O que vemos nos outros?
Várias vezes Jesus nos lembrou que o primeiro mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo (Lc 10, 26-27).
Vamos deter-nos na segunda parte desse preceito.
“Amar o próximo como a si mesmo”, como todos sabemos por experiência,
não é fácil.
Exige graça de Deus, esforço e uma série de condições.
Creio que a primeira delas – pressuposto de todas as outras – é ter
consideração para com o próximo.
É impossível amar sem ter consideração ou levar em consideração os
outros.
Quando uma pessoa perde a autoestima, o respeito por si mesma,
desliza fatalmente para o desmazelo material e a deterioração moral:
larga-se, abandona-se, às vezes de modo lastimável.
Da mesma forma, sem
consideração pelos outros, não pode haver nem “atenção” nem “atenções”;
só haverá descuidos e desrespeitos.
«Respeitar – comenta um conhecido autor espiritual – é olhar para os
outros descobrindo o que valem. A palavra vem do latim respectus, que
significa olhar com consideração.
Saber conviver exige que se respeitem
as pessoas, como aliás as coisas, que são bens de Deus e estão a serviço
dos homens; já se disse com verdade que as coisas só mostram o seu
segredo aos que as respeitam e amam . O respeito é condição que
permite contribuir para a melhoria dos outros.”
Pode nos ajudar uma recordação rápida da parábola do bom samaritano.
Um judeu, descendo de Jerusalém a Jericó, é assaltado, ferido e deixado
meio morto no caminho. Passa por lá um samaritano e vê a vítima, e ainda
que os judeus e os samaritanos nem se falem (cf. Jo 4,9), ele para
cheio de compaixão, venda as feridas, usando como curativo azeite e
vinho, carrega a seguir o ferido na sua montaria, leva-o a uma estalagem
e paga para que cuidem dele em tudo (Lc 10,30-35).
Reparemos que a primeira coisa que faz o bom samaritano não é apenas
“ver” e lamentar, mas ter consideração, ou seja, respeitar o valor, a
importância, a dignidade do ferido.
Pelo contrário, um sacerdote e um
levita que passaram pelo mesmo lugar um pouco antes, viram, diz o
Evangelho, mas seguiram adiante sem fazer nada, sem ter “consideração”
por aquele seu patrício necessitado, que naquele momento atrapalhava a
viagem.
O que o samaritano “viu” não foi um aborrecimento, um problema
inesperado que o atrasava e lhe dava trabalho, mas apenas um pobre homem
necessitado, um ferido que provocava compaixão.
Em nenhum momento
culpou o moribundo pelo tempo que lhe fazia perder e pelo trabalho que
lhe dava.
Nós, pelo contrário, muitas vezes, achamos que o “ferido” (não fisicamente, mas moralmente) é o culpado! Por que?
O que vemos nos outros?
Se tivéssemos o olhar de Cristo, nas limitações, erros e
indelicadezas dos outros veríamos o que realmente são: “ferimentos” da
alma: males morais, com frequência piores que os males físicos. Se
tivéssemos a compaixão de Jesus, não nos deixaríamos levar por
sentimentos de raiva, nem de amor-próprio ofendido, nem de despeito por
causa desses defeitos, como costumamos fazer, mas experimentaríamos a
compaixão do bom samaritano.
Então, a exemplo de Cristo que, debruçado
sobre os nossos males, cuidou de nós em tudo (cf. Lc
10, 34), haveríamos de perguntar-nos: que posso fazer para tratar essas
feridas, em vez de me irritar com elas? Que azeite suave e que vinho
curativo posso passar nelas?…
Bastaria, em muitas ocasiões, começar a fazer-nos tais perguntas para
que logo desaparecesse o mau humor e arrefecesse a ira. Já não
“desconsideraríamos” os outros, antes nos sentiríamos movidos de
compaixão, e começaríamos a viver a aventura – inédita para os egoístas –
de “amar o próximo como a nós mesmos”.
Deste modo, pelo caminho que Cristo trilhou, iríamos pouco a pouco
descobrindo as reservas de “azeite” e “vinho” que o amor é capaz de
extrair do nosso coração, e derramaríamos esses “cuidados de amor” – de
desculpa, de silêncio, de paciência, de ajuda… – sobre os que nos
cercam, com espírito de autêntica “compaixão”.
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