05º Domingo do tempo Pascal - Ano C
A
vocação cristã e que se dá testemunho no mundo do amor.
O tema fundamental da liturgia deste
domingo é o do amor:
o que identifica
os seguidores de Jesus é a capacidade de amar até ao dom total da vida.
No Evangelho, Jesus despede-Se
dos seus discípulos e deixa-lhes em testamento o
“mandamento novo”: “amai-vos uns
aos outros, como Eu vos amei”. É nessa entrega radical da vida que se cumpre a
vocação cristã e que se dá testemunho no mundo do amor materno e paterno de
Deus.
Na primeira
leitura apresenta-se a vida
dessas comunidades cristãs
chamadas a
viver no amor. No meio das
vicissitudes e das crises, são comunidades fraternas, onde os irmãos se ajudam,
se fortalecem uns aos outros nas dificuldades, se amam e dão testemunho do amor
de Deus. É esse projeto que motiva Paulo e Barnabé e é essa proposta que eles levam, com a generosidade de quem ama, aos confins da Ásia Menor.
A segunda leitura apresenta-nos a
meta final para onde caminhamos: o novo céu e a nova terra, a realização da utopia, o rosto final dessa
comunidade de chamados a viver no amor.
LEITURA I – Atos 14,21b-27
Vimos, no passado domingo, como o
entusiasmo missionário da comunidade cristã de Antioquia da Síria lançou Paulo e Barnabé para a missão
e como a Boa Nova de Jesus alcançou, assim, a ilha de Chipre e as costas
da Ásia Menor…
A leitura de hoje apresenta-nos a conclusão
dessa primeira viagem missionária
de
Paulo e de Barnabé: depois de
chegarem a Derbe, voltaram para trás, visitaram as comunidades entretanto
fundadas (Listra, Icónio,
Antioquia da Pisídia
e Perge) e embarcaram
de regresso à
cidade de onde
tinham partido para
a missão. Estes sucessos desenrolam-se entre os anos 46
e 49.
No texto que nos é proposto,
transparecem os traços fundamentais que marcaram a vida e a experiência dos
primeiros grupos cristãos: o entusiasmo dos primeiros missionários, que permite
afrontar e vencer os perigos e as incomodidades para levar a todos os homens a
boa notícia dessa libertação que Cristo veio propor; as palavras de consolação
que fortalecem a fé e ajudam a enfrentar as perseguições (vers. 22a); o apoio
mútuo (vers. 23b); a oração (vers. 23b.c).
Sobretudo, este texto acentua a
ideia de que a missão não foi uma obra puramente humana, mas foi uma obra de
Deus. No início da aventura missionária já se havia sugerido que o envio de
Paulo e Barnabé não
era apenas iniciativa
da Igreja de Antioquia, mas uma ação do Espírito (cf. At
13,2-3); foi esse mesmo Espírito que acompanhou e guiou os missionários a cada
passo da sua viagem. E aqui repete-se que o autêntico ator da conversão dos
pagãos é Deus e não os homens (cf. vers. 27). Verdadeira novidade
no contexto da
missão é a
instituição de dirigentes
ou responsáveis (“anciãos” – em grego, “presbíteros”), que aparecem aqui
pela primeira vez fora da Igreja de Jerusalém. Correspondem, provavelmente, aos
“conselhos de anciãos” que estavam à frente das comunidades judaicas. Os “Atos”
não explicitam as funções exatas destes dirigentes e animadores das Igrejas;
mas o discurso de despedida que Paulo faz aos anciãos de Éfeso parece
confiar-lhes o cuidado de administrarem, de vigiarem e de defenderem a
comunidade face aos perigos internos e externos (cf. Act 20,28-31). Em todo o caso, convém recordar que os
ministérios eram algo subordinado dentro da organização e da vida da primitiva
comunidade; não eram valores absolutos em si mesmo, mas só existiam e só tinham
sentido em função da comunidade.
ATUALIZAÇÃO
Para refletir, partilhar e atualizar
este texto, considerar as seguintes linhas:
♦
Como é que vivem
as nossas comunidades
cristãs? Notamos nelas
o mesmo empenho missionário dos inícios? Há partilha fraterna e
preocupação em ir ao encontro dos mais débeis, em apoiá-los e ajudá-los a
superar as crises e as angústias? São
comunidades que se fortalecem com uma vida de oração e de diálogo com Deus?
♦
Temos consciência de que por detrás do nosso trabalho e do nosso
testemunho está Deus? Temos consciência de que o anúncio do Evangelho não é uma
obra nossa, na qual expomos as
nossas ideias e a nossa ideologia, mas é obra de Deus? Temos consciência de que
não nos pregamos a nós próprios, mas a Cristo libertador?
♦Para aqueles que têm
responsabilidades de direção ou de animação das comunidades: a missão que lhes
foi confiada não é um privilégio, mas um serviço que está subordinado à construção
da própria comunidade. A comunidade
não existe para servir
quem preside; quem
preside é que
existe em função
da comunidade e do serviço comunitário.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144
Refrão 1: Louvarei para sempre o vosso nome, Senhor,
meu Deus e meu Rei.
Refrão 2: Aleluia.
O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
O Senhor é bom para com todos
e a sua misericórdia se estende a
todas as criaturas.
Graças Vos dêem, senhor, todas as
criaturas e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso reino
e anunciem os vossos feitos
gloriosos.
Para darem a conhecer aos homens
o vosso poder, a glória e o esplendor do vosso reino.
O vosso reino é um reino eterno,
o vosso domínio estende-se por
todas as gerações.
LEITURA
II – Ap 21,1-5a
Depois de descrever o confronto
entre Deus e as forças do mal e a vitória final de Deus, o autor do
“Apocalipse” apresenta o ponto de chegada da história humana: a “nova terra e o
novo céu”; aí,
os que se
mantiveram fiéis ao
“cordeiro” (Jesus) encontrarão a
vida em plenitude. É o culminar da caminhada da humanidade, a meta última da
nossa história.
Esse mundo novo é,
simbolicamente, apresentado em dois
quadros (cf. Ap 21,1-8 e 21,9-22,5). A leitura que hoje nos é proposta
apresenta-nos o primeiro desses quadros (o outro ficará para o próximo
domingo). É o quadro do novo céu e da nova terra – um quadro que apresenta a
última fase da obra regeneradora de Deus e que aparece já em Is 65,17 e em
66,22. Também se encontra esta imagem abundantemente representada na literatura apocalíptica (cf. Henoch,
45,4-5; 91,16; 4 Esd 7,75), bem como em certos textos do Novo Testamento (cf.
Mt 19,28; 2 Pe 3,13).
Neste primeiro quadro, o profeta
João chama a essa nova realidade nascida da vitória de Deus a “Jerusalém que
desce do céu”. Jerusalém é, no universo religioso e cultural do povo bíblico, a
cidade santa por excelência, o lugar onde Deus reside, o espaço onde vai
irromper e onde se manifestará em definitivo a salvação de Deus. A “nova
Jerusalém” é, portanto, o lugar da salvação definitiva, o lugar do encontro
definitivo entre Deus e o seu Povo.
No contexto
da teologia do Livro do Apocalipse, esta
cidade nova, onde
encontra guarida o Povo vitorioso dos “santos”, designa a Igreja, vista
como comunidade escatológica, transformada e renovada pela ação salvadora e
libertadora de Deus na história. Dizer que ela “desce do céu” significa dizer
que se trata de uma realidade que vem de Deus e tem origem divina; ela é uma
absoluta criação da graça de Deus, dom definitivo de Deus ao seu Povo.
Esta nova realidade instaura,
consequentemente, uma nova ordem de coisas e exige que tudo o que é velho seja
transformado. O mar, símbolo e resíduo do caos primitivo e das
potências hostis a
Deus, desaparecerá; a
velha terra, cenário
da conduta pecadora do homem, vai
ser transformada e recriada (vers. 1).A partir daí, tudo será novo, definitivo,
acabado, perfeito.
Quando esta realidade irromper,
celebrar-se-á o casamento definitivo entre Deus e a humanidade transformada
(a “noiva adornada
para o esposo”).
Na linguagem profética, o
casamento é um símbolo privilegiado da aliança. Realiza-se, assim, o ideal da
aliança (cf. Jer 31,33-38; Ez 37,27): Deus e o seu Povo consumam a sua história
de intimidade e de comunhão; Deus passará a residir de forma permanente e
estável no meio do seu Povo, como o noivo que se junta à sua amada e com ela
partilha a vida e o amor. A longa história de amor entre Deus e o seu Povo será
uma história de amor com um final feliz. Serão definitivamente banidos do
horizonte do homem a dor, as lágrimas, o sofrimento e a morte e restarão a
alegria, a harmonia e a felicidade sem fim.
ATUALIZAÇÃO
Para a reflexão desta Palavra,
considerar os seguintes dados:
♦
O testemunho profético de
João garante-nos que
não estamos destinados
ao fracasso, mas sim à vida plena, ao encontro com Deus, à felicidade
sem fim. Esta esperança tem de iluminar a nossa caminhada e dar-nos a coragem
de enfrentar os dramas e as crises que dia a dia se nos apresentam.
♦
A Igreja de que fazemos parte tem de procurar ser um anúncio dessa
comunidade escatológica, uma “noiva” bela e que caminha com amor ao encontro de
Deus, o amado. Isto significa que o egoísmo, as divisões, os conflitos, as
lutas pelo poder, têm de ser banidos da nossa experiência eclesial: eles são
chagas que desfeiam o rosto da Igreja e a impedem de dar testemunho do mundo
novo que nos espera.
♦
É verdade que a instauração plena do “novo céu e da nova terra” só
acontecerá quando o mal for vencido em definitivo; mas essa nova realidade pode e deve começar desde já: a ressurreição de Cristo convoca-nos para a renovação das nossas vidas, da nossa comunidade cristã
ou religiosa, da sociedade e das suas estruturas, do mundo em que vivemos (e
que geme num violento esforço de libertação ).
ALELUIA– Jo 13,34
Aleluia. Aleluia.
Dou-vos um mandamento novo, diz o
Senhor:
amai-vos uns aos outros, como Eu
vos amei.
EVANGELHO – Jo 13,31-33a.34-35
Estamos na fase final da
caminhada histórica do “Messias”. Aproxima-se a “Hora”, o momento em que vai
nascer – a partir do testemunho do amor total cumprido na cruz – o Homem Novo e
a nova comunidade.
O contexto em que este trecho nos
coloca é o de uma ceia, na qual Jesus Se despede dos discípulos e lhes deixa as
últimas recomendações. Jesus acabou de lavar os pés aos discípulos (cf. Jo
13,1-20) e de anunciar à comunidade desconcertada a traição de um do grupo (cf.
Jo 13,21-30); nesses quadros, está presente o seu amor (que se faz serviço
simples e humilde no episódio da lavagem dos pés e que se faz amor que não
julga, que não condena, que não limita a
liberdade e que se dirige até ao inimigo
mortal, na referência a Judas, o traidor). Em seguida, Jesus vai dirigir aos
discípulos palavras de despedida; essas suas palavras – resumo coerente de uma
vida feita de amor e partilha – soam a testamento final. Trata-se de um momento
muito solene; é a altura em que não há tempo nem disposição para “conversa
fiada”: aproxima-se o fim e é preciso
recordar aos discípulos aquilo
que é mesmo fundamental na proposta cristã.
O texto divide-se em duas partes. Na primeira
parte (vers. 31-32), Jesus interpreta a saída
de Judas, que
acabou de deixar a sala
onde o grupo está
reunido, para ir entregar
o “mestre” aos
seus inimigos. A morte é,
portanto, uma realidade
bem próxima… Jesus explica, na sequência, que a sua morte na cruz será a
manifestação da sua glória e da glória do Pai. O termo "doxa" aqui
utilizado traduz o hebraico
“kabod” que pode entender-se como
“riqueza”, “esplendor”. A “riqueza”, o “esplendor” do Pai e de Jesus
manifesta-se, portanto, no amor que se dá até ao extremo, até ao dom total. É
que a “glória” do Pai e de Jesus não se manifesta no triunfo espetacular
ou na
violência que aniquila
os maus, mas
manifesta-se na vida
dada, no amor oferecido até ao extremo.
A entrega de Jesus
na cruz vai
manifestar a todos os homens a lógica de Deus e mostrar a todos
como Deus é: amor radical, que se faz dom até às últimas consequências.
Na segunda parte (vers.
33a.34-35) temos, então, a apresentação
do “mandamento novo”. Começa com a expressão “meus filhos” (vers. 33a) –
o que nos coloca num quadro de solene emoção e nos leva ao “testamento” de um
pai que, à beira da morte, transmite aos seus filhos a sua sabedoria de vida e
aquilo que é verdadeiramente fundamental.
Qual é,
portanto, a última
palavra de Jesus
aos seus, o
seu ensinamento fundamental?
“Amai-vos uns aos outros. Como Eu
vos amei, vós deveis também amar-vos uns aos outros”. O verbo “agapaô” (“amar”)
aqui utilizado define, em João, o amor que faz dom de si, o amor até ao
extremo, o amor que não guarda nada para si mas é entrega total e absoluta. O
ponto de referência no amor é o próprio Jesus (“como Eu vos amei”); as
duas cenas precedentes
(lavagem dos pés
aos discípulos e despedida
de Judas) definem a qualidade
desse amor que
Jesus pede aos
seus: “amar” consiste em acolher, em pôr-se ao serviço dos outros,
em dar-lhes dignidade e liberdade pelo amor (lavagem dos pés), e isso sem
limites nem discriminação alguma, respeitando absolutamente a liberdade do
outro (episódio de Judas). Jesus é a norma, não com palavras, mas com atos; mas
agora traduz em palavras os seus atos precedentes, para que os discípulos
tenham uma referência.
O amor (igual ao de Jesus) que os
discípulos manifestam entre si será
visível para
todos os
homens (vers. 35).
Esse será o distintivo
da comunidade de
Jesus. Os discípulos de Jesus não
são os depositários de uma doutrina ou de uma ideologia, ou os observantes de
leis, ou os fiéis cumpridores de ritos; mas são aqueles que, pelo amor que
partilham, vão ser um sinal vivo do Deus que ama. Pelo amor, eles serão no
mundo sinal do Pai.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão da
Palavra, as seguintes linhas:
♦
A proposta cristã resume-se
no amor. É o amor
que nos distingue,
que nos identifica; quem não
aceita o amor, não pode ter qualquer pretensão de integrar a comunidade de
Jesus. O que é que está no centro da nossa experiência cristã? A nossa religião
é a religião do amor, ou é a religião das leis, das exigências, dos ritos
externos? Com que força nos impomos no mundo – a força do amor, ou a força da
autoridade prepotente e dos privilégios?
♦
Falar de amor hoje pode ser equívoco… A palavra “amor” é, tantas vezes,
usada para definir comportamentos egoístas, interesseiros, que usam o outro,
que fazem mal, que limitam horizontes, que roubam a liberdade… Mas o amor de
que Jesus fala é o amor que
acolhe, que se
faz serviço, que
respeita a dignidade e a liberdade do outro, que não discrimina
nem marginaliza, que se faz dom total (até à morte) para que o outro tenha mais
vida. É este o amor que vivemos e que partilhamos?
♦
Por um lado, a comunidade de Jesus tem de testemunhar, com gestos
concretos, o amor de Deus; por outro, ela tem de demonstrar que a utopia é
possível e que os homens podem ser irmãos. É esse o nosso testemunho de comunidade
cristã ou religiosa? Nos nossos
comportamentos e atitudes uns
para com os
outros, os homens descobrem a presença do amor de Deus no mundo? Amamos
mais do que os outros
e interessamo-nos mais
do que eles
pelos pobres e
pelos que sofrem?