Por que existe o Purgatório?
Será
Deus tão rigoroso a ponto de não tolerar nem mesmo a menor imperfeição,
limpando-a com penas severas? Esta pergunta facilmente pode nos vir à
mente.
Em
primeiro lugar, devemos nos lembrar desta verdade: depois de nossa
morte, não seremos julgados segundo nossos próprios critérios, pois "o
que o homem vê não é o que importa: o homem vê a face, mas o Senhor olha
o coração" (1Sm 16, 7). Estaremos diante de um Juiz sumamente santo e
perfeito, e em seu Reino "não entrará nada de profano" (Ap 21, 27). Com
efeito, na presença de Deus, de sua Luz puríssima, a alma percebe em si
mesma qualquer pequeno defeito, julgando- se, ela mesma, indigna de tal
majestade e grandeza. Santa Catarina de Gênova, grande mística do século
XV, deixou uma obra muito profunda sobre a realidade do Purgatório e do
Inferno.
Explica
ela o seguinte: "Digo mais: no concernente a Deus, vejo que o Paraíso
não tem portas e ali pode entrar quem quiser, pois Deus é todo
misericórdia e seus braços estão sempre abertos para nos receber na
glória; mas a divina Essência é tão pura - infinitamente mais pura do
que podemos imaginar - que a alma, vendo nela mesma a menor das
imperfeições, prefere atirar-se em mil infernos a aparecer suja na
presença da divina Majestade. Sabendo então que o Purgatório está criado
para a purificar, ele mesma se joga nele e encontra ali grande
misericórdia: a destruição de suas faltas".
Essas
manchas, a serem purificadas na outra vida, o que são? São os restos de
apego exagerado às criaturas, ou seja, as imperfeições, e os pecados
veniais, bem como a dívida temporal dos pecados mortais já perdoados no
Sacramento da Reconciliação. Tudo isso diminui na alma o amor de Deus.
Por
causa dessas afeições desregradas se estabelece um estado de desordem
em nosso interior, afastando- nos do Mandamento de amar a Deus sobre
todas as coisas. Essa é a causa pela qual, antes de permitir a uma alma
subir até a glória celestial, "a justiça de Deus exige uma pena
proporcional que restabeleça a ordem perturbada" (Suma Teológica, Supl.
q. 71, a. 1) E a alma se sujeita ao castigo do Purgatório com alegria,
em plena conformidade com a vontade do Senhor.
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"Quem morrer com o Escapulário não padecerá o fogo do inferno". Não obstante, para beneficiar-se deste privilégio, é preciso usar o Escapulário com reta intenção. |
Seu
único desejo é ver-se limpa, para poder configurar-se com Cristo. As
almas nesse estado "purificam-se", diz São Francisco de Sales,
"voluntariamente, amorosamente, porque assim Deus o quer" e "porque
estão certas de sua salvação, com uma esperança inigualável".
As
dores infligidas nesse local de purificação são "tão intensas que a
menor pena do Purgatório ultrapassa a maior desta vida" (Suma Teológica,
Supl., q. 71, a. 2). Mesmo assim, pondera São Francisco de Sales, "o
Purgatório é um feliz estado, mais desejável que temível, pois as chamas
nele existentes são chamas de amor".
Mas
como entender que esse terrível sofrimento seja transpassado de amor?
Na verdade, o maior tormento das almas do Purgatório - a "pena de dano" -
é causado precisamente pelo amor. Essa pena consiste no adiamento da
visão de Deus. Criado para amar e ser amado, o homem, ao abandonar esta
terra, descobre a inefável beleza da Luz Divina e deseja correr para Ela
com todas as suas forças, como o cervo sedento corre em direção à fonte
das águas. Contudo, vendo em si o defeito do pecado, fica privado
temporariamente daquela presença tão pura. Afastada, assim, d'Aquele que
é a suprema e única felicidade, a alma sente um padecimento
incalculável.
Para
nós, que ainda somos peregrinos neste vale de lágrimas, é difícil
entender a imensidade dessa dor. Vivemos sem ver a Deus, embora n'Ele
creiamos. Somos como cegos de nascimento, pois nunca vimos o Sol de
Justiça, que é Deus; embora sintamos seu calor, não podemos fazer ideia
de seu resplendor e grandeza.
Entretanto,
as almas benditas do Purgatório, logo após terem abandonado o corpo
inerte, discerniram a inefável e puríssima beleza de Deus, mas não podem
possuí-la imediatamente. Santa Catarina de Gênova usa uma expressiva
metáfora para explicar essa dor: "Suponhamos que, no mundo inteiro,
exista apenas um pão para matar a fome de todas as criaturas, e que
basta olhar para esse pão para ficarem satisfeitas. Por sua natureza, o
homem saudável tem o instinto de se alimentar.
Imaginemos
que ele seja capaz de se abster dos alimentos sem morrer, sem perder a
força e a saúde, mas aumentando cada vez mais a fome. Ora, sabendo que
só aquele pão pode saciá-lo e que não poderá matar sua fome enquanto não
o alcançar, ele sofre sacrifícios insuportáveis, os quais serão tanto
maiores quanto mais longe ele estiver do pão".
Apesar
de tudo, as almas do Purgatório têm a certeza de que um dia poderão se
saciar de modo pleno com esse Pão da Vida, que é Jesus, nosso amor. E
por isso seu sofrimento é em tudo diferente do tormento dos condenados
ao Inferno, os quais nunca poderão se aproximar da Mesa do Reino dos
Céus. Esperança e desespero, eis a diferença fundamental entre esses
dois lugares.
Disposição das almas no Purgatório
Por
isso, há nas almas do Purgatório um matiz de alegria no meio da dor. De
forma brilhante, explica- o o Papa João Paulo II, na alocução de 3 de
julho de 1991: "Mesmo que a alma tenha de sujeitar-se, naquela passagem
para o Céu, à purificação das últimas escórias, mediante o Purgatório,
ela já está cheia de luz, de certeza, de alegria, pois sabe que pertence
para sempre ao seu Deus".
E
Santa Catarina de Gênova afirma: "Estou certa de que em nenhum outro
lugar, excetuando o Céu, o espírito pode achar uma paz semelhante à das
almas do Purgatório". Isso ocorre porque a alma se fixa na disposição em
que se encontra na hora da morte, ou seja, contra ou a favor de Deus,
pois a liberdade humana termina com a morte. E tendo falecido na amizade
de Deus, a alma do Purgatório se adapta com docilidade à sua santa
vontade. Daí conservar a paz em meio a terríveis sofrimentos.
Dos
lábios do suavíssimo São Francisco de Sales ouvimos dizer que "entre o
último suspiro e a eternidade, há um abismo de misericórdia". Todos
acham melhor fazer um esforço para evitá-lo. Outros, porém, sem se
oporem aos anteriores, enfrentam o problema com uma ousada confiança no
amor misericordioso do Senhor.
Santa
Teresa de Jesus, por exemplo, diz com veemência: "Esforcemo- nos,
fazendo penitência nesta vida. Como será suave a morte de quem a tiver
feito por todos os seus pecados, e assim não precisar ir para o
Purgatório!" Já sua discípula, Santa Teresinha do Menino Jesus, formula
de modo surpreendente sua atitude, se nele caísse: "Se eu for para o
Purgatório, ficarei muito contente; farei como os três hebreus na
fornalha, caminharei entre as chamas cantando o cântico do amor".
Uma
atitude não contradiz a outra, mas ambas se completam, e, mesmo se
tivermos de passar por esse lugar tão doloroso, tenhamos uma confiança
sem limites na bondade divina.
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"Mesmo que a alma tenha de sujeitar-se, naquela passagem para o Céu, à purificação das últimas escórias, mediante o Purgatório, ela já está cheia de luz, de certeza, de alegria, pois sabe que pertence para sempre ao seu Deus". (Beato João Paulo II) |
De
qualquer modo, a Santa Igreja coloca maternalmente à nossa disposição
as indulgências, para nos poupar das penas do Purgatório. Mas este tema
pode ficar para outro artigo.
Ajudemos as almas benditas
Não
devemos pensar só no nosso destino pessoal, mas também nos perguntarmos
como podemos ajudar aquelas almas que já estão à espera da libertação.
Elas não podem fazer nada por si, pois estão impossibilitadas de
alcançar méritos, e dependem de nós. Interceder por elas é uma belíssima
e valiosa obra de misericórdia: de certo modo, não há ninguém mais
carente do que elas. O costume de rezar pelas almas dos falecidos vem do
Antigo Testamento.
Também
diversos Padres da Igreja promoveram essa prática, como São Cirilo de
Jerusalém, São Gregório de Nissa, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. No
século XIII, o Concílio de Lyon ensinava: "As almas são beneficiadas
pelos sufrágios dos fiéis vivos, quer dizer, o sacrifício da Missa, as
orações, esmolas e outras obras de piedade, as quais, segundo as leis da
Igreja, os fiéis estão acostumados a oferecer uns pelos outros".
Como
é bela a devoção às benditas almas do Purgatório! É agradável a Deus e
nos beneficia também, levando-nos à verdadeira dimensão cristã da
existência, fazendo-nos viver em contato e comunhão com o sobrenatural, e
com o futuro, no sentido mais pleno da palavra. Como essas pobres almas
nos ficarão agradecidas ao receber nosso auxílio! Poderão ser nossos
parentes, ou até mesmo nossos pais. Poderá ser alguém que não
conhecemos, e que nos dará uma afetuosa acolhida na eternidade. No Céu, e
enquanto ainda estiverem no Purgatório, elas rezarão por nós, com todo o
empenho, pois Deus lhes dá essa possibilidade.
Concluindo,
gostaria de fazer ao prezado leitor uma proposta: reze por essas almas
necessitadas, ofereça- lhes Missas, dê esmolas por elas, faça
sacrifícios e consiga que outras pessoas se tornem devotas fervorosas
das almas benditas. Sabe quem será o maior beneficiado? Você mesmo!
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