terça-feira, 29 de outubro de 2013

Para se construir um mundo, outro tem primeiro de desmoronar-se

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Se analisarmos os começos dos grandes santos, se observarmos as transformações espirituais que se dão à nossa volta, descobriremos um traço comum, como que um primeiro passo: o despertar

O homem desperta e convence-se de que toda a realidade é efêmera e transitória, de que nada é sólido, exceto Deus. Em toda a plena adesão a Deus se esconde uma busca inconsciente de transcendência e de eternidade. Em todo o arranque, em toda a “saída” para o Infinito, palpita um desejo de libertar-se da opressão de toda a limitação; assim, a conversão transforma-se na suprema libertação da angústia. O homem, ao despertar, torna-se sábio: sabe que é loucura relativizar o absoluto e absolutizar o relativo; sabe que por instinto buscamos horizontes eternos e que as realidades humanas só nos oferecem marcos apertados que oprimem a nossa ânsia de transcendência, e assim nasce a angústia; sabe que a criatura termina nesse ponto e não tem porta de saída, e por isso os seus desejos mais profundos ficam sempre frustrados; e sobretudo sabe que, feitas as contas, só Deus vale a pena, porque só Ele oferece caminho e canal aos impulsos ancestrais e profundos do coração humano. 

O jovem Francisco tinha detetado, como um radar ultrassensível, os sonhos da sua época, e sobre eles, tinha projetado um mundo de castelos de ameias, espadas fulgurantes abatendo inimigos. Os cavaleiros iam para os campos de batalha debaixo das bandeiras da honra, para alcançar a fugida sombra chamada glória; à ponta de espada se conquistavam os títulos nobiliárquicos, e em braços de canções de gesta se entrava no templo da fama e no reportório dos rapsodos, como os antigos cavaleiros do Rei Artur e os paladinos do imperador Carlos Magno… Numa palavra, os caminhos da grandeza passavam pelos campos de batalha. 

Era esse o mundo de Francisco, e chamava-se sede de glória. A primeira ilusão deu-lhe a primeira desilusão. Sonhar com tão altas glórias e encontrar tão humilhante derrota logo à primeira tentativa, era demais! E aí o esperava Deus. 

Nos castelos levantados sobre dinheiro, poder e glória, Deus não tem entrada. 

Quando a vida lhe corre bem, o homem tende insensivelmente a centrar-se em si mesmo, grande desgraça, porque se apodera dele o medo de perder tudo, e vive ansioso e infeliz. Para o homem, a desinstalação é precisamente a salvação.

Ignacio Larrañaga in O Irmão de Assis


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