Possuindo a Virgem Santíssima o dom da esperança perfeita, pôde a Divina
Providência fazê-La passar por imensas provas, tornando-A modelo para
toda a humanidade.
Ninguém pode negar que vivemos em tempos conturbados: há crises por
todos os lados e em todos os lugares, e o futuro se nos apresenta cheio
de sombras e incógnitas.
O inimigo de nossa salvação quer acabar com a esperança da
humanidade, sobretudo entre jovens e adolescentes, porque sabe que “a
juventude não é feita para o prazer, ela está feita para o heroísmo”.1
Por isso oferece-lhes apenas a fruição das coisas passageiras e quer
tirar-lhes a expectativa dos horizontes grandiosos a que deveriam
aspirar, uma vez que tudo parece encaminhar-se para o contrário.
Natividade – Capela do Campo dos Pastores, Belém (Israel) |
Em matéria de virtude, porém, o heroísmo “não é uma obrigação
exclusiva dos jovens, mas de todos os homens, sem exceção”,2 ensina
Mons. João Scognamiglio Clá Dias. Nos dias em que vivemos, a virtude da
esperança tem de estar muito viva e operante em nossas almas, dando-nos a
certeza de que em determinado momento Deus intervirá.
Às vezes, a espera parece-nos muito demorada e temos tendência de
desanimar… Nunca devemos nos esquecer, todavia, de que Nosso Senhor
afirmou no Evangelho: “Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33); nem das
palavras do Apóstolo, que afirma taxativamente: “Pela esperança é que
fomos salvos” (Rm 8, 24).
No entanto, por vivermos numa sociedade tão afastada de Deus,
muitas pessoas, até mesmo católicos praticantes, desconhecem o sentido
autêntico da palavra esperança. Qual é seu verdadeiro significado?
Esperança natural e esperança sobrenatural
Numa linguagem coloquial, ter esperança significa ver como
possível a realização daquilo que se deseja, é confiar que alguma coisa
boa virá para nós.
O ser humano sempre está à busca de algo que lhe traga satisfação e
felicidade. Confia ele na recuperação de alguma doença, no
reconhecimento do valor de seu trabalho ou na obtenção da amizade de uma
pessoa à qual muito admira. Espera, em suma, conseguir algum bem para
esta vida. E quanto maiores forem os obstáculos a serem transpostos para
isto, podemos dizer com mais propriedade que o esperamos.
Aquilo que está fácil ao nosso alcance não pode despertar em nós
anelo tão profundo. Em circunstâncias normais, por exemplo, aguardar à
mesa a chegada do almoço ou confiar que nosso leito continuará em seu
lugar à noite para nos proporcionar o sono costumeiro não requer nenhum
esforço de nossa parte.
Não obstante, a cura de uma doença complicada, a obtenção de um
bom emprego em tempos de crise ou a consolidação de uma amizade
importante pode nos levar a esperar nestes bens terrenos.
A virtude sobrenatural da esperança, entretanto, é muitíssimo
superior a esta esperança natural que acabamos de descrever. Ela faz
parte das três virtudes teologais infundidas por Deus na alma dos homens
no Batismo, “para os tornar capazes de proceder como filhos seus e
assim merecerem a vida eterna”.3
Da mesma forma como pela fé cremos em
Deus e em tudo o que Ele nos revelou, e pela caridade amamos a Deus
sobre todas as coisas, por meio da esperança, “confiamos com plena
certeza de alcançar a vida eterna e os meios necessários para chegar a
ela, apoiados no auxílio onipotente de Deus”.4
Somos chamados à salvação eterna
Fuga ao Egito – Mosteiro de São João Batista, Corias (Espanha) |
Esta virtude da esperança tem, portanto, um papel importantíssimo na nossa santificação.
Ela nos desapega dos bens terrenos, cuja insuficiência e
transitoriedade põe em relevo, e deste modo nos une mais a Deus. Dá
também maior eficácia às nossas orações, pois “Cristo Senhor nosso opera
os seus milagres em favor dos que n’Ele têm confiança”.5
Mas,
sobretudo, nos dá a energia e a coragem necessárias para caminharmos
neste vale de lágrimas, uma vez que “nos faz possuir, por antecipação,
as maravilhas inimagináveis que receberemos em plenitude no fim do
estado de prova”.6
“Deus nos predestinou à salvação desde toda a eternidade e, antes
mesmo de sermos criados, já havia determinado a via de santificação de
cada um, antegozando o momento em que nasceríamos e começaríamos a
trilhá-la. Alimentando nossa esperança em meio às dores da vida, Ele age
conosco como alguém que, tendo construído um palácio para nós em local
de difícil acesso, nos conduz a ele por um caminho no meio de um
matagal, cheio de espinheiros e charcos próprios a causar apreensão.
E
anseia por nos levar quanto antes até uma clareira de onde possa
mostrar, à distância, o edifício, a fim de nos encorajar a continuar o
caminho”.7
Assim, a esperança se mostra como uma virtude grandiosa, que nos
traz inúmeros benefícios, como uma âncora de salvação, um instrumento
que nos conduzirá a perseverar e progredir no caminho da perfeição, para
alcançar a verdadeira felicidade na vida eterna.
Em quem devemos depositar a nossa esperança?
O ser humano está dotado de “um certo instinto de sociabilidade”
que o faz sustentar-se nos outros para alcançar qualquer fim, como diz
Cícero em sua obra Da República. Pois, continua ele, “a espécie humana
não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma
disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o
apoio comum”.8 Precisamos, por nossa própria natureza, de alguém em
quem confiar.
É mister, porém, escolher muito bem nossos companheiros de
caminhada nesta terra de exílio, pois o Espírito Santo nos alerta pela
pena de Jeremias: “Maldito o homem que confia em outro homem, que da
carne faz o seu apoio e cujo coração vive distante do Senhor!” (17, 5).
Se não se pode, então, confiar em nenhum homem, como poderemos avançar, de quem devemos esperar amparo?
Nossa esperança, ensina o Eclesiástico, deve estar sempre posta em
Deus: “Vós, que temeis o Senhor, tende confiança n’Ele, a fim de que
não se desvaneça vossa recompensa. Vós, que temeis o Senhor, esperai
n’Ele; sua misericórdia vos será fonte de alegria. Vós, que temeis o
Senhor, amai-O, e vossos corações se encherão de luz” (2, 8-10).
A maior razão de nossa esperança se radica no fato de o Pai ter
enviado seu Filho Unigênito para nos redimir, para nos restaurar a graça
perdida pelo pecado. Na pessoa de Cristo, Ele manifestou seu infinito
poder, “ressuscitando-O dos mortos e fazendo-O sentar à sua direita no
Céu, acima de todo Principado, Potestade, Virtude, Dominação e de todo
nome que possa haver neste mundo como no futuro. E sujeitou a seus pés
todas as coisas, e O constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu
Corpo, o receptáculo d’Aquele que enche todas as coisas sob todos os
aspectos” (Ef 1, 20-23).
Ao mesmo tempo que Jesus é, enquanto Deus, a meta da nossa
peregrinação terrena, Ele é, enquanto Homem, o irmão, amigo e
companheiro em quem devemos confiar totalmente. Por conseguinte, podemos
confiar naqueles que O seguem e a Ele nos procuram conduzir.
Maria, Mãe da Igreja e modelo dos fiéis
As Bodas de Caná – Catedral de Sevilha (Espanha) |
Voltemos, agora, nosso olhar para o alto do Calvário, quando Nosso
Senhor Jesus Cristo estava prestes a derramar suas últimas gotas de
linfa para nossa salvação. No auge da agonia, “quando Jesus viu sua Mãe e
perto d’Ela o discípulo que amava, disse à sua Mãe: ‘Mulher, eis aí teu
filho’. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí tua Mãe’” (Jo 19, 26-27).
Desta maneira, entregava a Ela todos os homens como filhos, na pessoa de
São João.
A Virgem Santíssima é, portanto, além de Mãe de Deus, Mãe
amantíssima de cada um dos batizados. A incessante proteção que Ela
exerce sobre quem A invoca, seu olhar benigno para com o pecador
arrependido e o ardente desejo que Ela tem de que alcancemos o Céu são
poderosos motivos para a nossa esperança.
E por ser ainda “Mãe de Cristo e Mãe da Igreja”,9 Ela é também
modelo de todas as virtudes para os fiéis, muito especialmente da
prática da virtude da esperança. “Como a fé foi grande em Maria, assim
foi grande a esperança. No meio das maiores provações e dificuldades,
abandonou-Se completamente nas mãos de Deus, confiando n’Ele”.10
Inúmeros fatos da vida d’Ela o demonstram.
Laivos da esperança na vida de Nossa Senhora
O Pe. Gabriel Roschini,11 um dos grandes mariólogos do século XX,
faz um apanhado geral de alguns episódios da vida da Santíssima Virgem,
os quais são laivos de sua esperança modelar. Por exemplo, quando levava
no claustro virginal o Filho de Deus e percebeu a angústia de São José,
seu castíssimo esposo, ao ignorar o insondável arcano divino em Si
realizado, Ela pensou que se não havia sido revelado a ele o acontecido,
não seria conveniente que Ela o comunicasse. Calou-Se, abandonando-Se
nas mãos da Providência e sua confiança não foi abalada (cf. Mt 1,
18-20).
Outra ocasião em que Nossa Senhora deu uma prova luminosa de
confiança em Deus foi quando Se dirigia a Belém para o recenseamento e
sabia que estava próximo o nascimento do Menino Jesus. Empreendeu a
longa e fatigante viagem desde Nazaré e não havia lugar para Se
hospedarem. Refugiando-Se numa pobre gruta, inteiramente desprovida de
meios humanos, sua esperança mais uma vez não foi defraudada, pois a
ajuda divina não tardou em chegar e veio ao mundo o Salvador, custodiado
pelos coros angélicos (cf. Lc 2, 6-7).
Pouco depois, mais uma prova heroica de esperança era dada por
Maria. À noite, Ela tomou o Menino nos braços e partiu, com São José,
para o exílio no Egito, aventurando-Se em outra viagem longa e perigosa,
sem recursos materiais, para que se cumprissem as profecias (cf. Mt 2,
13-15).
Nas Bodas de Caná, cheia de maternal atenção, suplicou a seu
Divino Filho que tirasse os pobres recém-casados da dificuldade em que
estavam pela falta de vinho. Ao ouvir de Jesus que não havia chegado sua
hora, não perdeu as esperanças e ordenou aos serventes que fizessem
tudo o que Ele lhes dissesse, sendo atendida em plenitude (cf. Jo 2,
1-11).
Sua esperança, contudo, atingiu o ápice quando recebeu o Corpo
inerte do Salvador nos braços, sem duvidar por um só instante, em sua
extrema soledade, de que muito em breve Ele retornaria à vida, vencendo a
morte. Diante da aparente derrota do Leão de Judá, Ela esperava com
absoluta certeza a hora da Ressurreição.
“Vida, doçura e esperança nossa…”
Ao praticar a virtude da esperança, a Virgem Santíssima possuía
uma celestial tranquilidade, proveniente de seu santo abandono. Ainda
que Lhe adviessem adversidades tão terríveis como a Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo, nada A podia abalar. Em qualquer provação, por mais
perplexitante que fosse, Maria esperava “contra toda a esperança”
(Rm 4, 18).
A esperança, entretanto, esclarece o Pe. Roschini, “não é, nem
deve ser inércia. Não se deve pretender que Deus faça tudo sozinho. A
esperança deve ser operosa. ‘Ajuda-te, que Deus te ajudará’, diz o
provérbio. Assim foi a esperança da Maria. Foi uma esperança operosa.
Fez de sua parte quanto podia. Agiu como se tudo dependesse d’Ela e
confiou em Deus, como se tudo dependesse d’Ele”.12
Possuindo Ela o dom da esperança perfeita, pôde a Divina
Providência fazê-La passar por imensas provas, tornando-A modelo para a
humanidade. Em meio às maiores dificuldades, sua confiança em Deus
permanecia sempre serena e inabalável, sem o menor sinal de desânimo,
por estar solidamente apoiada no amparo e na fortaleza de seu Senhor.
Rainha e Mãe da esperança dos fiéis, a Virgem Maria mereceu ser
proclamada por São Bernardo como nossa vida, nossa doçura e nossa
esperança: “vita, dulcedo, spes nostra, salve”! E com ele o repete
incessantemente a Santa Igreja na Salve Regina, em todas as épocas,
lugares e línguas.
Maria Santíssima não é para nós apenas um excelente motivo para
confiarmos: “Ela é a única razão de nossa esperança, de toda a nossa
esperança. Por causa d’Ela nossa vida se torna doce, nossa vida é vida.
Nossa Senhora é a nossa grande esperança, porque Ela é Rainha e Mãe de
misericórdia”.13
Esperemos, pois, n’Ela e tenhamos a certeza de que do mesmo modo
como Ela obteve de Jesus a solução para a dificuldade dos noivos nas
Bodas de Caná, antecipando sua hora, n’Ela está a solução para os
desatinos de nosso pobre mundo pecador. (Revista Arautos do Evangelho,
Maio/2017, n. 185, p. 36 à 39)
******************
1 CLAUDEL, Paul; RIVIÈRE, Jacques. Correspondance. 1907-1914. Paris: Plon-Nourrit et Cie, 1926, p.23.
2 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A sublime beleza moral da Nova Lei. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2013, v.II, p.96.
3 CCE 1813.
4 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la perfección cristiana. 6.ed. Madrid: BAC, 1988, p.496.
5 TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de teologia ascética e mística, n.1196. 4.ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1948, p.670.
6 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Subiremos ao Céu em virtude da Ascensão! In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2014, v.III, p.362.
7 Idem, p.363.
8 CÍCERO. Da República. L.I, 25.
9 CCE 963.
10 ROSCHINI, OSM, Gabriel. Instruções marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.163.
11 Cf. Idem, p.163-164.
12 Idem, p.164.
13 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 21 maio 1965.
2 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A sublime beleza moral da Nova Lei. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2013, v.II, p.96.
3 CCE 1813.
4 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la perfección cristiana. 6.ed. Madrid: BAC, 1988, p.496.
5 TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de teologia ascética e mística, n.1196. 4.ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1948, p.670.
6 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Subiremos ao Céu em virtude da Ascensão! In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2014, v.III, p.362.
7 Idem, p.363.
8 CÍCERO. Da República. L.I, 25.
9 CCE 963.
10 ROSCHINI, OSM, Gabriel. Instruções marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.163.
11 Cf. Idem, p.163-164.
12 Idem, p.164.
13 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 21 maio 1965.
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