, devemos dar razão, com toda a força, a Deus. Quando Moisés, pouco depois, encontrou-se na frente do povo, então se acendeu a sua ira: esmagou o bezerro de ouro, dispersou o pó na água e fez as pessoas engolirem a água (cf. Ex 32,19ss). Somente aquele que defendeu o povo diante de Deus e carregou o peso do seu pecado, tem o direito – e terá a coragem –, depois, de brigar com o próprio povo, em defesa de Deus, como fez Moisés.
Terminemos proclamando juntos o texto que melhor reflete o lugar do Espírito Santo e a orientação trinitária da liturgia, que é a doxologia final do cânon romano: "Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e glória, agora e para sempre. Amém".
 
Notas:

Tradução Thácio Siqueira, ZENIT
[1] Cf. I. Ker, Newman, the Councils, and Vatican II, in “Communio”. International Catholic Review, 2001, pp. 708-728.
[2] João Paulo II, Carta apostólica A Concilio Constantinopolitano I, 25 marzo 1981, in AAS 73 (1981) 515-527.
[3] R.Guardini, Vom Geist del Liturgie,  23 ed., Grünewald 2013; J. Ratzinger, Der Geist del Liturgie, Herder, Freiburg, i.b., 2000.
[4]  Storia del concilio Vaticano II, organizado por G. Alberigo, vol. III, Bologna 1999, p 245 s.
[5] SC, 7.
[6] S. Basílio de Cesareia, De  Spiritu Sancto XVIII, 47 (PG 32 , 153).
[7] B. Isacc de Stella, De anima (PL 194,  1888).
[8] NMI, 32.
[9]  S. Agostinho, Enarrationes in Psalmos 85, 1: CCL 39, p. 1176.
[10] M. Dupuy, Bérulle, une spiritualité de l’adoration, Paris 1964. .
[11] P. de Bérulle,  Discours de l'Etat et des grandeurs de Jésus (1623), ed. Paris 1986, Discours II, 12.
[12] S. Basílio, De Spiritu Sancto, XXVI,62 (PG 32, 181 s.).
[13] S. Ambrósio, De Cain et Abel, I, 39 (CSEL 32, p. 372).
A ADORAÇÃO EM ESPÍRITO E VERDADE - Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap
Primeira Pregação da Quaresma - Reflexão sobre a Constituição Sacrosanctum Concilium

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016



3º DOMINGO DA QUARESMA - C




“Da conversão brota vida nova, a salvação”


Leituras: 
Êxodo 3, 1-8a.13-15; 
Salmo 102 (103); 
Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 10, 1-6.10-12; 
Lucas 13 1-9.

COR LITÚRGICA: ROXA

 A Quaresma nos apresenta a oportunidade de revalorizar o Sacramento da Reconciliação, pois somos pecadores e, por isso, necessitamos da misericórdia do Senhor. Ele se apresenta como simples agricultor para trabalhar a terra de nosso coração, regar-nos e adubar-nos com o seu Espírito. Antes mesmo que Jesus fizesse a plena revelação do Deus Amor e Misericordioso, os profetas já anunciavam aspectos importantes da caridade e da justiça, fundamentos do Reino de Deus. O bem comum, desejado por Deus, é o grande objetivo das Sagradas Escrituras. Da adesão ao projeto do Reino de Deus e, portanto, o compromisso com a construção do bem comum é que depende a salvação individual. “Casa comum, nossa responsabilidade” (CF – 2016).

1. Situando-nos

Somos peregrinos com Jesus rumo à Páscoa. Eis que chegamos ao terceiro domingo da Quaresma. Jesus intensifica o convite à conversão.

Após termos celebrado os domingos das “tentações” e “da transfiguração” de Jesus, a liturgia da Palavra ressalta a urgência da conversão pela renovação batismal. A conversão se traduz na adesão ao projeto libertador de Deus.

Hoje somos colocados diante do Deus imensamente solidário conosco, do Deus que deseja vida digna para todos e não a morte; do Deus misericordioso e paciente que, nesta Quaresma, de novo nos “dá um tempo” para nos convertermos ao Reino que Jesus veio inaugurar. “Permanecer no caminho do mal é fonte apenas de ilusão e tristeza. A verdadeira vida é outra coisa. Deus não se cansa de estender a mão. Está sempre disposto a ouvir. Basta acolher o convite à conversão e submeter-se à sua justiça” (MV, n.21).

A Quaresma é o tempo da paciência de Deus, é o tempo que Ele nos dá para que possamos produzir os frutos da justiça e da fraternidade. “Assumir a responsabilidade com a Casa Comum exige uma profunda mudança no estilo de vida e nos valores que orientam nossa ação” (CONIC. Campanha da Fraternidade 2016: Texto Base. Brasília. Edições CNBB, 2015. Arte do Cartaz, p. 13).

2. Recordando a Palavra

Jesus continua sua “viagem” para Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28). Ele percorre o caminho rodeado por seus discípulos. Acabava de lhes falar sobre o discernimento dos sinais que manifestam a vontade de Deus. Sinais do cotidiano que explicitam o projeto salvífico do Pai. Falando à multidão e, em particular, aos discípulos, enfatiza, em duas partes distintas, a urgência da conversão.

Na primeira parte (cf. Lc 13, 1-5), Jesus refere-se aos dois fatos da repressão a um grupo de galileus enquanto se preparavam para sacrificar suas vítimas e da queda de uma torre perto da piscina de Siloé. Os que relatam a Jesus as duas tragédias desejam ouvir sua opinião e provocar d’Ele uma posição. O Mestre sai pela tangente.

Desconstrói a crença popular de que as desgraças sejam uma forma de punição divina e que Deus poderia impedir tais tragédias, mas prefere permanecer surdo e mudo aos gritos dos sofredores”. Rechaça a doutrina da retribuição que vincula a desgraça ao pecado cometido. Para o Mestre, diante de Deus, todos necessitam mudar de vida. Deus não é vingador. Ele oferece uma nova oportunidade: “se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (v.3.5).

A única maneira para escapar à ruína, é a conversão. Na segunda parte (Lc 13, 6-9), temos a parábola da figueira. A imagem da figueira era familiar aos ouvintes. Deus é o proprietário da figueira. Ela é a imagem do povo de Israel. Durante três anos de ministério, Jesus procurou frutos de arrependimento e de conversão. E nada!

Na Palavra de Jesus, a caminho de Jerusalém, a todos é oferecida uma nova chance de mudança de vida. Ele espera, portanto, que os que o acompanham dêem frutos, isto é, aceitem converter-se à Boa Nova que lhes anuncia. É a paciência de Deus! Apesar do tom ameaçador, há esperança. Jesus confia em que a resposta à Boa Nova seja positiva (Evangelho).

Moisés é convidado para ser o líder do povo, o rosto visível da ação libertadora que o Senhor realizará em favor de Israel oprimido. Moisés tinha fugido do Egito e se abrigado no deserto do Sinai após assassinar, indignado, um egípcio que maltratava um hebreu. É acolhido por uma tribo de beduínos. Casa-se e refaz sua vida numa experiência de tranquilidade.

É precisamente nesse Oasis de paz que o Senhor se revela, inquieta e escolhe Moisés para uma nova missão no Egito. O chamado de Moisés ressalta a compaixão do Deus dos pais Abraão, Isaac e Jacó, o Deus da aliança com os patriarcas (v.6). Um Deus atento e sensível com a realidade do povo. Sensibilidade que se revela nos verbos, ver, ouvir, conhecer (v.7). “Desci para libertá-los das mãos dos egípcios” (v.8).

Na segunda parte (v.13-15), ante às indagações de Moisés, Deus se revela: “Eu Sou aquele que sou”. Uma espécie de “sinal” que confirma que Moisés foi convidado por Deus e enviado por Ele em missão. Nome que acentua a presença contínua de Deus na vida do seu povo. Uma presença viva, ativa e dinâmica, no presente e no futuro, como libertação e salvação (primeira leitura).

Diante de tudo isto, não resta ao salmista que louvar o Senhor, porque é um Deus que ouve o grito dos fracos e sofredores: “O Senhor é indulgente, é favorável, é paciente, é bondoso e compassivo” (Sl103/102). É um salmo que expressa a misericórdia de Deus para com o seu povo.

Paulo lembra que os israelitas foram conduzidos por Deus (a nuvem), passaram pelas águas libertadoras do Mar Vermelho, alimentaram-se do Maná e da água que jorrou da rocha. Para o apóstolo, este rochedo é o símbolo de Cristo já presente na caminhada do êxodo do antigo povo. Apesar de todos estes sinais, a maior parte dos israelitas não foi fiel a Deus e acabou morrendo no deserto.

Isto nos faz compreender que, apesar da importância de nossa participação nas ações rituais, o que conta é a adesão sincera à vontade de Deus. Paulo recorda o fundamental na vivência da fé: levar uma vida coerente e viver no amor de Deus. Quem assim viver contará com a compaixão de Deus (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra

A Quaresma é um tempo para avaliarmos a qualidade de nossas respostas aos projetos da vontade de Deus. Será que elas correspondem à expectativa de quem confiou em nós? Pode ocorrer que os frutos não estejam à altura do esperado.

Quem planta e cultiva determinada árvore frutífera, é natural que almeje colher bons frutos. “Foi lá procurar figos e não encontrou. Então disse ao agricultor: “já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro”. Desilusão! A paciência parece estar se esgotando. O impulso humano é dar um basta: “corta-a”.

Apesar de nossas infidelidades, Deus não age assim. Mesmo que sua paciência esteja no limite, “Misericórdia e piedade é o Senhor, ele é amor, é paciência, é compaixão” (Sl 144/145). “A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa” (MV, n.3).

Cristo, por sua vez, intercede constantemente por nós junto do Pai, dilatando e ampliando sua paciência. O amor misericordioso torna possível o êxito dos projetos de Deus. Converter-se a Deus é voltar-se para Deus, é caminhar rumo a Ele (Cf. PRONZATO A., OP. CIT., P.65).

A urgência da conversão quaresmal não se apresenta aqui como uma ameaça, mas como um convite libertador que suscita alegria, pois nos libertamos de algo que impede de crescermos como pessoas fiéis. O apelo à conversão requer mudança (metanoiá) de nossa maneira de pensar, para assimilarmos os critérios de Jesus seu estilo de vida.

A conversão, como êxodo, é uma atitude do coração que exige manifestação externa no cotidiano pela dedicação às obras de caridade, à promoção da fraternidade e o cuidado com a Casa Comum. “A conversão do coração a que nos urge a Quaresma, deve ser reconhecida pelos frutos” (CABALLERO b. Nas fontes da Palavra, leitura, meditação e anúncio – Ano C. Aparecida. Editora Santuário, 1991, p.74), ou seja, como sugere a Misericordiae Vultus, por meio das “obras de misericórdia corporal e espiritual”.

O chamado à conversão, que nos transforma em novas criaturas, começa pela fé e no batismo, exige esforço contínuo, para que, renunciando a nós mesmos, assimilemos a vontade de Deus, estabelecendo novos relacionamentos com as pessoas e com o mundo que nos cerca. A conversão apoia-se no crescimento da fé e nas relações pautadas pela Boa-Nova do Reino.

No caminho da conversão, iluminados pela “sarça ardente”, percebemos sempre que algo poderia ser melhor, no que fazemos e somos, mesmo em nossas ações e atitudes dignas de aplausos, descobrimos resquícios de egoísmo e falta de amor. Mais do que nos penalizar, estas descobertas nos alegram. Pois na confissão da nossa fraqueza e a humilhação pela consciência de nossas faltas, somos reconfortados pela misericórdia de Deus.

Contudo, não abusemos da paciência de Deus, não tomemos como desculpa a sua misericórdia para retardar nossa conversão. A paciência de Deus não é uma atitude passiva, mas uma solicitude para que o homem viva. Deus crê no homem, crê que ele pode mudar a sua conduta passada, para se voltar para aquele de quem se afastou (Cf. Ano C. Homilia 3º Domingo da Quaresma).

Conversão é convite à vida. Mais do que anúncio de ameaças, é proclamação de uma boa nova, Jesus apela à conversão, anunciando a proximidade do Pai amoroso e misericordioso (Cf. GRÜN, Anselm. Penitência, celebração da reconciliação. São Paulo, Edições Loyola, 2007, p. 58-60)

A Quaresma é uma nova oportunidade que Deus nos dá. Ele se apresenta como o simples agricultor para trabalhar a terra de nosso coração, regar-nos com seu Espírito e sua Palavra.
Deixemos que ressoem no nosso interior as palavras do Papa Francisco numa missa em Santa Marta: Que a misericórdia de Deus nos faça mais misericordiosos com os outros. Junto com o Papa Francisco peçamos também a Maria que nos acompanhe neste tempo de conversão.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística

Na celebração Eucarística, memorial da morte e ressurreição de Jesus Cristo, sempre de novo, Deus Pai, rico em misericórdia, manifesta a sua bondade, reconciliando-nos consigo em Cristo. Reconhecendo a ação de Deus na história, como Igreja, proclamamos: “vós, Deus de ternura e de bondade, nunca vos cansais de perdoar. Ofereceis vosso perdão a todos convidando os pecadores a entregar-se confiantes à vossa misericórdia” (Oração Eucarística sobre Reconciliação II).

Mesmo que nós quebremos a comunhão e não produzamos os frutos almejados, nos seus planos, Deus não nos rejeita para sempre. Ele nos socorre e convida a que “nos entreguemos confiantes à sua misericórdia”. Com braço forte, por meio de Moisés, Deus conduziu Israel pelo deserto à Terra Prometida; hoje, na sua misericórdia, em Jesus Cristo, nos acompanha pelos caminhos da história, iluminando-nos para que sempre reconheçamos “os sinais dos tempos”.

Participando da paixão de Cristo pela Celebração Eucarística, e convertendo-nos cada vez mais ao Evangelho de Cristo pela prática das obras de caridade e misericórdia, nos tornamos no mundo um sinal da conversão a Deus (cf. Ritual da Penitência, Introdução, 4).

Em nome da assembleia, o presidente da celebração suplica: “Nós vos pedimos, ó Deus, que a comunhão no vosso sacramento nos purifique dos pecados e nos conduza à unidade” (Oração da Comunhão da segunda-feira da terceira semana da Quaresma).

3º Domingo da Quaresma-C- 

Ele não quer punir-nos, quer fazer-nos viver!
 

BILHETE DE EVANGELHO.
 
Na mentalidade judaica, todas as doenças e enfermidades eram consequências de um pecado. O Evangelho de hoje confirma esta mentalidade… A morte dos Galileus, diz Jesus, massacrados por ordem de Pilatos, não significa que eles tenham merecido tal destino em razão dos seus pecados. Esta infelicidade tem a ver com a responsabilidade dos homens que são capazes de se matarem. A atualidade apresenta-nos todos os dias situações de vítimas inocentes de atentados e violências, por causa do ódio dos homens. Mas há outras causas dos acidentes, dos sofrimentos de todas as espécies. Não há ligação entre a morte das vítimas e a sua vida moral, diz Jesus no Evangelho. Mas Jesus aproveita para lançar um apelo à conversão. Diante de tantas situações dramáticas que atingem o ser humano, somos convidados a uma maior vigilância sobre nós mesmos. Devem ser uma ocasião para pensarmos na nossa condição humana que terminará, naturalmente, na morte. Recordar a nossa fragilidade deve levar-nos a voltar o nosso ser para Aquele que pode dar verdadeiro sentido à nossa vida. Não se trata de procurar culpabilidades, mas de abrir o nosso coração à vinda do Senhor. Não nos devemos desencorajar diante das nossas esterilidades (figueira estéril…), pois Deus é infinitamente paciente para conosco. Ele sabe da nossa fragilidade, conhece os nossos pecados, mas nunca deixa de ter confiança em nós, até ao fim do nosso caminho. Ele não quer punir-nos, quer fazer-nos viver!

À ESCUTA DA PALAVRA.
 
Desde o início da sua pregação, Jesus apela à conversão, o que faz igualmente João Baptista. É mesmo para Jesus uma questão de vida ou de morte. A conversão não é mortífera, ela é fonte de vida, pois faz o homem voltar-se para Deus, que quer que ele viva. O homem é como a figueira plantada no meio de uma vinha: pode ser que, durante anos, não dê frutos… mas Deus, como o vinhateiro, tem paciência e continua a esperar nele. Deus vai mesmo mais longe, dá ao homem os meios para se converter. Jesus não apela somente à conversão, mas propõe ao homem o caminho a empreender para amar Deus e amar os seus irmãos. A paciência de Deus não é uma atitude passiva, mas uma solicitude para que o homem viva. Paciência e confiança estão ligadas: Deus crê no homem, crê que ele pode mudar a sua conduta passada, para se voltar para Aquele de quem se afastou.


03º Domingo da Quaresma - Ano C-   

O que é essencial na nossa vivência cristã?

Nesta terceira etapa da caminhada para a Páscoa somos chamados, mais uma vez, a repensar a nossa existência.

O tema fundamental da liturgia de hoje é a “conversão”. Com este tema enlaça-se o da “libertação”: o Deus libertador propõe-nos a transformação em homens novos, livres da escravidão do egoísmo e do pecado, para que em nós se manifeste a vida em plenitude, a vida de Deus.

O Evangelho contém um convite a uma transformação radical da existência, a uma mudança de mentalidade, a um recentrar a vida de forma que Deus e os seus valores passem a ser a nossa prioridade fundamental. Se isso não acontecer, diz Jesus, a nossa vida será cada vez mais controlada pelo egoísmo que leva à morte.

A segunda leitura avisa-nos que o cumprimento de ritos externos e vazios não é importante; o que é importante é a adesão verdadeira a Deus, a vontade de aceitar a sua proposta de salvação e de viver com Ele numa comunhão íntima.

A primeira leitura fala-nos do Deus que não suporta as injustiças e as arbitrariedades e que está sempre presente naqueles que lutam pela libertação. É esse Deus libertador que exige de nós uma luta permanente contra tudo aquilo que nos escraviza e que impede a manifestação da vida plena.

LEITURA I – Ex 3,1-8a.13-15

A primeira parte do livro do Êxodo (Ex 1-18) apresenta-nos um conjunto de “tradições” sobre a libertação do Egito: narra-se a iniciativa de Jahwéh, que escutou os gemidos dos escravos hebreus e teve compaixão deles (cf. Ex 2,23-24).
O texto que nos é proposto como primeira leitura apresenta-nos o chamamento de Moisés, convidado a ser o rosto visível da libertação que Jahwéh vai levar a cabo. Algum tempo antes, Moisés deixara o Egito e encontrara abrigo no deserto do Sinai, depois de ter morto um egípcio que maltratava um hebreu (o caminho do deserto era o caminho normal dos opositores à política do faraó, como o demonstram outras histórias da época que chegaram até nós); acolhido por uma tribo de beduínos, Moisés casou e refez a sua vida, numa experiência de calma e de tranquilidade bem merecidas, após o incidente que lhe arruinara os sonhos de uma carreira no aparelho administrativo egípcio (cf. Ex 2,11-22). Ora, é precisamente nesse oásis de paz que Jahwéh Se revela, desinquieta Moisés e envia-o em missão ao Egito.

A afirmação “Jahwéh tirou Israel do Egito” será a primitiva profissão de fé de Israel. É o fato fundamental da fé israelita. Ora, é essa descoberta que está no centro desta leitura.
O texto que nos é proposto divide-se em duas partes. Na primeira (vers. 1-8), temos o relato da vocação de Moisés. O contexto é o das teofanias (manifestações de Deus): o “anjo do Senhor”, o fogo (vers. 2-3), a omnipotência, a santidade e a majestade de Deus (vers. 4-5), a apresentação de Deus, o sentimento de “temor” que o homem experimenta diante do divino (vers. 6); e Deus manifesta-Se para “comprometer” Moisés, enviando-o em missão (vers. 7-8) e fazendo dele o instrumento da libertação. Fica claro que o chamamento de Moisés é uma iniciativa do Deus libertador, apostado em salvar o seu Povo. Deus age na história humana através de homens de coração generoso e disponível, que aceitam os seus desafios.

Na segunda parte (vers. 13-15), apresenta-se a revelação do nome de Deus (uma espécie de “sinal” que confirma que Moisés foi chamado por Deus e enviado por Ele em missão): “Eu sou (ou serei) ‘aquele que sou’ (ou que serei)”. Este nome acentua a presença contínua de Deus na vida do seu Povo, uma presença viva, ativa e dinâmica, no presente e no futuro, como libertação e salvação.
Os israelitas descobriram, desta forma, que Jahwéh esteve no meio daquela tentativa humana de libertação e conduziu o processo, de forma a que um povo vítima da opressão passasse a ser livre e feliz. Para a fé de Israel, Jahwéh não ficou de braços cruzados diante da opressão; mas iniciou um longo processo de intervenção na história que se traduziu em libertação e vida para um povo antes condenado à morte.
Para Israel, o Êxodo tornar-se-á, assim, o modelo e paradigma de todas as libertações. A partir desta experiência, Israel descobriu a pedagogia do Deus libertador e soube que Jahwéh está vivo e atuante na história humana, agindo no coração e na vida de todos os que lutam para tornar este mundo melhor. Israel descobriu – e procurou dizer-nos isso também a nós – que, no plano de Deus, aquilo que oprime e destrói os homens não tem lugar; e que sempre que alguém luta para ser livre e feliz, Deus está com essa pessoa e age nela. Na libertação do Egito, os israelitas – e, através deles, toda a humanidade – descobriram a realidade do Deus salvador e libertador.

ATUALIZAÇÃO

Refletir nos seguintes dados:

• A humanidade geme, hoje, num violento esforço de libertação política, cultural e econômica: os povos lutam para se libertarem do colonialismo, do imperialismo, das ditaduras; os pobres lutam para se libertarem da miséria, da ignorância, da doença, das estruturas injustas; os marginalizados lutam pelo direito à integração plena na sociedade; os operários lutam pela defesa dos seus direitos e do seu trabalho; as mulheres lutam pela defesa da sua dignidade; os estudantes lutam por um sistema de ensino que os prepare para desempenhar um papel válido na sociedade… Convém termos consciência que, lá onde alguém está a lutar por um mundo mais justo e mais fraterno, aí está Deus – esse Deus que vive com paixão o sofrimento dos explorados e que não fica de braços cruzados diante das injustiças.

• Deus age na nossa vida e na nossa história através de homens de boa vontade, que se deixam desafiar por Deus e que aceitam ser seus instrumentos na libertação do mundo. Diante dos sofrimentos dos irmãos e dos desafios de Deus, como respondo: com o comodismo de quem não está para se chatear com os problemas dos outros? Com o egoísmo de quem acha que não é nada consigo? Com a passividade de quem acha que já fez alguma coisa e que agora é a vez dos outros? Ou com uma atitude de profeta, que se deixa interpelar por Deus e aceita colaborar com Ele na construção de um mundo mais justo e mais fraterno?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)

Refrão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.

Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

Ele perdoa todos os teus pecados
e cura as tuas enfermidades;
salva da morte a tua vida
e coroa-te de graça e misericórdia.

O Senhor faz justiça
e defende o direito de todos os oprimidos.
Revelou a Moisés os seus caminhos
e aos filhos de Israel os seus prodígios.

O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
Como a distância da terra aos céus,
assim é grande a sua misericórdia para os que O temem.

LEITURA II – 1 Cor 10,1-6.10-12

No mundo grego, os templos eram os principais matadouros de gado. Os animais eram oferecidos aos deuses e imolados nos templos. Uma parte do animal era queimada e outra parte pertencia aos sacerdotes. No entanto, havia sempre sobras, que o pessoal do templo comercializava. Essas sobras encontravam-se à venda nas bancas dos mercados, eram compradas pela população e entravam na cadeia alimentar. No entanto, tal situação não deixava de suscitar algumas questões aos cristãos: comprar essas carnes e comê-las – como toda a gente fazia – era, de alguma forma, comprometer-se com os cultos idolátricos. Isso era lícito? É essa questão que inquieta os cristãos de Corinto.
A esta questão, Paulo responde em 1 Cor 8-10. Concretamente, a resposta aparece em vinte versículos (cf. 1 Cor 8,1-13 e 10,22-29): dado que os ídolos não são nada, comer dessa carne é indiferente. Contudo, deve-se evitar escandalizar os mais débeis: se houver esse perigo, evite-se comer dessa carne.
Paulo aproveita este ponto de partida para um desenvolvimento que vai muito além da questão inicial: comer ou não comer carne imolada aos ídolos não é importante; o importante é não voltar a cair na idolatria e nos vícios anteriores; o importante é esforçar-se seriamente por viver em comunhão com Deus.

A título de exemplo, Paulo apresenta a história do Povo de Deus do Antigo Testamento. Os israelitas foram todos conduzidos por Deus (a nuvem), passaram todos pela água libertadora do Mar Vermelho, alimentaram-se todos do mesmo maná e da mesma água do rochedo “que era Cristo” (Paulo inspira-se numa antiga tradição rabínica segundo a qual o rochedo de Nm 20,8 seguia Israel na sua caminhada pelo deserto; e, para Paulo, este rochedo é o símbolo de Cristo, pré-existente, já presente na caminhada para a liberdade dos hebreus do Antigo Testamento); mas isso não evitou que a maior parte deles ficasse prostrada no deserto, pois o seu coração não estava verdadeiramente com Deus e cederam à tentação dos ídolos.
Assim também os coríntios, embora tenham recebido o Batismo e participado da Eucaristia, não têm a salvação garantida: não bastam os ritos, não basta a letra. Apesar do cumprimento das regras, os sacramentos não são mágicos: não significam nada e não realizam nada se não houver uma adesão verdadeira à vontade de Deus. Aos “fortes” e “autossuficientes” de Corinto, Paulo recorda: o fundamental, na vivência da fé, não é comer ou não carne imolada aos ídolos; mas é levar uma vida coerente com as exigências de Deus e viver em verdadeira comunhão com Deus.

ATUALIZAÇÃO

Ter em conta, para a reflexão, as seguintes questões:

• O que é essencial na nossa vivência cristã? O cumprimento de ritos externos que nos marcam como cristãos aos olhos do mundo (ou dos nossos superiores)? Ou é uma vida de comunhão com Deus, vivida com coerência e verdade, que depois se transforma em gestos de amor e de partilha com os nossos irmãos? O que é que condiciona as minhas atitudes: o “parecer bem” ou o “ser” de verdade?

• Os sacramentos não são ritos mágicos que transformam o homem em pessoa nova, quer ele queira quer não. Eles são a manifestação dessa vida de Deus que nos é gratuitamente oferecida, que nós acolhemos como um dom, que nos transforma e que nos torna “filhos de Deus”. É nessa perspectiva que encaramos os momentos sacramentais em que participamos? É isto que procuramos transmitir quando orientamos encontros de preparação para os sacramentos?

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4,17

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Arrependei-vos, diz o Senhor; está próximo o reino dos Céus.

EVANGELHO – Lc 13,1-9

O Evangelho de hoje situa-nos, já, no contexto da “viagem” de Jesus para Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28). Mais do que um caminho geográfico, é um caminho espiritual, que Jesus percorre rodeado pelos discípulos. Durante esse percurso, Jesus prepara-os para que entendam e assumam os valores do Reino (mesmo quando as palavras de Jesus se dirigem às multidões, como é o caso do episódio de hoje, são os discípulos que rodeiam Jesus os primeiros destinatários da mensagem). Pretende-se que, terminada esta caminhada, os discípulos estejam preparados para continuar a obra de Jesus e para levar a sua proposta libertadora a toda a terra.
O texto que hoje nos é proposto apresenta um convite veemente à conversão ao Reino. Destina-se à multidão, em geral, e aos discípulos que rodeiam Jesus, em particular.

O texto apresenta duas partes distintas, embora unidas pelo tema da conversão. Na primeira parte (cf. Lc 13,1-5), Jesus cita dois exemplos históricos que, no entanto, não conhecemos com exatidão (assassínio de alguns patriotas judeus por Pilatos e a queda de uma torre perto da piscina de Siloé). Flávio Josefo, o grande historiador judeu do séc. I, narra como Pilatos matou alguns judeus que se haviam revoltado em Jerusalém. Trata-se do exemplo citado por Jesus? Não sabemos. Também não sabemos nada sobre a queda da torre de Siloé que, segundo Jesus, matou dezoito pessoas… Apesar disso, a conclusão que Jesus tira destes dois casos é bastante clara: aqueles que morreram nestes desastres não eram piores do que os que sobreviveram. Refuta, desta forma, a doutrina judaica da retribuição segundo a qual o que era atingido por alguma desgraça era culpado por algum grave pecado. No caso presente, esta doutrina levava à seguinte conclusão: “nós somos justos, porque nos livramos da morte nas circunstâncias nomeadas”. Em contrapartida, Jesus pensa que, diante de Deus, todos os homens precisam de se converter. A última frase do vers. 5 (“se não vos arrependerdes perecereis todos do mesmo modo”) deve ser entendida como um convite à mudança de vida; se ela não ocorrer, quem vencerá é o egoísmo que conduz à morte.
Na segunda parte (cf. Lc 13,6-9), temos a parábola da figueira. Serve para ilustrar as oportunidades que Deus concede para a conversão. O Antigo Testamento tinha utilizado a figueira como símbolo de Israel (cf. Os 9,10), inclusive como símbolo da sua falta de resposta à aliança (cf. Jer 8,13) (uma ideia semelhante aparece na alegoria da vinha de Is 5,1-7). Deus espera, portanto, que Israel (a figueira) dê frutos, isto é, aceite converter-se à proposta de salvação que lhe é feita em Jesus; dá-lhe, até, algum tempo (e outra oportunidade), para que essa transformação ocorra. Deus revela, portanto, a sua bondade e a sua paciência; no entanto, não está disposto a esperar indefinidamente, pactuando com a recusa do seu Povo em acolher a salvação. Apesar do tom ameaçador, há no cenário de fundo desta parábola uma nota de esperança: Jesus confia em que a resposta final de Israel à sua missão seja positiva.

ATUALIZAÇÃO

Para refletir e atualizar a Palavra, considerar as seguintes notas:

• A proposta principal que Jesus apresenta neste episódio chama-se “conversão” (“metanoia”). Não se trata de penitência externa, ou de um simples arrependimento dos pecados; trata-se de um convite à mudança radical, à reformulação total da vida, da mentalidade, das atitudes, de forma que Deus e os seus valores passem a estar em primeiro lugar. É este caminho a que somos chamados a percorrer neste tempo, a fim de renascermos, com Jesus, para a vida nova do Homem Novo. Concretamente, em que é que a minha mentalidade deve mudar? Quais são os valores a que eu dou prioridade e que me afastam de Deus e das suas propostas?

• Essa transformação da nossa existência não pode ser adiada indefinidamente. Temos à nossa disposição um tempo relativamente curto: é necessário aproveitá-lo e deixar que em nós cresça, o mais cedo possível, o Homem Novo. Está em jogo a nossa felicidade, a vida em plenitude… Porquê adiar a sua concretização?

• Uma outra proposta convida-nos a cortar definitivamente da nossa mentalidade a ligação direta entre pecado e castigo. Dizer que as coisas boas que nos acontecem são a recompensa de Deus para o nosso bom comportamento e que as coisas más são o castigo para o nosso pecado, equivale a acreditarmos num deus mercantilista e chantagista que, evidentemente, não tem nada a ver com o nosso Deus.