Testemunhar o amor de Deus no
meio dos homens.
06º Domingo da Páscoa -
Ano B
A
liturgia do 6º Domingo da Páscoa convida-nos a contemplar o amor de Deus,
manifestado na pessoa, nos gestos e nas palavras de Jesus e dia a dia tornado
presente na vida dos homens por ação dos discípulos de Jesus.
A
segunda leitura apresenta uma das mais profundas e completas definições de
Deus: “Deus é amor”. A vinda de Jesus ao encontro dos homens e a sua morte na
cruz revelam a grandeza do amor de Deus pelos homens. Ser “filho de Deus” e
“conhecer a Deus” é deixar-se envolver por este dinamismo de amor e amar os
irmãos.
No
Evangelho, Jesus define as coordenadas do “caminho” que os seus discípulos
devem percorrer, ao longo da sua marcha pela história… Eles são os “amigos” a
quem Jesus revelou o amor do Pai; a sua missão é testemunhar o amor de Deus no
meio dos homens. Através desse testemunho, concretiza-se o projeto salvador de
Deus e nasce o Homem Novo.
A
primeira leitura afirma que essa salvação oferecida por Deus através de Jesus
Cristo, e levada ao mundo pelos discípulos, se destina a todos os homens e
mulheres, sem exceção. Para Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça
ou a um determinado grupo social, mas sim a disponibilidade para acolher a
oferta que Ele faz.
LEITURA
I
At
10,25-26.34-35.44-48
Leitura
dos Atos dos Apóstolos
O
episódio do livro dos Atos dos Apóstolos que a leitura de hoje nos propõe faz
parte de uma secção (cf. 9,32-11,18) cujo protagonista é Pedro. O tema central
desta secção é a chegada do cristianismo aos pagãos.
A
cena situa-nos em Cesareia, a grande cidade da costa palestina onde residia,
habitualmente, o procurador romano da Judeia. No centro da cena está Cornélio,
um centurião romano, que era “piedoso e temente a Deus”. O episódio refere-se à
visita que Pedro faz a Cornélio, durante a qual lhe anuncia Jesus. Como
resultado desse anúncio, dá-se a conversão de Cornélio e de toda a sua família.
Este
episódio tem uma especial importância no esquema imaginado por Lucas para a
expansão da Igreja… Cornélio é o primeiro pagão oficialmente admitido na
comunidade de Jesus (em At 8,26-40 fala-se de um etíope que foi batizado por
Filipe; mas esse etíope era já “prosélito” – isto é, simpatizante do judaísmo).
Em relação ao pagão Cornélio, não há indicação de que ele estivesse ligado à
religião judaica. A sua conversão marca uma viragem decisiva na proclamação do
Evangelho que, a partir deste momento, se abre também aos pagãos.
Para
os primeiros cristãos (oriundos do mundo judaico), não era claro que os pagãos
tivessem acesso à salvação e que pudessem entrar na Igreja de Jesus. O pagão
era um ser impuro, em casa de quem o bom judeu estava proibido de entrar, a fim
de não se contaminar. Quereria Deus que a salvação fosse também anunciada aos
pagãos?
Para
Lucas, é perfeitamente claro que Deus também quer oferecer a salvação aos
pagãos. Para deixar isso bem claro, Lucas põe Deus a dirigir toda a trama… É
Deus que, numa visão, pede a Cornélio que mande chamar Pedro (cf. Act 10,1-8);
e é Deus que arrebata Pedro “em êxtase” e o prepara para ir ao encontro de
Cornélio (cf. At 10,9-23). A conversão de Cornélio será, basicamente,
histórica; as “visões” e os detalhes são, provavelmente, o cenário que Lucas
monta para apresentar a sua catequese. Fundamentalmente, Lucas está interessado
em deixar claro que Deus quer que a sua proposta de salvação chegue a todos os
homens, sem exceção.
Depois
de descrever a recepção de Pedro em casa de Cornélio, Lucas põe na boca de
Pedro um discurso (do qual, no entanto, a leitura que nos é proposta só
apresenta um pequeno extrato) onde ecoa o kerigma primitivo. Nesse discurso,
Pedro anuncia Jesus (vers. 38a), a sua atividade (“andou de lugar em lugar
fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo diabo, porque Deus
estava com Ele” – vers. 38b), a sua morte (vers. 39b), a sua ressurreição
(vers. 40) e a dimensão salvífica da ação de Jesus (vers. 43b). É este o
anúncio que Jesus encarregou os primeiros discípulos de testemunharem ao mundo
inteiro.
O
nosso texto acentua, especialmente, o fato de a mensagem da salvação se
destinar a todas as nações, sem distinção de pessoas, de raças ou de povos.
Logo no início do discurso, Pedro reconhece que “Deus não faz acepção de
pessoas; em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe
agradável” (vers. 34-35). Portanto, o anúncio sobre Jesus deve chegar a todos
os cantos da terra.
Depois
do anúncio feito por Pedro, há a efusão do Espírito “sobre quantos ouviam a
Palavra” (vers. 44), sem distinção de judeus ou pagãos (vers. 45). O resultado
do dom do Espírito é descrito com os mesmos elementos que apareceram no relato
do dia do Pentecostes: todos “falavam línguas” e “glorificavam a Deus” (vers.
46). É a confirmação direta de que Deus oferece a salvação a todos os homens e
mulheres, sem qualquer exceção. Pedro é o primeiro a tirar daí as devidas
conclusões e a batizar Cornélio e toda a sua família.
Os
primeiros cristãos, oriundos do mundo judaico e marcados pela mentalidade
judaica, consideravam que a salvação era, sobretudo, um dom de Deus para os
judeus; os pagãos poderiam eventualmente ter acesso à salvação, desde que se
convertessem ao judaísmo, aceitassem a Lei de Moisés e a circuncisão. O
Espírito Santo veio, contudo, mostrar que a salvação oferecida por Deus,
trazida por Cristo e testemunhada pelos discípulos, não é patrimônio ou
monopólio dos judeus ou dos cristãos oriundos do judaísmo, mas um dom oferecido
a todos os homens e mulheres que têm o coração aberto às propostas de Deus.
ATUALIZAÇÃO
•
O nosso texto pretende deixar claro que a salvação oferecida por Deus através
de Jesus Cristo é um dom destinado a todos os homens e mulheres. Para Deus, o
que é decisivo não é a pertença a uma raça ou a um determinado grupo social,
mas sim a disponibilidade para acolher a oferta que Ele faz. A salvação só não
chega àqueles que se fecham no orgulho e na autossuficiência, recusando os dons
de Deus. O Batismo foi, para todos nós, o momento do nosso “sim” a Deus e à
salvação que Ele oferece; mas é preciso que, em cada instante, renovemos esse
primeiro “sim” e que vivamos numa permanente disponibilidade para acolher Deus,
as suas propostas, os seus dons.
•
Para nós, a ideia de que Deus não exclui ninguém da salvação e não faz acepção
de pessoas parece um dado perfeitamente lógico e evidente. No entanto, a lógica
universalista de Deus deve convidar-nos a refletir acerca da forma como, na
prática, acolhemos os irmãos que caminham ao nosso lado… O Deus que ama todos
os homens, sem exceção, convida-nos a acolher todos os irmãos – mesmo os
“diferentes”, mesmo os incômodos – com bondade, com compreensão, com amor; o
Deus que derrama sobre todos a sua salvação convida-nos a não discriminar
“bons” e “maus”, “santos” e “pecadores” (frequentemente, os nossos juízos
acerca da “bondade” ou da “maldade” dos outros falham redondamente); o Deus que
convida cada homem e cada mulher a integrar a comunidade da salvação diz-nos
que temos de acolher e amar todos, independentemente da sua raça, da cor da sua
pele, da sua origem, da sua preparação cultural, do seu lugar na escala social.
Não apenas em teoria, mas sobretudo nos nossos gestos concretos, somos chamados
a anunciar esse mundo de Deus, sem exclusão, sem marginalização, sem
intolerância, sem preconceitos.
•
Quando Pedro chega a casa de Cornélio, este veio-lhe ao encontro e prostrou-se
a seus pés… Mas Pedro disse-lhe imediatamente: «levanta-te, que eu também sou
um simples homem» (vers. 25-26). A atitude humilde de Pedro faz-nos pensar como
são ridículas e desprovidas de sentido certas tentativas de afirmação pessoal
diante dos irmãos, certas poses de superioridade, a busca de privilégios e de
honras, as lutas pelos primeiros lugares… Aqueles a quem, numa comunidade, foi
confiada a responsabilidade de presidir, de coordenar, de organizar, de animar,
devem sentir-se “simples homens”, humildes instrumentos de Deus. A sua missão é
testemunhar Jesus e não procurar privilégios ou a adoração dos irmãos.
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão
1: O Senhor manifestou a salvação a todos os povos.
Refrão
2: Diante dos povos manifestou Deus a salvação.
LEITURA
II
I
Jo 4,7-10
A
Primeira Carta de João é como vimos nos domingos anteriores, um escrito
destinado às Igrejas joânicas da Ásia Menor, afetadas pelos ensinamentos de
certas seitas heréticas. Essas seitas (que negavam elementos fundamentais da
proposta cristã a propósito da encarnação de Cristo e do “mandamento do amor”)
traziam os cristãos confusos e baralhados, sem saberem o caminho da verdadeira
fé. Nesse contexto, o autor da carta vai apresentar uma espécie de síntese da
doutrina cristã, detendo-se especialmente a esclarecer as questões mais polêmicas.
Uma
dessas questões polêmicas (e à qual o autor da Primeira Carta de João dá grande
importância) é a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos afirmavam
que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus e negligenciavam as
realidades do mundo. Achavam que se podia descobrir “a luz” e estar próximo de
Deus, mesmo odiando o próximo (cf. 1 Jo 2,9). Ora, de acordo com o autor da
Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da
experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em
comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor.
O
texto que nos é proposto pertence à terceira parte da carta (cf. 1 Jo
4,7-5,12). Aí, o autor estabelece como critério da vida cristã autêntica a
relação entre o amor a Deus e o amor aos irmãos. É nessa dupla dimensão que os
cristãos devem encontrar a sua identidade.
Como
cenário de fundo da reflexão que o autor da Primeira Carta de João apresenta,
está a convicção de que “Deus é amor”. A expressão sugere que a característica
mais marcante do ser de Deus é o amor; a atividade mais específica de Deus é
amar. A prova indesmentível de que Deus é amor é o fato de Ele ter enviado o
seu único Filho ao encontro dos homens, para os libertar do egoísmo, do
sofrimento e da morte (vers. 9). Jesus Cristo, o Filho, cumprindo o plano do
Pai, mostrou em gestos concretos, visíveis, palpáveis, o amor de Deus pelos
homens, sobretudo pelos mais pobres, pelos excluídos, pelos marginalizados…
Lutou até à morte para libertar os homens da escravidão, da opressão, do
egoísmo, do sofrimento; aceitou morrer para nos indicar que o caminho da vida
eterna e verdadeira é o caminho do dom da vida, da entrega a Deus e aos irmãos,
do amor que se dá completamente sem guardar nada para si. Mais ainda: esse amor
derrama-se sobre o homem mesmo quando ele segue caminhos errados e recusa Deus
e as suas propostas. O amor de Deus é um amor incondicional, gratuito,
desinteressado, que não exige nada em troca (vers. 10).
Os
crentes são “filhos de Deus”. É a vida de Deus que circula neles e que deve
transparecer nos seus gestos… Ora, se Deus é amor (e amor total, incondicional,
radical), o amor deve ser uma realidade sempre presente na vida dos “filhos de
Deus. Quem “conhece” Deus – isto é, quem vive numa relação próxima e íntima com
Deus – tem de manifestar em gestos concretos essa vida de amor que lhe enche o
coração (vers. 8). Os que “nasceram de Deus” devem, pois, amar os irmãos com o
mesmo amor incondicional, desinteressado e gratuito que caracteriza o ser de
Deus (vers. 7). O amor aos irmãos não é, pois, algo de acessório, de
secundário, para o crente; mas é algo de essencial, de obrigatório. Ser “filho
de Deus” e viver em comunhão com Deus exige que o amor transpareça nos gestos
de todos os dias e nas relações que estabelecemos uns com os outros.
ATUALIZAÇÃO
•
“Deus é amor”. O autor da Primeira Carta de João não chegou a esta definição de
Deus através de raciocínios acadêmicos e abstratos, mas através da constatação
do modo de atuar de Deus em relação aos homens. Sobretudo, ele “viu” o que
aconteceu com Jesus e como Jesus mostrou, em gestos concretos, esse incrível
amor de Deus pela humanidade. João convida-nos a contemplar Jesus e a tirar
conclusões sobre o amor de Deus; convida-nos, também, a reparar nessas mil e
uma pequenas coisas que trazem à nossa existência momentos únicos de alegria,
de felicidade, de paz e a perceber nelas sinais concretos do amor de Deus, da
sua presença ao nosso lado, da sua preocupação conosco. A certeza de que “Deus
é amor” e que Ele nos ama com um amor sem limites é o melhor caminho para
derrubar as barreiras de indiferença, de egoísmo, de autossuficiência, de
orgulho que tantas vezes nos impedem de viver em comunhão com Deus.
•
O que é “nascer de Deus” ou ser “filho de Deus”? É ter sido batizado e ter
passado, por um ato institucional, a pertencer à Igreja? “Nascer de Deus” é
receber vida de Deus e deixar que a vida de Deus circule em nós e se transforme
em gestos. Não
somos “filhos de Deus” porque um dia fomos batizados; mas somos “filhos de
Deus” porque um dia optamos por Deus, porque continuamos dia a dia a acolher
essa vida que Ele nos oferece, porque vivemos em comunhão com Ele e porque
damos testemunho desse Deus que é amor através dos nossos gestos.
•
Se somos “filhos” desse Deus que é amor, “amemo-nos uns aos outros” com um amor
igual ao de Deus – amor incondicional, gratuito, desinteressado. Um crente não
pode passar a vida a olhar para o céu, ignorando as dores, as necessidades e as
lutas dos irmãos que caminham pela vida ao seu lado… Também não pode fechar-se
no seu egoísmo e comodismo e ignorar os dramas dos pobres, dos oprimidos, dos
marginalizados… Não pode, tampouco, ser seletivo e amar só alguns, excluindo os
outros… A vida de Deus que enche os corações dos crentes deve manifestar-se em
gestos concretos de solidariedade, de serviço, de dom, em benefício de todos os
irmãos.
ALELUIA
– Jo 14,23
Aleluia.
Aleluia.
Se
alguém Me ama, guardará a minha palavra.
Meu
Pai o amará e faremos nele a nossa morada.
EVANGELHO
–
Jo 15,9-17
O
Evangelho deste domingo situa-nos, outra vez, em Jerusalém, numa noite de
Quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta. A festa da Páscoa está muito
próxima e a cidade está cheia de forasteiros. Jesus também está na cidade com o
seu grupo de discípulos.
Há
já alguns dias que as autoridades judaicas tinham decidido eliminar Jesus (cf.
Jo 11,45-57). A morte na cruz é agora mais do que uma probabilidade: é o
cenário imediato; e Jesus está plenamente consciente disso. Os discípulos
também já perceberam que estão num momento decisivo e que, nas próximas horas,
Jesus lhes vai ser tirado. Estão apreensivos e com medo. Será que a aventura
com Jesus chegou ao fim?
É
neste contexto que podemos situar a última ceia de Jesus com os discípulos.
Trata-se de uma “ceia de despedida” e tudo o que aí é dito por Jesus soa a
“testamento final”… Jesus sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos
ficarão no mundo, continuando e testemunhando o projeto do “Reino”. Nesse
momento de despedida, as palavras de Jesus recordam aos discípulos o essencial
da mensagem e apresentam-lhes as grandes coordenadas desse projeto que eles
devem continuar a concretizar no mundo.
No
texto que nos é proposto, Jesus procura apontar à sua comunidade (de ontem, mas
também de hoje e de sempre) o verdadeiro “caminho do discípulo” – o caminho da
união a Jesus e ao Pai. Na perícope anterior (cf. Jo 15,1-8), Jesus tinha
usado, para tratar este tema, a imagem dos ramos (discípulos) que hão-de dar
fruto (missão) pela sua união com a videira (Jesus), plantada pelo agricultor
(Deus); agora, Jesus fala dos discípulos como “os amigos” que Ele escolheu para
colaborarem com Ele na missão.
Neste
discurso de despedida de Jesus aos discípulos, João propõe-nos uma catequese
onde são apresentadas as principais coordenadas desse “caminho” que os
discípulos devem percorrer, após a partida de Jesus deste mundo. João
refere-se, de forma especial, à relação de Jesus com os discípulos e à missão
que os discípulos serão chamados a desempenhar no mundo.
1. A relação do Pai com Jesus é o modelo da
relação de Jesus com os discípulos. O Pai amou Jesus e demonstrou-Lhe sempre o
seu amor; e Jesus correspondeu ao amor do Pai, cumprindo os seus mandamentos…
Da mesma forma, Jesus amou os discípulos e demonstrou-lhes sempre o seu amor; e
os discípulos devem corresponder ao amor de Jesus, cumprindo os seus
mandamentos (vers. 9-10).
2.
Quais são esses mandamentos do Pai que Jesus procurou cumprir com total
fidelidade e obediência? João refere-se aqui, evidentemente, ao cumprimento do
projeto de salvação que Deus tinha para os homens e que confiou a Jesus. Jesus,
com absoluta fidelidade, cumpriu os “mandamentos” do Pai e apresentou aos
homens uma proposta de salvação… Libertou os homens da opressão da Lei, lutou
contra as estruturas que escravizavam os homens e os mantinham prisioneiros das
trevas; ensinou os homens a viver no amor – no amor que se faz serviço, doação,
entrega até às últimas consequências. Apresentou-lhes, dessa forma, um caminho
de liberdade e de vida plena. Da ação de Jesus nasceu o Homem Novo, livre do
egoísmo e do pecado, capaz de estabelecer novas relações com os outros homens e
com Deus.
Os
discípulos são o fruto da obra de Jesus. Eles formam uma comunidade de homens
livres, que acolheram e assimilaram a proposta salvadora que o Pai lhes
apresentou em Jesus. Eles
nasceram do amor do Pai, amor que se fez presente na ação, nos gestos, nas
palavras de Jesus.
3.
Agora os discípulos, nascidos da ação de Jesus, estão vinculados a Jesus.
Devem, portanto, cumprir os “mandamentos” de Jesus como Jesus cumpriu os
“mandamentos” do Pai. Eles devem, como Jesus, ser testemunhas da salvação de
Deus e levar a libertação aos irmãos. Essa proposta que Jesus faz aos
discípulos é uma proposta que conduz à vida, à realização plena, à alegria
(vers. 11).
4. A proposta de salvação que Jesus faz aos
homens e da qual nascerá o Homem Novo resume-se no amor (“é este o meu
mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” – vers. 12). Jesus
amou totalmente, até às últimas consequências, até ao dom da vida (vers. 13).
Como Jesus, através do amor, manifestou aos homens a salvação de Deus, assim
também devem fazer os discípulos. Eles devem amar-se uns aos outros com um amor
que é serviço simples e humilde, doação total, entrega radical. Desse amor
nasce a comunidade do Reino, a comunidade do mundo novo, que testemunha,
através do amor, a salvação de Deus. Deus faz-Se presente no mundo e age para
libertar os homens através desse amor desinteressado, gratuito, total, que tem
a marca de Jesus e que os discípulos são chamados a testemunhar.
5.
Como é a relação entre Jesus e esta comunidade de Homens Novos que aprenderam
com Jesus a viver no amor e que são as testemunhas no mundo da salvação de
Deus?
Esta
comunidade de homens novos, que ama sem medida e que aceita fazer da própria
vida um dom total aos irmãos, é a comunidade dos “amigos” de Jesus (vers. 14).
A relação que Jesus tem com os membros dessa comunidade não é uma relação de
“senhor” e de “servos”, mas uma relação de “amigos”, pois o amor colocou Jesus
e os discípulos ao mesmo nível. Jesus continua a ser o centro do grupo, mas não
se põe acima do grupo.
Estes
“amigos” colaboram todos numa tarefa comum. Têm todos a mesma missão
(testemunhar, através do amor, a salvação de Deus) e são todos responsáveis
para que a missão se concretize. Os discípulos não são servos a soldo de um
senhor, mas amigos que, voluntariamente e cheios de alegria e entusiasmo,
colaboram na tarefa.
Entre
esses “amigos”, há total comunicação e confiança (o “servo” não conhece os
planos do “senhor”; mas o “amigo” partilha com o outro “amigo” os seus planos e
projetos). Aos seus “amigos”, Jesus comunicou-lhes o projeto de salvação que o
Pai tinha para os homens e também a forma de realizar esse projeto (através do
amor, da entrega, do dom da vida). Jesus revela Deus aos “amigos”, não através
de enunciados sobre o ser de Deus, mas mostrando, com a sua pessoa e a sua atividade,
que o Pai é amor sem limites e trabalha em favor do homem.
6.
Os discípulos (os “amigos”) são os eleitos de Jesus, aqueles que Ele escolheu,
chamou e enviou ao mundo a dar fruto (vers. 16a). Tal não significa que Jesus
chame uns e rejeite outros; significa que a iniciativa não é dos discípulos e
que a sua aproximação à comunidade do Reino é apenas uma resposta ao desafio
que Jesus apresenta.
O
objetivo desse chamamento é a missão (“escolhi-vos e destinei-vos para que
vades e deis fruto” – vers. 16b). Jesus não quer constituir uma comunidade
fechada, isolada, voltada para si própria, mas uma comunidade que vá ao
encontro do mundo, que continue a sua obra, que testemunhe o amor, que leve a
todos os homens o projeto libertador e salvador de Deus. O resultado da ação
dos discípulos de Jesus será o nascimento do Homem Novo – isto é, de homens adultos,
livres, responsáveis, animados pelo Espírito, que reproduzem os gestos de amor
de Jesus no meio do mundo. Dessa forma, concretizar-se-á o projeto salvador de
Deus. Esse “fruto” deve permanecer – quer dizer, deve tornar-se uma realidade
efetivamente presente no mundo, capaz de transformar o mundo e a vida dos
homens. Quanto mais forte for a intensidade do vínculo que une os discípulos a
Jesus, mais frutos nascerão da ação dos discípulos.
Nessa
ação, os discípulos não estarão sozinhos. O amor do Pai e a união com Jesus
sustentarão os discípulos que, no meio do mundo, se empenham em realizar o
projeto de salvar o homem (16c).
7.
O nosso texto termina com uma nova referência ao mandamento de Jesus: “amai-vos
uns aos outros” (vers. 17). O amor partilhado é a condição para estar vinculado
a Jesus e para dar fruto. Se este mandamento se cumpre, Jesus estará sempre
presente ao lado dos seus discípulos; e, essa presença impulsionará a
comunidade e sustentá-la-á na sua atividade em favor do homem.
ATUALIZAÇÃO
•
As palavras de Jesus aos discípulos na “ceia de despedida” deixam claro, antes
de mais, que os discípulos não estão sozinhos e perdidos no mundo, mas que o
próprio Jesus estará sempre com eles, oferecendo-lhes em cada instante a sua
vida. Este é o primeiro grande ensinamento do nosso texto: a comunidade de
Jesus continuará, ao longo da sua marcha pela história, a receber vida de Jesus
e a ser acompanhada por Jesus. Nos momentos de crise, de desilusão, de
frustração, de perseguição, não podemos esquecer que Jesus continua ao nosso
lado, dando-nos coragem e esperança, lutando conosco para vencer as forças da
opressão e da morte.
•
Os discípulos são os “amigos” de Jesus. Jesus escolheu-os, chamou-os, partilhou
com eles o conhecimento e o projeto do Pai, associou-os à sua missão;
estabeleceu com eles uma relação de confiança, de proximidade, de intimidade,
de comunhão. Este tipo de relação que Jesus quis estabelecer com os discípulos
não exclui, no entanto, que Ele continue a ser o centro e a referência, à volta
da qual se constrói a comunidade dos discípulos. Jesus é, de fato, o centro à
volta do qual se articula a vida das nossas comunidades? Que lugar é que Ele
ocupa na nossa vida? Como é que no dia a dia desenvolvemos e aprofundamos o
nosso encontro e a nossa comunhão com Ele?
•
Fazer parte da comunidade dos “amigos” de Jesus não é ficar “a olhar para o
céu”, contemplando e admirando Jesus; mas é aceitar o convite que Jesus faz no
sentido de colaborar na missão que o Pai Lhe confiou e que consiste em
testemunhar no mundo o projeto salvador de Deus para os homens. Compete-nos a
nós, os “amigos” de Jesus, mostrar em gestos concretos que Deus ama cada homem
e cada mulher – e de forma especial os pobres, os marginalizados, os débeis, os
pequenos, os oprimidos; compete-nos a nós, os “amigos” de Jesus, eliminar o
sofrimento, o egoísmo, a miséria, a injustiça, tudo o que oprime e escraviza os
irmãos e desfeia o mundo; compete-nos a nós, os “amigos” de Jesus, sermos
arautos da justiça, da paz, da reconciliação, do amor; compete-nos a nós,
“amigos” de Jesus, denunciarmos os pseudo-valores que oprimem e escravizam os
homens… Nós, os “amigos” de Jesus, temos de ser testemunhas desse mundo novo
que Deus quer oferecer aos homens e que Jesus anunciou na sua pessoa, nas suas
palavras e nos seus gestos. Estamos, de fato, disponíveis para colaborar com
Jesus nessa missão?
•
Sobretudo, os “amigos” de Jesus devem amar como Ele amou. Jesus cumpriu os
“mandamentos” do Pai – isto é, o projeto de Deus para salvar e libertar os
homens – fazendo da sua vida um dom total de amor, sem limites nem condições; a
cruz é a expressão máxima dessa vida vivida exclusivamente para os outros. É
esse o caminho que Jesus propõe aos seus discípulos (“é este o meu mandamento:
que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei”). É aqui que reside a
“identidade” dos discípulos de Jesus… Os cristãos são aqueles que testemunham
diante do mundo, com palavras e com gestos, que o mundo novo que Deus quer
oferecer aos homens, se constrói através do amor. O que é que condiciona a
nossa vida, as nossas opções, as nossas tomadas de posição: o amor, ou o
egoísmo? As nossas comunidades são, realmente, cartazes vivos que anunciam o
amor, ou são espaços de conflito, de divisão, de luta pelos próprios
interesses, de realização de projetos egoístas?
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