4º DOMINGO DA PÁSCOA- ANO C
Ele o pastor que nos conduz às fontes de água viva
O 4º Domingo do Tempo Pascal é considerado o “Domingo do Bom Pastor”,
pois todos os anos a liturgia propõe um trecho do capítulo 10 do Evangelho
segundo João, no qual Jesus é apresentado como Bom Pastor. É, portanto, este o
tema central que a Palavra de Deus hoje nos propõe.
O Evangelho apresenta Cristo como o Bom Pastor, cuja missão é
trazer a vida plena às ovelhas do seu rebanho; as ovelhas, por sua vez, são
convidadas a escutar o Pastor, a acolher a sua proposta e a segui-l’O. É dessa
forma que encontrarão a vida em plenitude.
A primeira leitura propõe-nos duas atitudes diferentes diante da
proposta que o Pastor (Cristo) nos apresenta. De um lado, estão essas “ovelhas”
cheias de auto-suficiência, satisfeitas e comodamente instaladas nas suas
certezas; de outro, estão outras ovelhas, permanentemente atentas à voz do
Pastor, que estão dispostas a arriscar segui-l’O até às pastagens da vida
abundante. É esta última atitude que nos é proposta.
A segunda leitura apresenta a meta final do rebanho que seguiu
Jesus, o Bom Pastor: a vida total, de felicidade sem fim.
LEITURA I – At
13,14.43-52
A partir do capítulo 13, os “Atos
dos Apóstolos” apresentam o “caminho” da Igreja no mundo greco-romano. O
protagonista humano desta nova etapa será Paulo (embora sempre animado e
conduzido pelo Espírito do Senhor ressuscitado).
Tudo começa quando a comunidade
cristã de Antioquia da Síria, ansiosa por fazer a Boa Nova de Jesus chegar a
todos os povos, envia Barnabé e Paulo a evangelizar. Entre 13,1 e 15,35, o
autor dos “Atos” descreve o “envio” dos missionários, a viagem, a evangelização
de Chipre e da Ásia Menor (Perga, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra, Derbe)
e os problemas colocados à jovem Igreja pela entrada maciça de gentios.
Este texto, em concreto,
situa-nos na cidade de Antioquia da Pisídia, no interior da Ásia Menor. Nos
versículos anteriores, o autor dos “Atos” pôs na boca de Paulo um longo
discurso, que resume a catequese primitiva sobre Jesus e que enquadra no plano
de Deus a proposta de salvação que Jesus veio trazer (cf. At 13,16-41). Qual
será a resposta ao anúncio, quer por parte dos judeus, quer por parte dos
pagãos que escutaram a mensagem?
A questão central gira, portanto,
à volta da reação de judeus e pagãos ao anúncio de salvação apresentado por
Paulo e Barnabé.
O texto põe em confronto duas
atitudes diversas diante da proposta cristã: a daqueles que pensavam ter o
monopólio de Deus e da verdade, mas que estavam instalados nas suas certezas,
no seu orgulho, na sua auto-suficiência, nas suas leis definidas e comodamente
arrumadas e não estavam, realmente, dispostos a “embarcar” na aventura do
seguimento de Cristo (judeus); e a daqueles que, no desafio do Evangelho,
descobriram a vida verdadeira, aceitaram questionar-se, quiseram arriscar e
responderam com alegria e entusiasmo à proposta libertadora que Deus lhes fez
por intermédio dos missionários (pagãos).
A Boa Nova de Jesus é, portanto,
uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não
se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de
eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem
exceção. O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a
capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolher com
simplicidade, alegria e entusiasmo essa proposta e de partir, todos os dias,
para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida
verdadeira, a vida total.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão e a atualização da
Palavra podem partir das seguintes linhas:
• Os judeus de que se fala nesta
leitura representam aqueles que se acomodaram a uma religião “morninha”,
segura, feita de hábitos, de leis, de devoções, de ritos externos, de fórmulas
fixas, mas que não põe verdadeiramente em causa o coração e a consciência, nem
tem um impacto real na vida de todos os dias. É a religião dos “certinhos” e
acomodados, dos que têm medo da novidade de Deus (que mexe com os esquemas
feitos e, constantemente, põe tudo em causa, obriga a arriscar e a
converter-se).
• Os pagãos de que se fala nesta
leitura representam aqueles que, tendo tantas vezes uma história pessoal
complicada e uma caminhada de fé nem sempre exemplar, estão abertos à novidade
de Deus e se deixam questionar por Ele. Eles não têm medo de se desinstalar, de
arriscar partir para uma vida nova e mais exigente, de procurar novos caminhos,
de seguir Jesus no seu percurso de amor e de entrega – ainda que seja um
caminho de cruz e de perseguição.
• Onde é que eu me situo? Na
atitude de quem nasceu cristão sem ter feito muito para isso e que vive a sua
religião sem riscos, sem exigências de radicalidade e de autenticidade, ou na
atitude de quem se deixa continuamente desafiar, se deixa questionar por Deus,
aceita viver numa dinâmica contínua de conversão e sente que a sua caminhada em
direção à vida nova nunca está acabada?
SALMO RESPONSORIAL –
Salmo 99 (100)
Refrão 1: Nós somos o povo de Deus,
somos as ovelhas do seu rebanho.
Refrão 2: Nós somos o povo do Senhor;
Ele é o nosso alimento.
Refrão 3: Aleluia.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
servi o Senhor com alegria,
vinde a Ele com cânticos de júbilo.
Sabei que o Senhor é Deus,
Ele nos fez, a Ele pertencemos,
somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.
O Senhor é bom,
eterna é a sua misericórdia,
a sua fidelidade estende-se de geração em geração.
LEITURA II – Ap
7,9.14b-17
A liturgia do passado domingo
apresentava-nos “o cordeiro” (Jesus), o Senhor da história, que Se preparava
para abrir e ler o livro dos sete selos – o livro onde, simbolicamente, estava
escrita a história humana.
De acordo com o autor do
“Apocalipse”, a abertura dos selos desse livro vai expor a realidade do mundo:
na caminhada histórica dos homens, está presente Cristo vitorioso continuamente
em combate contra tudo o que escraviza e destrói o homem (1º selo – o cavaleiro
branco); mas está também presente a guerra e o sangue (2º selo – o cavaleiro
vermelho), a fome e a miséria (3º selo – o cavaleiro negro), a morte, a doença,
a decomposição (4º selo – o cavaleiro esverdeado). No fundo deste quadro, jazem
os mártires que sofrem perseguições por causa da sua fé e que, dia a dia,
clamam a Deus por justiça (5º selo); por isso, prepara-se o “grande dia da
ira”, que anuncia a intervenção de Deus na história para destruir o mal (6º selo).
A revelação final apresenta o combate definitivo, em que as forças de Deus
derrotarão as forças do mal (7º selo).
O texto de hoje situa-nos no
contexto do 6º selo (o anúncio do “dia do Senhor”). Aos mártires que clamam por
justiça, o autor do “Apocalipse” descreve o que vai resultar da intervenção de
Deus: a libertação definitiva, a vida em plenitude.
O texto que nos é proposto
apresenta-nos uma multidão imensa, inumerável, universal, pois pertence a todas
as nações. Os que a compõem estão de pé, em sinal de vitória, pois participam
da ressurreição de Cristo; levam túnicas brancas, o que indica que pertencem à
esfera de Deus (o branco é a cor de Deus); aclamam com palmas (alusão à festa
das tendas, uma festa celebrada no final das colheitas, marcada pela alegria e
pelo louvor. Recorda o êxodo – quando os israelitas viveram em “tendas” – e,
por influência de Zac 14,16, assume claras ressonâncias escatológicas. Na
liturgia dessa festa, a multidão entrava em cortejo no recinto do Templo,
agitando palmas e cantando) e louvam Deus e o “cordeiro”.
Quem são estes? São os que
“vieram da grande tribulação e que branquearam as vestes no sangue do
cordeiro”, isto é, que suportaram a perseguição mais feroz e alcançaram a
redenção pela entrega de Jesus (vers. 14).
Que fazem eles? Estão diante de
Deus tributando-Lhe o culto, dia e noite. Esse culto não é o somatório de um
conjunto de ritos mas, antes de mais, a permanente e gozosa presença diante de
Deus e do “cordeiro”.
A “Festa das Tendas” fazia alusão
à marcha do Povo de Deus pelo deserto, desde a terra da escravidão até à terra
da liberdade. A referência a esta festa neste contexto significa que se cumpre,
agora, o novo e definitivo êxodo: depois da intervenção final de Deus na
história, a multidão dos que aderiram ao “cordeiro” e acolheram a sua proposta
de salvação, alcançaram a libertação definitiva, foram acolhidos na “tenda” de
Deus; aí, não os alcançará mais a morte, o sofrimento, as lágrimas… Cristo
ressuscitado, sentado no trono, é o pastor deste novo Povo, e que o conduz para
“as fontes de águas vivas” – isto é, em direção à plenitude dos bens
definitivos, onde brota a fonte da vida plena.
Em conclusão: aos “santos” que
gritam por justiça, anuncia-se uma mensagem de esperança. O quadro antecipa o
tempo escatológico: da ação de Deus, da sua definitiva intervenção na história,
resultará a libertação definitiva do Povo de Deus; nascerá a comunidade
escatológica, a comunidade dos libertados, que estarão para sempre em comunhão
com Deus e que gozarão em plenitude a vida definitiva.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir
dos seguintes elementos:
• Em cada dia que passamos neste
mundo, fazemos a experiência da alegria e da esperança, mas também da dor, da
incompreensão, do medo, do sofrimento, do desespero… Com frequencia, é o
pessimismo que nos agarra, que nos limita, que nos escraviza e que nos impede
de saborear o dom da vida. O autor do “Apocalipse” deixa-nos uma mensagem de
esperança e diz-nos que não estamos condenados ao fracasso, mas sim à vida
plena, à libertação definitiva, à felicidade total.
• O que é preciso para aí chegar?
Apenas acolher o dom da salvação que nos é feito pelo nosso Deus. Se aceitarmos
a proposta de Jesus e seguirmos atrás d’Ele no caminho do amor, da entrega, do
dom da vida, se virmos n’Ele o pastor que nos conduz às fontes de água viva,
chegaremos indubitavelmente à vida definitiva, à comunhão com Deus, à
felicidade plena.
• A resposta positiva à oferta de
salvação que Deus nos faz introduz em nós um novo dinamismo; esse dinamismo
fortalece a nossa coragem e permite-nos continuar a lutar, desde já, pela
concretização do novo céu e da nova terra.
ALELUIA – Jo 10,14
Aleluia. Aleluia.
Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.
EVANGELHO – Jo
10,27-30
O capítulo 10 do 4º Evangelho é
dedicado à catequese do Bom Pastor. O autor utiliza esta imagem para apresentar
uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir
o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida
em plenitude.
A imagem do Bom Pastor não foi
inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso
simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em
especial, este discurso tem presente Ez 34 onde se encontra a chave para
compreender a metáfora do pastor e do rebanho. Falando aos exilados na Babilônia,
Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, falsos
pastores que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz
Ezequiel – o próprio Deus vai, agora, assumir a condução do seu Povo; Ele porá
à frente do seu Povo um Bom Pastor (Messias), que o livrará da escravidão e o
conduzirá à vida.
A catequese que o 4º Evangelho
nos oferece do Bom Pastor sugere que a promessa de Deus afirmada por Ezequiel
se cumpre em Jesus.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto
acentua, sobretudo, a relação estabelecida entre o Pastor (Cristo) e as ovelhas
(os seus discípulos).
A missão desse Pastor (Cristo) é
dar vida às ovelhas. Ao longo do Evangelho, João descreve, precisamente, a ação
de Jesus como uma recriação e revivificação do homem, no sentido de fazer
nascer o Homem Novo (cfr. Jo 3,3.5-6), o homem da vida em plenitude, o homem
total, o homem que, seguindo Jesus, se torna “filho de Deus” (cf. Jo 1,12) e
que é capaz de oferecer a vida por amor. Os que aceitam a proposta de vida que
Jesus lhes faz não se perderão nunca (“nunca hão-de perecer e ninguém as
arrebatará da minha mão” – Jo 10,28), pois a qualidade de vida que Jesus lhes
comunica supera a própria morte (cf. Jo 3,16;8,51). O próprio Jesus está
disposto a defender os seus até dar a própria vida por eles (cf. Jo 10,11), a
fim de que nada nem ninguém (os dirigentes, os que estão interessados em
perpetuar mecanismos de egoísmo, de injustiça, de escravidão) possa privar os
discípulos dessa vida plena.
As ovelhas (os discípulos), por
sua vez, têm de escutar a voz do Pastor e segui-l’O (cf. Jo 10,27). Isto
significa que fazer parte do rebanho de Jesus é aderir a Ele, escutar as suas
propostas, comprometer-se com Ele e, como Ele, entregar-se sem reservas numa
vida de amor e de doação ao Pai e aos homens.
O texto termina com uma
referência à identificação plena entre o projeto do Pai e o projeto de Jesus:
para ambos, o objetivo é fazer nascer uma nova humanidade. Em Jesus está
presente e manifesta-se o plano salvador do Pai de dar vida eterna (vida plena)
ao homem; através da ação de Jesus, a obra criadora de Deus atinge o seu ponto
culminante.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na atualização da
Palavra, os seguintes elementos:
• Na nossa cultura urbana, a
imagem do pastor é uma parábola de outras eras, que pouco diz à nossa
sensibilidade; em contrapartida, conhecemos bem a figura do líder, do
presidente, do chefe: não raras vezes, é alguém que se impõe, que manipula, que
arrasta, que exige… Mas o Evangelho que hoje nos é proposto convida-nos a
descobrir a figura bíblica do Pastor: uma figura que evoca doação,
simplicidade, serviço, dedicação total, amor gratuito. É alguém que é capaz de
dar a própria vida para defender das garras das feras as ovelhas que lhe foram
confiadas.
• Para os cristãos, o Pastor é
Cristo: só Ele nos conduz para as “pastagens verdadeiras”, onde encontramos
vida em plenitude. Nas
nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos
aceitar, sem problemas, que eles receberam essa missão de Cristo e da Igreja,
apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que
o nosso único Pastor, aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem
condições, é Cristo.
• As “ovelhas” do rebanho de
Jesus têm de “escutar a voz” do Pastor e segui-l’O… Isso significa,
concretamente, percorrer o mesmo caminho de Jesus, numa entrega total aos projetos
de Deus e numa doação total, de amor e de serviço aos irmãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário