O elogio das crises de fé
Parte I
Padre José Tolentino Mendonça
Diretor do secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Encontro no Convento das Monjas Dominicanas do Lumiar
Resumo :
«Mais do que uma palavra, “crise” é uma árvore de ramos
incessantes». «A crise é uma espécie de assinatura humana.» «A crise é
essencial para podermos crescer.» «Não há vida», «maturação pessoal»,
«crescimento espiritual» nem «consciência de si» que «não suponha a
experiência» da crise.
«Não faz sentido alimentarmos uma visão puramente
negativa da crise». O que nos é pedido, «antes de tudo, é que
escutemos a sua voz», tornando-a um «lugar de aprendizagem». «A crise
aparece como um apelo e uma mensagem que é preciso decifrar».
«O verdadeiro problema que a crise coloca é como
geri-la, que uso fazer dela.» A vida é o perde-ganha. E nesta perde
inscreve-se a possibilidade surpreendente» por onde o «imprevisto de
Deus pode entrar».
«Temos, culturalmente, pouca disponibilidade para
escutar a crise» e perceber que ela «pode ser um austero mestre» que
«aparece para evitar o pior», ou seja, «o desencontro com a nossa
verdade.»
A crise, seja ela de fé, económica ou de qualquer
outro tipo, pode ser entendida como «momento privilegiado de
auscultação». Para isso é preciso olhar para ela «como um caminho, e
não como o fim da estrada».
Por vezes a crise convoca-nos a uma leitura
«impiedosa» e «purificatória» da existência e dos tecidos económicos,
éticos e eclesiais que tínhamos por adquiridos. «A crise obriga-nos a
repensar a nossa posição no mundo».
«Neste longo, paciente – às vezes impaciente –
processo de maturação interior e crescimento espiritual temos de
aceitar o que Camilo Pessanha dizia num dos seus sonetos: “Foi bom para
nós esta demora”.»
Toda a crise é constituída por três andamentos. O
primeiro é a separação, por vezes violenta e inesperada. A primeira
imagem que temos da crise é a de um rasgão que descostura a vida.
O segundo momento é o do umbral: na crise somos
colocados perante o inédito. A experiência do novo acontece de uma
forma surpreendente.
A crise possibilita também a reconfiguração, uma
nova compreensão, uma renovada presença no mundo e na história. A
possibilidade de renascer.
É muito fácil ficarmos no primeiro passo,
pensando que a crise é simplesmente a morte. A vida pode ser bela e
feliz para além das nossas ilusões. Por isso a crise pode ser uma
alavanca para uma maturação mais funda e paciente da existência.
A experiência de Deus não é necessariamente de
consolação ou confirmação. A tradição bíblica fala de uma experiência
de crise e de luta.
«A fé não é a construção de uma estabilidade mas é a aceitação de um combate, que é também uma dança com o anjo de Deus.»
A experiência de Deus é de nudez, muitas vezes mudez, de fragilidade, dúvida, silêncio e noite; é uma experiência de não saber, não ver, não conhecer, não ter, não poder... É um não repetido que paradoxalmente acaba por se tornar lugar de encontro.
«O crente é aquele que se deixa colocar em
crise.» As narrativas bíblicas do Natal são a «invasão da crise», desde
a anunciação a Maria ao anúncio aos pastores.
«Bendita noite, bendito silêncio de Deus, bendito caminho austero que a fé nos leva a fazer.»
«O que nos é oferecido é o caminho, a viagem, o bordão e as sandálias de peregrino.»
«Não há teologia de fé que não seja teologia de crise. A
fé é para nos colocar em crise, isto é, em estado de abertura,
renascimento e reconfiguração.»
A figura de Pedro é trabalha desde o início a partir do motivo da crise. Pedro olha para a crise como um obstáculo; Jesus olha para a crise como uma oportunidade.
«Aprender a não temer e a sentir a crise como o momento do chamamento, da vocação, do seguimento e da descoberta mais funda.»
«Também para nós a crise, “esse misterioso país
das lágrimas”, não é um impedimento. Não só as crises de fé que nos
impedem de acreditar. É nosso o conformismo, o acharmos que está tudo
feito e resolvido.»
«A crise de fé é o momento privilegiado que o
Espírito Santo nos dá para mergulharmos mais profundamente na nossa
existência, no nosso coração.»
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