Riqueza e Prosperidade
Há bastante bens no mundo para todas as necessidades
dos homens;
só não há o suficiente para a cobiça humana
(M.
Gandhi).
Hoje
em dia há uma enorme confusão entre as palavras riqueza e prosperidade.
Muitos as apontam como sinônimos, o que não é verdade. De fato, enquanto ser
rico é uma coisa, a idéia de ser próspero aponta para outro sentido. Rico é
aquele que tem bens, dinheiro, imóveis, carros, conceito social, etc. Ele, em
geral, e esta é a visão comum, é quem acumula riquezas, trabalhando ou não,
auferindo bens de forma estranha, honesta ou não, loterias, herança, etc. A voz
do povo afirma que “trabalhando ninguém fica rico”. São Jerônimo foi mais além:
“O rico é um injusto ou herdeiro de um injusto”. Na balança da economia social
sabe-se que há pobres por causa do excesso de acumulação dos ricos. Como
afirmou João Paulo II “É um escândalo constatar a existência de pobres cada vez
mais pobres por causa de ricos cada vez mais ricos”.
Contra eles Jesus bradou, no Sermão da Montanha:
Ai de vocês, ricos, pois já tem a sua consolação! (Lc
6, 20)
Na continuidade, o apóstolo Tiago, chamado de o Amós
do Novo Testamento, profetizou a incidência de ferrugem sobre toda a riqueza injusta:
E agora vocês, ricos: comecem a chorar e gritar por
causa das desgraças que estão para cair sobre vocês. Suas riquezas estão
podres, suas roupas foram roídas pela traça; o ouro e a prata de vocês estão
enferrujados; e a ferrugem deles será testemunha contra vocês, e como fogo lhes
devorará a carne. Vocês amontoaram tesouros para o fim dos tempos. Vejam o
salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês: retido
por vocês, esse salário clama, e os protestos dos cortadores chegaram aos ouvidos
do Senhor dos exércitos. Vocês tiveram na terra uma vida de conforto e luxo;
vocês estão ficando gordos para o dia da matança. Vocês condenaram o justo, e
ele não conseguiu defender-se (Tg 5, 1-6).
No contexto espiritual do
cristianismo, a pobreza é um mistério. A cristologia nos revela, desde o
princípio, que Jesus Cristo foi um “agitador” que subvertia as coisas: os
pobres é que são felizes, o Reino é dos pequenos, as prostitutas e os
cobradores têm primazia, tudo isso em superveniência ao dinheiro dos ricos, à
força dos poderosos, ao saber dos intelectuais e à santidade dos “escolhidos”. Contra
esses há uma frase lapidar de Gustavo Gutiérrez, um dos grandes pensadores da
Teologia da Libertação na América Latina:
Se
a pobreza é contrária à vontade do Deus da vida, Lutar contra a pobreza é uma
forma de dizer sim ao Reino de Deus (in: El
Diós de la vida).
Ainda perfilado ao “ai de vocês ricos...” Jesus contou a história de um homem que só
pensava em sua riqueza, em suas festas e prazeres, legítimos rico que não
ligava para o sofrimento de um pobre que vegetava à porta de sua casa:
Havia
um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e dava esplêndidos banquetes
todos os dias. E um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, que estava caído à
porta do rico. Ele queria matar a fome
com as sobras que caíam da mesa do rico. Em vez disso eram os cães que vinham
lhe lamber as feridas (Lc 16,19ss).
Referindo-se
à dureza do coração dos ricos, o Mestre afirmou: “Como é difícil um rico entrar no Reino dos céus...”. Isto nos leva
a concluir que quem tem só dinheiro não passa de um pobre diabo... Há muitas
invectivas na Bíblia – e vale lembrá-las – contra a usura, a exploração e o
fechamento de coração por parte dos ricos.
Feliz quem tem piedade e ajuda o oprimido; seus negócios serão conduzidos
com retidão; mas a ambição dos injustos, no final resultará em fracasso (Sl
112, 5. 10).
Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo com campo, até que
não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitar no meio do país. Javé jurou
no meu ouvido: “Suas muitas casas serão arrasadas, seus palácios luxuosos
ficarão desabitados; um alqueire de videira dará apenas um barril e dez medidas
de semente produzirão uma só (Is 5, 8ss).
Não explore o fraco por ser fraco, nem defraude o pobre nos tribunais,
porque Javé defenderá a causa deles e tirará a vida de seus opressores (Pv 22,
22ss)
A abundância do rico tira-lhe o sono (Eclo 5, 11).
Quem ama o dinheiro nunca se sacia dele. Quem é apegado às riquezas,
nunca se farta com a renda. Isso também é vaidade! Quando a riqueza aumenta,
cresce também o número daqueles que querem se devorar. Que vantagem tem o
proprietário, além de saber que é rico? Coma muito ou coma pouco, o sono do
trabalhador é tranquilo (Eclo 5, 9s).
Vocês não podem servir a dois Senhores... (Mt 6,24).
Ao
contrário, nos surpreende como é notável a generosidade com que Javé socorre
aqueles que usam de solidariedade para com seu próximo:
Feliz o que se lembra do pobre e do necessitado, porque no dia da
desgraça o Senhor o salvará (Sl 41, 2).
Quem pratica a justiça e é generoso, trilha humildemente
os caminhos de Deus (Mq 6, 8).
Contra a injustiça da avareza e do egoísmo, insurgem-se
os profetas e escritores sagrados:
O inferno e o abismo são como fossas sem fundo. Assim
também a ambição humana (Pv 27, 20);
No dizer de J. B. Bossuet († 1704), “os ricos são estrangeiros no Reino. Só a
partilha pode naturalizá-los”. Não está excluído das bem-aventuranças quem,
por exemplo, tem um emprego, uma casa razoável, ou um automóvel. Importa, sim,
a destinação que a pessoa dá a seus bens. Importa o que eles significam para
você. Sua riqueza é coisa ou divindade? O rico geralmente não cultiva
valores. Ele só pensa em si e no seu patrimônio. O rico não reparte, não sabe
praticar a justiça e por isso não tem paz. De sua ganância e busca cega de
conforto brota a depressão e – não-raro – o suicídio. Quem só ama as coisas do
mundo não pode ser fiel a Deus.
Riquezas injustas não trazem proveito, mas a justiça
livra da morte (Pv 10,2).
Muita
gente inveja o status do rico, mesmo que ele seja um explorador, egoísta e até
desonesto. Há quem deseja copiar o modelo de vida dos corruptos, por ver em
suas posses um sinal de felicidade. São Paulo e o evangelista João advertem
contra esse tipo de equívoco:
Não se amoldem às
estruturas deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente, a fim de
distinguir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que é agradável a ele, o
que é perfeito (Rm 12,2).
Se alguém ama os valores do mundo, o
amor do Pai não está nele (1Jo 2,15).
De outro lado,
orar a Deus pedindo prosperidade é um ato salutar, natural e, sobretudo legal.
A prosperidade é vista como um desenvolvimento, da pessoa ou da sociedade, no
sentido mais amplo. Não se trata apenas de amealhar riquezas ou bens. O
indivíduo próspero adquire conceito, cresce em suas relações, finanças, vida
familiar e comunhão em
geral. Enquanto o rico só busca juntar dinheiro e assim
superar e suplantar os outros, o próspero anseia por um crescimento integral.
Prosperar implica em não se contaminar. Ao contrário, a riqueza por suas
características de coisa efêmera e geralmente tendente à injustiça, nos reserva
pouca credibilidade para a hora decisiva:
Não confie nas riquezas
injustas; elas não o ajudarão no dia da desgraça (Eclo 5,8)
Se as
Escrituras denunciam o rico como explorador, insaciável e egoísta, vemos que o
indivíduo próspero é aquele que vive satisfeito com o que tem, reparte com os
necessitados e não cansa de louvar a Deus por aquilo que possui. O avarento tem
no seu insano desejo de acumular uma demonstração de falta de fé. Como não sabe
se Deus vai suprir suas necessidades, ele poupa. Já o próspero não. Ele crê na
providência de Deus: Yahweh jireh
(Deus proverá)!). Além das suas necessidades. Jesus disse “ai dos ricos”, mas
nunca disse “ai dos prósperos”.
Concluindo, dentro
do nosso tema central, serve de orientação para nós o pedido que o rei Salomão
dirigiu ao Senhor, não desejando ter muitos bens (a riqueza) para não se tornar
soberbo, nem a penúria (a miséria) para não se revoltar, mas apenas o
equilíbrio (a prosperidade) para viver bem e dignamente e assim louvar o
Todo-poderoso (cf. Pv 30,8s). Na minha oração diária peço, para minha família e
amigos, saúde, proteção, prosperidade, fé, paz e senso de justiça. Amém!
Antonio Mesquita Galvão.
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