“Quem são
nossos irmãos e nossas irmãs?”
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Leituras:
Gênesis 3, 9-15;
Salmo 129 (130);
Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios 4,
3-18-5,1;
Marcos 3, 20-35.
COR LITÚRGICA: VERDE
Nesta Eucaristia, Jesus nos diz que a sua família são todos
aqueles e aquelas que fazem a vontade de Deus, e que por isso estão fortes e
firmes para lutarem contra toda força do mal. O reino da maldade chega ao fim
para dar início ao Reino de Deus. Esta vitória só é possível com a nossa ajuda.
Peçamos a Deus que esta celebração nos torne cada vez mais fortes para ajudar
nesta luta contra o mal.
1. Situando-nos
brevemente
O Senhor nos reúne em sua casa que é a comunidade onde
somos acolhidos, batizados, irmãos e irmãs, ouvintes da Palavra, proclamadores
das maravilhas da salvação, aprendizes da partilha e do perdão, e sempre
enviados em missão. A assembléia é convocada para ser enviada.
A comunidade, a casa de Jesus, comprometida com o bem e
a fraternidade, vive em tempos de ganância, violência, corrupção, impunidade,
enfim, um rosário de coisas que fazem o povo sofrer. E, ainda, tantas vezes, é
vítima de calúnias e suas lideranças são ameaçadas, perseguidas e até mortas
violentamente.
A Palavra de Deus vem ao encontro das comunidades e as
motiva a continuarem na luta e a melhorarem as condições de moradia, de
emprego, de salários e de pão para todos. A Palavra ajuda a identificar os
responsáveis por essa triste situação de fome, de injustiças, de violência e de
agressão à vida. Deus mesmo não quer o mal e muito menos compactua com ele.
Jesus veio para amarrar satanás e tirar do seu poder o povo explorado,
injustiçado e sem dignidade e liberdade.
Jesus constitui uma nova família com os que fazem a
vontade de Deus e entram no seu projeto de vida, aceita viver a fraternidade,
romper os padrões envelhecidos e carcomidos pelo tempo que não mais se colocam
a serviço do bem comum da população: a nossa comunidade.
2. Recordando a
Palavra
O livro do Gênesis lembra o pecado
de Adão e Eva. A palavra Adão vem significar homem. Seu pecado, como o nosso,
nos dias de hoje, é: o orgulho de ser igual a Deus, querer ser seu próprio deus
ou fabricar deuses à sua imagem e semelhança. E, quando os olhos de Adão se
abrem, constata que está nu, ou seja, desprotegido e com medo diante de Deus.
Mesmo no pecado e no afastamento,
Deus não o rejeita, mas castiga a serpente, símbolo do mal e mais tarde
identificada com o demônio, autor e princípio de todo o pecado. No futuro, a
descendência humana vai esmagar a sua cabeça, uma referência a Jesus Cristo que
vence o demônio pela sua morte e ressurreição.
O mal, portanto, não vem de Deus,
mas do homem. Deus fez todas as coisas perfeitas, mas os humanos subvertem o
seu plano, pensam conseguir a felicidade dando asas às suas paixões e
interesses, virando as costas para Deus.
Ou seja, o homem e a mulher
“comeram” do fruto, isto é, deram livre curso à ganância e ao orgulho,
tornando-se eles próprios o critério para decidir o que é bem e o que mal. Com
isso, as pessoas acham que podem fazer o bem entendendo-o como um “salve-se quem puder”. E a sociedade
torna-se um campo de batalha, onde reina o medo de ser devorado ou explorado
pelo outro (“fiquei com medo, porque estava nu e me escondi”).
Medo, nudez e fuga são esconderijos
quando as pessoas são lobos umas para as outras. E ninguém quer ser responsável
por seus atos e manipulações. Adão culpa Eva e Eva responsabiliza a serpente.
Medo e acusação estão introjetados nas relações humanas.
Em vez de optar em colocar limites
ao desejo de “comer”, o homem deixou-se possuir pelos seus desejos e paixões e
permitiu que a serpente decidisse em seu lugar, tornando-se a pedra de tropeço
nos caminhos da verdadeira felicidade.
Mas, Deus aponta um caminho de
esperança: a certeza da vitória está na descendência justa, que fere
mortalmente a cabeça da serpente. Deus quer uma geração nova que será a família
de Jesus (conforme o Evangelho). Uma família, comunidade que lute contra tudo o
que divide e escraviza as pessoas. Uma comunidade de irmãos, de mães e de
filhos, que faz do relacionamento fraterno e amigo o centro de suas alegrias e
esperanças.
O Salmo 129 (130) é a súplica de
uma pessoa em grave situação, que clama por Javé que se mostra ao Deus da
aliança. O salmo respira temor, confiança e esperança em Deus. Era cantado
pelos israelitas na peregrinação anual para Jerusalém. O salmista fala em nome
de todo o povo que se reconhece pecador e invoca Deus do profundo abismo que se
encontra. Tem consciência que somente Deus o pode perdoar e espera com fé a sua
palavra de paz.
A carta aos Coríntios, escrita num
momento difícil na vida de Paulo, mostra o “espírito de fé”, a força
carismática que leva o apóstolo a testemunhar sua fé sustentada pela esperança
do encontro com o Ressuscitado no final da caminhada. Enquanto o homem exterior
vai caducando e se deteriorando, o interior se renova em e para Cristo.
Da aflição e dos sofrimentos
atuais, passamos à glória eterna. Isto tem sentido quando lembramos o
relacionamento tenso de Paulo com a comunidade de Corinto, onde havia numerosos
adversários que faziam de tudo para criar-lhe complicações e atrapalhar a sua
vida de missionário dedicado e carinhoso.
Os bens materiais não podem ser
considerados como os únicos objetivos na vida. O homem se serve deles para
poder viver e não para acumular riquezas e poder. A vida presente não é
definitiva, tem um começo e tem um fim. Por isso, Paulo se alegra, pois, quando
se desfizer este corpo, receberemos um corpo nos céus, não feito por mãos
humanas.
O Evangelho de Marcos tem uma
solicitude básica que procura responder à pergunta: Quem é Jesus? Ele não
apresenta apenas uma resposta teórica, mas fundamentada no seguimento e
engajamento nas práticas de Jesus. Na perícope de hoje, trabalha a reposta
através dos exorcismos e indica como as pessoas vão se definindo contra ou a
favor de Jesus.
Marcos apresenta Jesus, tantas
vezes, no meio da multidão, onde Ele se sente “em casa”, ao que parece. Nesta
casa, Ele vai mostrando quem é. A casa de Jesus , local da sua morada, repouso
do seu coração e missão, é o lugar onde se reúnem os sofredores e os
discriminados de toda espécie, a ponto de Ele e seus discípulos não terem tempo
para comer e dormir.
Mas a missão de Jesus encontra
obstáculos de toda ordem, mesmo no seio da sua família. Os seus parentes saem
de casa para agarrá-lo e o chamam de louco. Procuram recolhê-lo.
Realizar as obras de Jesus e
proclamar o Evangelho é muito perigoso, pois mexe com muita gente, mina as
seguranças e relativiza as instituições religiosas do tempo.
A arma dos inimigos é desmoralizar
ou rebaixar quem age desse jeito. E os doutores da lei vêm como enviados de
Jerusalém, interessados em não mudar nada. Toda situação econômica e religiosa
lhes era muito favorável.
Acusam Jesus de endemoninhado e
parceiro de satanás, príncipe dos demônios. E o pecado deles é muito grave.
Fecham-se em sua ganância e prepotência. Estão cegos pelo “brilho” do seu
orgulho. Não são capazes de ver e ouvir os sinais dos tempos, nem sequer de
dialogar com quem vinha com outra proposta e outro projeto de sociedade, de
economia e de convivência entre as pessoas.
3. Atualizando a
Palavra
Quem pratica o mal não se encontra mais no lugar que lhe
foi designado e confiado na criação. Deus o procura e chama... e não o
encontra. “Onde está?” Está, portanto, fora do lugar, longe do projeto original
e distante da bênção de Deus, que é vida e paz para todos.
O local previsto e preparado por Deus não é o pecado, o
orgulho e a dominação, que distanciam os homens uns dos outros. Os que pecam se
sentem nus, como os escravos, despojados da liberdade e da dignidade humana.
Ao deixar conduzir pelo egoísmo, o homem destrói a si
mesmo e abala a ordem da natureza, que se revolta, perde a fertilidade, chama
catástrofes produz cardos e espinhos.
A verdade continua a mesma: quem julga poder proclamar
sua independência diante de Deus, quem pretende construir seu próprio mundo,
quem se isola em seu egoísmo não considera Deus como seu amigo, mas como um
adversário a ser temido, evitado, mantido à distância.
“Ouvi o barulho dos teus passos no jardim e tive medo”:
ou seja, a presença de Deus incomoda, coloca ruídos na consciência e atrapalha
o sossego do paraíso. Deus criou os homens para se ajudarem. O pecado, ao
contrário, os desune, os afasta uns dos outros e os torna inimigos.
Colocados, nesta celebração, frente a frente do
Evangelho, concluímos como é importante cada um descobrir e assumir a sua
missão, contribuindo com a sua parte na construção de uma nova sociedade, que é
a família de Jesus, cujo espelho é a comunidade litúrgica, a verdadeira mãe e
irmã do Senhor, onde se cultiva o bem, se vive a fraternidade, se partilha os
bens e se luta para melhorar a qualidade de vida de todos e para todos. Essa
convicção da missão ajudará a sair do comodismo, a vencer críticas e superar
todo tipo de dificuldades.
4. Ligando a Palavra e
a Eucaristia
Talvez nem sempre consigamos avaliar o valor e a
importância da celebração em nossas vidas e no crescimento espiritual da
comunidade, discípula missionária, enviada ao mundo para fazê-lo mais bonito,
mais humano e tornar-se mais sensível aos problemas e dificuldades das pessoas,
especialmente dos pobres, marginalizados e rejeitados.
E acolher a Palavra de Deus é permitir que a ação do
Espírito nos transforme e que Jesus nos introduza no seu jeito de viver a
obediência ao Pai e de servir a humanidade. A celebração faz memória e atualiza
em nossas vidas a prática de Jesus. Nela nos envolve e com ela nos compromete.
Pelo ritual da celebração, entramos e comungamos na prática libertadora e
caritativa de Jesus.
A força e o poder de Deus não estão na violência nem na
organização de uma cidade. Jesus demonstra isso: aceitou ser homem frágil, mas
uma fraqueza que vence o demônio. Contemplando essa pedagogia e os ensinamentos
de Jesus, nos acercamos da mesa eucarística, reunidos em comunidade, em torno
do pão e do vinho, numa atitude de paz, imbuídos pela oração do salmista:
“espere Israel pelo Senhor pois nele se encontram toda graça e copiosa
redenção. Ele vem libertar Israel de toda a sua culpa”.
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