XI DOMINGO DO
TEMPO COMUM
SOLENIDADE
DA SANTÍSSIMA TRINDADE
15 de junho de 2014
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“Deus de amor nós te adoramos”
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Leituras:
Êxodo 34,
4b-6.8-9;
Salmo Dn 3, 52-56;
Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios 13, 11-13;
João 3, 16-18.
COR LITÚRGICA: BRANCA ou DOURADA
O objeto do amor de Deus é o mundo e toda a sua
criação. Agora, com imenso amor doa seu Filho, portador da vida eterna, ao
mundo. Como se trata de uma relação interpessoal de amor, a receptora deste dom
é a humanidade, e o dom é a vida eterna divina em Jesus. Que nesta celebração
possamos louvar a Trindade Santa.
1. Situando-nos brevemente
Caros irmãos e irmãs, com a celebração de domingo passado,
concluímos o Ciclo Pascal. A Solenidade de Pentecostes se coloca como cume de
um percurso litúrgico, por meio do qual a Igreja nos introduz no mistério da
redenção operada por Deus o Pai a nosso favor por meio de Jesus Cristo. Essa
obra de redenção não se conclui com a vinda do Espírito Santo. Ela continua na
vida da Igreja e se prolonga nos séculos, pois Jesus continua vivo e operante
entre nós, como ele mesmo prometeu ficar entre nós até a consumação dos séculos
(Cf. Mt 28,20).
Esse seu estar em meio a nós se concretiza de modo especial em
cada celebração eucarística em que ele está sempre presente. “Está presente no
sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – ‘O que se oferece agora pelo
ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz’ – quer, sobretudo, sob
as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de
modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo que batiza. Está presente na
sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura.
Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: ‘Onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles’” (Mt
18,20) (SC, n.7).
Essa presença constante celebraremos de modo explicito e festivo
na próxima quinta-feira com a Solenidade de Corpus Christi, fazendo memória do
grande dom da Eucaristia que nos foi dado para a vida do mundo.
O calendário litúrgico prevê que o domingo que segue a
Solenidade de Pentecostes ceda lugar a Solenidade da Santíssima Trindade. A liturgia
dos Padres da Igreja sempre considerou a Trindade no contexto da completude da
história da salvação e consequentemente a viu como uma realidade dinâmica em
ato no momento celebrativo segundo o conhecidíssimo esquema da liturgia romana:
“ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo”.
De fato toda a liturgia é obra da Santíssima Trindade (Cf. CIgC,
n.1077-1109). Toda essa celebração é antes de tudo uma obra da Santíssima
Trindade. Único Deus em três pessoas que acabou de nos falar quando
abundantemente as leituras bíblicas nos foram proclamadas.
2. Recordando a Palavra
As três leituras de hoje descrevem uma espécie de itinerário da
progressiva revelação do mistério do Deus uno e trino feita aos homens: na
primeira leitura ele se revela como um “Deus misericordioso e clemente, paciente,
rico em bondade e fiel”.
Esses adjetivos, ou atributos divinos, que são conhecidos, por
conceitos, a todos os homens, alcançou um grau superlativo quando “na plenitude
dos tempos” (Gl 4,4), “Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho unigênito,
para que não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a vida eterna”, nos
testemunhou João em seu Evangelho.
A obra da revelação iniciada no âmbito da Primeira Aliança não
se esgota, porém, num ato que poderia parecer um ponto final. O Deus que tira
os véus que envolvem o seu mistério se faz um Deus peregrino com o seu povo que
não tem vergonha de invocar a Sua presença, porque não pode se esconder em
argumentos e subterfúgios.
Ele se revela um Deus que “caminha conosco”, “embora sejamos um
povo de cabeça dura”. Ele se revela um Deus não vingativo, como os deuses dos
pagãos, mas um Deus que “perdoa nossas culpas e nossos pecados”. Ele se revela
um Deus que “acolhe-nos como propriedade sua”. Ele se revela um Deus que
permanece sempre conosco: “vivei em paz, e o Deus da paz estará sempre
convosco”, nos lembrou São Paulo.
A plenitude da revelação é a salvação: “Deus não enviou o seu
Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”, ou seja,
o mistério da Trindade que se revelou a nós é um “mistério de amor”. A simples
invocação do seu nome santifica (sobre as oferendas), isto é, santifica, torna
saudável o homem.
3. Atualizando a Palavra
Se as coisas estão assim desveladas, poderíamos nos perguntar
por que falamos ainda de um “mistério da Santíssima Trindade”? Mistério, em
primeiro lugar, no universo bíblico/patrístico, não significa alguma coisa de
sombrio e obscuro, diante da qual os homens se colocam com a sua “aguçada e
perspicaz inteligência” para desvendar, esclarecer e publicar, como um crime ou
uma situação incógnita, como se vê no mundo fictício das aventuras de Sherlock
Holmes. Mistério é alguma coisa tão grande e ao mesmo tempo tão simples que provoca
tamanha admiração, que diante dela os homens se colocam em espírito de
admiração.
Assim é, por exemplo, o mistério da Encarnação; o que dizemos
quando nos encontramos na gruta de Belém e vemos o “Deus de Deus, luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado, consubstancial ao Pai “
deitado fragilmente sobre as palhas de uma manjedoura? Para o mistério não se
busca explicação, do mistério se tira e se colhe uma lição.
O mistério, digno de admiração, que celebramos hoje é esse: “Deus
é uno e trino porque é amor”, uma verdadeira escola de belas relações. Deus é
amor em si mesmo e para que haja amor é preciso haver um amante e um amado.
Caso contrário o que existe é somente um “sentimento doentio” que se poderia
chamar de egocentrismo.
A Palavra de Deus nos ensina e a fé católica corrobora que Deus
é amor em si mesmo desde sempre porque tem em si mesmo um Filho, o Verbo, ao
qual ama com um amor infinito. Esse amor infinito é o Espírito Santo. “Lá onde
Deus é concebido como potência ou poder absoluto, não tem necessidade de mais
pessoas, porque a potência pode ser exercida muito bem por um só” (R. Cantalamessa. Dal vangelo vita. PIEMME,
Milano, 2012, p.64).
Entre nós cristãos, Deus é concebido como amor, isso faz dele
uno e único e ao mesmo tempo trino, múltiplo, porque todo amor implica relação.
Assim poderemos pensar a Trindade como comum-unidade.
Contemplar a Trindade sob este prisma pode e deve provocar um
profundo impacto transformador nas nossas vidas. A Trindade-amor se apresenta a
nós como um “lugar” de “sadias relações”, não porque as pessoas da Trindade se
relacionam entre si, mas porque elas são relações.
Nós humanos temos relações com pais, filhos, amigos, cônjuges,
mas essas relações não nos definem, pois continuamos a existir mesmo fora
dessas relações. Em Deus, ao contrário, as pessoas só existem em relação: o Pai
é Pai em relação ao Filho, que é Filho em relação ao Pai, e ambos são o que são
em relação ao Espírito Santo, que é o que é em relação aos dois primeiros.
A lição que colhemos da contemplação do mistério da Santíssima
Trindade é o da beleza da relação e o que faz uma relação ser livre e
gratificante é o amor nas suas mais variadas expressões. Eis aqui a importância
de vivenciar Deus como amor e não como poder: o amor doa e liberta, o poder
toma para si e domina.
O que destrói uma relação, de qualquer nível, é o querer exercer
o domínio sobre o outro, o espírito de possessão, de instrumentalização. O que
faz frutificar uma relação é a acolhida gratuita, a doação sem cobrança.
4. Ligando a Palavra com ação
litúrgica
A coleta da missa de hoje é rica de significativa referência à
dimensão histórico-salvífica da Trindade – “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao
mundo a Palavra da verdade, revelastes o vosso inefável mistério de amor” – e
nos coloca em atitude de ação de graças.
Daqui a pouco nos voltaremos todos para uma sequência ritual que
expressa a nossa inenarrável gratidão a Deus Trindade pelo imenso amor
dispensado a nós: ofereceremos em ação de graças aquilo que temos de mais
precioso: o próprio Filho de Deus transubstanciado, ou escondido, nas espécies
do pão e do vinho santificados.
Essa participação nossa a esse banquete sagrado é para nós um
mergulho na dimensão da relação trinitária, ou seja, ele nos conformará a
“Cristo” que, pela sua encarnação, se transformou em nós, e dessa forma
passaremos de estranhos a concidadãos daquela pátria que é a Trindade (Beata
Elizabete da Trindade).
Esse estar na Trindade fará da nossa comunidade, santificada
pelas águas lustrais do batismo, um lugar de manifestação do amor de Deus para
com a humanidade. Essa Eucaristia nos faz todos missionários da Trindade.
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