Para se construir um mundo, outro tem primeiro de desmoronar-se
Se
analisarmos os começos dos grandes santos, se observarmos as
transformações espirituais que se dão à nossa volta, descobriremos um
traço comum, como que um primeiro passo: o despertar.
O homem desperta e convence-se de que toda a realidade é efêmera e
transitória, de que nada é sólido, exceto Deus. Em toda a plena adesão a
Deus se esconde uma busca inconsciente de transcendência e de
eternidade. Em todo o arranque, em toda a “saída” para o Infinito,
palpita um desejo de libertar-se da opressão de toda a limitação; assim,
a conversão transforma-se na suprema libertação da angústia. O homem,
ao despertar, torna-se sábio: sabe que é loucura relativizar o absoluto e
absolutizar o relativo; sabe que por instinto buscamos horizontes
eternos e que as realidades humanas só nos oferecem marcos apertados que oprimem a nossa ânsia de transcendência, e assim nasce a angústia;
sabe que a criatura termina nesse ponto e não tem porta de saída, e por
isso os seus desejos mais profundos ficam sempre frustrados; e
sobretudo sabe que, feitas as contas, só Deus vale a pena, porque só Ele
oferece caminho e canal aos impulsos ancestrais e profundos do coração
humano.
O jovem Francisco tinha detetado, como um radar ultrassensível,
os sonhos da sua época, e sobre eles, tinha projetado um mundo de
castelos de ameias, espadas fulgurantes abatendo inimigos. Os cavaleiros
iam para os campos de batalha debaixo das bandeiras da honra, para alcançar a fugida sombra chamada glória; à ponta de espada se
conquistavam os títulos nobiliárquicos, e em braços de canções de gesta
se entrava no templo da fama e no reportório dos rapsodos, como os
antigos cavaleiros do Rei Artur e os paladinos do imperador Carlos
Magno… Numa palavra, os caminhos da grandeza passavam pelos campos de
batalha.
Era esse o mundo de Francisco, e chamava-se sede de glória. A
primeira ilusão deu-lhe a primeira desilusão. Sonhar com tão altas
glórias e encontrar tão humilhante derrota logo à primeira tentativa,
era demais! E aí o esperava Deus.
Nos castelos levantados sobre
dinheiro, poder e glória, Deus não tem entrada.
Quando
a vida lhe corre bem, o homem tende insensivelmente a centrar-se em si
mesmo, grande desgraça, porque se apodera dele o medo de perder tudo, e
vive ansioso e infeliz. Para o homem, a desinstalação é precisamente a
salvação.
Ignacio Larrañaga in O Irmão de Assis
Nenhum comentário:
Postar um comentário