15º Domingo do Tempo Comum - Ano A
Jesus semeador e semeadura.
A liturgia do 15º Domingo do
Tempo Comum convida-nos a tomar consciência da importância da Palavra de Deus e
da centralidade que ela deve assumir na vida dos crentes.
A primeira leitura garante-nos que a Palavra de Deus é
verdadeiramente fecunda e criadora de vida. Ela dá-nos esperança, indica-nos os
caminhos que devemos percorrer e dá-nos o ânimo para intervirmos no mundo. É
sempre eficaz e produz sempre efeito, embora não atue sempre de acordo com os
nossos interesses e critérios.
O Evangelho propõe-nos, em primeiro lugar, uma reflexão sobre a
forma como acolhemos a Palavra e exorta-nos a ser uma “boa terra”, disponível
para escutar as propostas de Jesus, para as acolher e para deixar que elas deem
abundantes frutos na nossa vida de cada dia. Garante-nos também que o “Reino”
proposto por Jesus será uma realidade imparável, onde se manifestará em todo o
seu esplendor e fecundidade a vida de Deus.
A segunda leitura apresenta uma temática (a solidariedade entre o
homem e o resto da criação) que, à primeira vista, não está relacionada com o
tema deste domingo – a Palavra de Deus. Podemos, no entanto, dizer que a
Palavra de Deus é que fornece os critérios para que o homem possa viver “segundo
o Espírito” e para que ele possa construir o “novo céu e a nova terra” com que
sonhamos.
LEITURA I – Is 55,10-11
O Deutero-Isaías, autor deste
texto, é um profeta que exerce a sua missão entre os exilados da Babilónia,
procurando consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo amargurado,
desiludido e decepcionado. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55)
chamam-se, por isso, “Livro da Consolação”.
Na primeira parte desse livro
(cf. Is 40-48), o profeta anuncia aos exilados a libertação do cativeiro e um
“novo êxodo” do Povo de Deus rumo à Terra Prometida; na segunda parte (cf. Is
49-55), o profeta fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém.
Estes três versículos que a
primeira leitura de hoje nos propõem aparecem no final do “Livro da
Consolação”. Depois de convidar o Povo (que ainda está na Babilónia) a buscar e
invocar o Senhor (cf. Is 55,6-9), o profeta relembra a eficácia da Palavra de
Deus que acabou de ser proclamada aos exilados (cf. Is 55,10-11).
Estamos na fase final do Exílio
(à volta de 550/540 a.C.). A comunidade exilada está farta de belas palavras e
de promessas de libertação que tardam a concretizar-se… A impaciência, a
dúvida, o cepticismo vão minando lentamente a resistência e a fé dos exilados…
Será que as promessas de Deus se concretizarão? Deus não está a ser demasiado
lento, em relação a algo que exige uma intervenção imediata? Deus ter-se-á
esquecido da situação do seu Povo?
Não – diz o profeta – Deus não se
esqueceu do seu Povo. A sua Palavra não deixará de se concretizar, pois Deus é
eternamente fiel às suas promessas. A Palavra de Deus é eficaz, transformadora,
geradora de vida. Ela nunca falha.
Para expressar a ideia da
eficácia da Palavra de Deus, o profeta utiliza o exemplo da chuva e da neve:
assim como a chuva e a neve que descem do céu fecundam a terra e multiplicam a
vida nos campos, assim a Palavra de Jahwéh não deixará de se concretizar e de
criar vida plena para o Povo de Deus.
A imagem é extremamente
sugestiva. Devia lembrar aos judeus exilados na Babilónia as chuvas que caem no
norte de Israel e as neves do monte Hermon. Essa água caída do céu alimenta o
rio Jordão; e este, por sua vez, corre por toda a terra de Israel, deixando um
rasto de vida e de fecundidade.
A Palavra de Deus é como essa
água bendita caída do céu que, inevitavelmente, gera essa vida que alimenta o
Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os
seguintes elementos:
• Quando escutamos a Palavra de
Deus, sentimo-nos confiantes, optimistas, com o coração a transbordar de
esperança; sentimos que o caminho que Deus nos indica é, efetivamente, um
caminho de felicidade e de vida plena… “Que bom é estarmos aqui” – dizemos…
Depois, voltamos à nossa vida do dia a dia e reencontramos a monotonia, os
problemas, o desencanto; constatamos que os maus, os corruptos, os violentos,
parecem triunfar sempre e nunca são castigados pelo seu egoísmo e prepotência,
enquanto que os bons, os justos, os humildes, os pacíficos são continuamente
vencidos, magoados, humilhados… Então perguntamos: podemos confiar nas
promessas de Deus? Não estaremos a ser enganados? A Palavra de Deus que hoje
nos é proposta responde a estas dúvidas. Ela garante-nos: a Palavra de Deus não
falha; ela indica sempre caminhos de vida plena, de vida verdadeira, de
liberdade, de felicidade, de paz sem fim.
• A Palavra de Deus não poderá
ser uma espécie de ópio do Povo, no sentido de que projeta em Deus as
esperanças e os sonhos que nos competem a nós concretizar? Atenção: é preciso
estarmos bem conscientes de que Deus não prescinde de nós para atuar na
história humana… A sua Palavra dá-nos esperança, indica-nos os caminhos que
devemos percorrer e dá-nos o ânimo para intervirmos no mundo. A Palavra de Deus
não só não adormece a nossa vontade de agir, mas revela-nos os projetos de Deus
para o mundo e para os homens e convida-nos ao compromisso com a transformação
e a renovação do mundo.
• Vivemos na era do relógio.
“Tempo é dinheiro” – dizemos. Passamos a vida numa correria louca, contando os
minutos, sem tempo para as pessoas, sem tempo para Deus, sem tempo para nós.
Tornamo-nos impacientes e exigentes; achamos que ser eficiente é ter feito
ontem aquilo que é pedido para hoje… E achamos que Deus também deve seguir os
nossos ritmos. Queremos que Ele aja imediatamente, que nos resolva logo os
problemas, que actue de imediato, ao sabor dos nossos desejos e projetos. É preciso,
no entanto, aprender a respeitar o ritmo de Deus, o tempo de Deus. Não nos
basta saber que a Palavra de Deus é sempre eficaz (embora não tenha os nossos
prazos) e que não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a
vontade de Deus, sem ter realizado a sua missão?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 64 (65)
Refrão: A semente caiu em boa
terra e deu muito fruto.
Visitastes a terra e a regastes, enchendo-a
de fertilidade.
As fontes do céu transbordam em
água e fazeis brotar o trigo.
Assim preparais a terra; regais
os seus sulcos e aplanais as leivas,
Vós a inundais de chuva e
abençoais as sementes.
Coroastes o ano com os vossos
benefícios, por onde passastes brotou a abundância.
Vicejam as pastagens do deserto e
os outeiros vestem-se de festa.
Os prados cobrem-se de rebanhos e
os vales enchem-se de trigo.
Tudo canta e grita de alegria.
LEITURA II – Rom 8,18-23
Paulo continua a oferecer-nos a
sua catequese sobre o caminho que é preciso seguir para se poder acolher a
salvação que Deus oferece. A salvação é um dom de Deus, dom gratuito, que é
fruto da bondade e do amor de Deus (cf. Rom 3,1-5,11). Essa salvação chega-nos
através de Jesus Cristo (cf. Rom 5,12-8,39); e atua em nós pelo Espírito que
Jesus derrama sobre aqueles que aderem ao seu projeto e entram na sua
comunidade (cf. Rom 8,1-39).
Nos versículos anteriores ao
texto que hoje nos é proposto (cf. Rom 8,1-17), Paulo mostrou aos crentes o
exemplo de Cristo e convidou os cristãos a seguirem o mesmo percurso. De forma
especial, disse-lhes que seguir o exemplo de Cristo implica deixar a vida
“segundo a carne” (isto é, a vida do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência)
e aderir à vida “segundo o Espírito” (isto é, a vida de escuta de Deus, de
obediência aos projetos de Deus, de doação aos homens).
Na perspectiva de Paulo, o homem
não é o único interessado na opção por uma vida “segundo o Espírito”: toda a
criação está dependente das escolhas que o homem faz. O que é que isto
significa?
Como resultado do pecado do homem,
a criação inteira ficou submetida ao império do egoísmo e da desordem (cf. Gn
3,17) e está condenada à finitude e à caducidade. Se o homem aderir a Cristo e
passar a viver “segundo o Espírito”, superará o destino de maldição e de morte
em que o pecado o tinha lançado; então, também o resto da criação será
libertado e nascerá o novo céu e a nova terra. É o tema da solidariedade entre
o homem, os outros animais e a natureza, tão enraizado na Bíblia (cf. Gn
9,12-13; Col 1,20; 2 Pe 3,13; Ap 21,1-15).
Portanto, toda a criação aguarda
ansiosamente que o homem escolha a vida “segundo o Espírito”. Até lá, vai
nascendo – no meio da dificuldade e da dor – esse Homem Novo, bem como esse
Novo Céu e Nova Terra com que todos sonhamos. Porquê na dificuldade e na dor? Porque
a vida “segundo o Espírito” supõe a renúncia ao egoísmo, aos interesses
mesquinhos, ao comodismo, ao orgulho e a opção por um caminho de entrega e de
dom da própria vida a Deus e aos outros. Paulo utiliza até o exemplo das dores
do parto, para iluminar a mensagem que pretende transmitir… O nascimento de uma
criança dá-se sempre através da dor; no entanto, essa dor é o caminho
obrigatório para o nascimento de uma nova vida.
De resto, vale a pena viver
“segundo o Espírito”. Os “padecimentos”, as renúncias, as dificuldades, não são
nada, em comparação com a felicidade sem fim que espera os crentes no final do
caminho.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta os
seguintes elementos:
• Antes de mais, Paulo exorta os
crentes a decidirem-se por uma vida “segundo o Espírito”. Essa opção terá uma
dimensão cósmica e afetará a relação do homem com os outros homens e com toda a
criação. Uma vida conduzida de acordo com critérios de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência,
de pecado, gera escravidão, injustiça, arbitrariedade, morte, sofrimento, que
se refletem na vida de todos os outros seres criados e criam desequilíbrios que
desfeiam este mundo que Deus quis “bom”… Ao contrário, uma vida conduzida de
acordo com os critérios de Deus gera respeito, amor, solidariedade, que se
refletem na vida dos outros seres criados e criam harmonia, equilíbrio,
bem-estar, felicidade. Tenho consciência de que as minhas opções afetam os
outros meus irmãos, bem como o mundo que me rodeia? Tenho consciência de que o
mundo será melhor ou pior, de acordo com as opções que eu fizer?
• No nosso tempo manifesta-se,
cada vez mais, uma preocupação séria com a forma como usamos o mundo que Deus
nos ofereceu. O homem de hoje já descobriu que a criação não é para ser
explorada, violentada, usada de acordo com critérios de egoísmo e de
exploração. Aquilo que nos deve mover, no entanto, não é a simples preocupação
com o esgotamento dos recursos, ou com a destruição das condições de
habitabilidade do nosso planeta; mas o que nos deve mover é a ideia da
fraternidade que deve unir o homem e as outras coisas criadas por Deus. Só
quando se instalar essa consciência de fraternidade, podemos libertar toda a
criação do egoísmo e da exploração em que o homem a encerrou e fazer aparecer o
“novo céu e a nova terra”.
• Muitas vezes sentimo-nos
confusos com certas novidades que nos desconcertam e que parecem pôr em causa
os velhos esquemas sobre os quais o mundo se tem edificado. Criticamos os mais
jovens pela sua ousadia, pelos seus valores, pelas suas preocupações, pela sua
visão do mundo… Não sabemos para onde vamos e parece que nada faz sentido…
Sentimo-nos abalados e inseguros; lamentamo-nos porque tudo parece ir de mal a
pior e não sabemos “onde isto vai parar”. Não é possível que, em muitos casos,
a nossa rigidez esconda o comodismo, a instalação, o aburguesamento de quem tem
medo da novidade?
• Aconteça o que acontecer, somos
convidados a olhar para o futuro do mundo e da humanidade com os óculos da
esperança. Não caminhamos para o holocausto, para a destruição, para o nada,
mas para o “novo céu e a nova terra”, que já estão em gérmen presentes na nossa
história e que, cada dia, se manifestam um pouco mais.
• Atenção: esse “novo céu e nova
terra” não podem ser projetados para um futuro ideal, no céu… Eles estão já a
construir-se na terra, na nossa história, sempre que os seguidores de Jesus
aceitam o seu convite e se dispõem a viver “segundo o Espírito”.
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
A semente é a palavra de Deus e o
semeador é Cristo.
Quem O encontra viverá
eternamente.
EVANGELHO – Mt 13,1-23
Hoje e nos próximos dois
domingos, o Evangelho apresenta-nos parábolas de Jesus. A “parábola” é uma
imagem ou comparação, através da qual se ilustra uma determinada mensagem ou
ensinamento.
A linguagem parabólica não foi
inventada por Jesus. É uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio
Oriente: o génio oriental gosta mais de falar e de instruir através de imagens,
de comparações e de alegorias, do que através dos discursos lógicos, frios e
racionais, típicos da civilização ocidental.
A linguagem parabólica tem várias
vantagens em relação a um discurso mais lógico e impositivo. Em primeiro lugar,
porque a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito
mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição
teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por
isso, mexe mais com os ouvintes. Em segundo lugar, porque é uma excelente arma
de controvérsia: a linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir
certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. Em
terceiro lugar, porque é um verdadeiro método pedagógico, que ensina as pessoas
a refletir, a medir os prós e os contras, a encontrar soluções para os dilemas
que a vida põe: espicaça a curiosidade, incita à busca, convida a descobrir a
verdade.
No capítulo 13 do seu Evangelho,
Mateus apresenta-nos sete parábolas, através das quais Jesus revela aos
discípulos a realidade do “Reino”: são as “parábolas do Reino”.
Dessas sete parábolas, três
procedem da tradição sinóptica (o semeador, o grão de mostarda, o fermento); as
outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pérola preciosa, a
rede) não se encontram nem em Marcos, nem em Lucas. Provavelmente, são
originárias da antiga fonte dos “ditos” de Jesus, que Mateus usou
abundantemente na composição do seu Evangelho.
A preocupação do evangelista
Mateus é sempre a vida da sua comunidade. Nestas sete parábolas e na
interpretação que as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor que
procura exortar, animar, ensinar e fortalecer a fé desses crentes a quem o
Evangelho se destina.
A parábola que hoje nos é
proposta – a do semeador e da semente – é uma das mais conhecidas e
emblemáticas das parábolas de Jesus. No entanto, o texto do Evangelho de hoje
vai um pouco mais além da parábola em si… Apresenta três partes: a parábola
(vers. 1-9), um conjunto de “ditos” sobre a função das parábolas (vers. 10-17)
e a explicação da parábola (vers. 18-23).
Na primeira parte temos, pois, a
parábola propriamente dita (vers. 1-9). O quadro apresentado supõe as técnicas
agrícolas usadas na Palestina de então: primeiro, o agricultor lançava a
semente à terra; depois, é que passava a arar o terreno. Assim compreende-se
porque é que uma parte da semente pôde cair “à beira do caminho”, outra em
“sítios pedregosos onde não havia muita terra” e outra “entre os espinhos”.
Evidentemente, as diferenças do
terreno significam, nesta “comparação”, as diferentes formas como é acolhida a
semente. No entanto, nem sequer é isso que é mais significativo: o que aqui é
verdadeiramente significativo é a quantidade espantosa de frutos que a semente
lançada na “boa terra” produz… Tendo em conta que, na época, uma colheita de
sete por um era considerada farta, os cem, sessenta e trinta por um deviam
parecer aos ouvintes de Jesus algo de surpreendente, de exagerado, de
milagroso…
Mateus coloca esta parábola num
contexto em que a proposta de Jesus parece condenada ao malogro. As cidades do
lago (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum) tinham rejeitado a sua pregação (cf. Mt
11,20-24); os fariseus atacavam-no por Ele não respeitar o sábado e queriam
matá-l’O (cf. Mt 12,1-14); acusavam-n’O, além disso, de agir, não pelo poder de
Deus, mas pelo poder de Belzebu, príncipe dos demónios (cf. Mt 12,22-29); não
acreditavam nas suas palavras e exigiam d’Ele “sinais” (cf. Mt 12,38-45). O
“Reino” anunciado sofria grande contestação e parecia, pois, encaminhar-se para
um rotundo fracasso…
É muito possível que esta
parábola tenha sido apresentada por Jesus neste contexto de “crise”. Àqueles
que manifestavam desânimo e desconfiança em relação ao êxito do projeto do
“Reino”, Jesus fala de um resultado final grandioso. Com esta parábola, Jesus
diz aos discípulos desiludidos: “coragem! Não desanimeis, pois apesar do
aparente fracasso, o ‘Reino’ é uma realidade imparável; e o resultado final
será algo de surpreendente, de maravilhoso, de inimaginável”.
Na segunda parte temos uma
reflexão sobre a função das parábolas (vers. 10-17). O ponto de partida é uma
questão posta pelos discípulos: porque é que Jesus fala em parábolas?
Mateus vê nas parábolas a ocasião
para que apareçam, com nitidez, o acolhimento e a recusa da mensagem proposta
por Jesus. Que quer isto dizer?
As parábolas apresentam a
proposta do “Reino” numa linguagem sugestiva, rica, clara, concreta,
questionante, interpeladora… Tornam tudo claro e evidente para os ouvintes; por
isso, após escutar a mensagem apresentada nas parábolas, só não aceita a
mensagem quem tiver o coração endurecido e não estiver mesmo interessado na
proposta. As parábolas são, portanto, o fator decisivo: propõem clara e
inequivocamente a realidade do “Reino”. Quem acolher essa mensagem, receberá
mais e “terá em abundância” (quer dizer, irá entrando, cada vez mais, na
dinâmica do “Reino”); mas quem não a acolher (apesar da clareza e da
acessibilidade da mensagem), está a rejeitar o “Reino” e a possibilidade de
integrar a comunidade da salvação. Nos que rejeitam a proposta de Jesus,
cumpre-se a profecia de Isaías: o profeta fala de um povo de coração
endurecido, que quanto mais ouve a pregação profética, mais se irrita,
agravando cada vez mais a sua culpa (cf. Is 6,9-10).
Os discípulos são aqueles que
escutam a proposta do “Reino” e estão dispostos a acolhê-la. Eles compreendem,
portanto, as parábolas e aceitam a realidade que elas propõem. Eles são
“felizes”, porque abriram o coração às propostas de Jesus, escutaram as suas
palavras, viram e entenderam os seus gestos e sinais; são “felizes” porque (ao
contrário daqueles que endureceram o coração e fecharam os ouvidos à proposta
de Jesus) já integram o “Reino”.
Na terceira parte, temos a
explicação da parábola (vers. 18-23). Alguns indícios presentes no texto levam
a pensar que esta explicação não fazia parte da parábola original, mas é uma
adaptação posterior, que aplica a parábola à vida dos cristãos.
A explicação desloca, de forma
evidente, o “centro de interesse”. Nessa explicação, a parábola deixa de ser
uma apresentação da forma grandiosa como o “Reino” se vai manifestar, para
passar a ser uma reflexão sobre as diversas atitudes com que a comunidade
acolhe a Palavra de Jesus (na verdade, é essa a grande preocupação das
comunidades cristãs).
Na perspectiva dos catequistas
que prepararam esta aplicação da parábola, o acolhimento do Evangelho não
depende, nem da semente, nem de quem semeia; mas depende da qualidade da terra.
Diante da Palavra de Jesus, há
várias atitudes… Há aqueles que têm um coração duro como o chão de terra batida
dos caminhos: a Palavra de Jesus não poderá penetrar nessa terra e dar fruto.
Há aqueles que têm um coração inconstante, capaz de se entusiasmar
instantaneamente, mas também de desanimar perante as primeiras dificuldades: a
Palavra de Jesus não pode aí criar raízes. Há aqueles que têm um coração
materialista, que dá sempre prioridade à riqueza e aos bens deste mundo: a
Palavra de Jesus é aí facilmente sufocada por esses outros interesses
dominantes. Há também aqueles que têm um coração disponível e bom, aberto aos
desafios de Deus: a Palavra de Jesus é aí acolhida e dá muito fruto. Os
verdadeiros discípulos (a “boa terra”) identificam-se com aqueles que escutam
as parábolas, as entendem e acolhem a proposta do “Reino”.
Temos aqui, portanto, uma
exortação aos cristãos no sentido de acolherem a Palavra de Jesus, sem deixarem
que as dificuldades, os acidentes da vida, os outros valores a afoguem e a
tornem uma semente estéril, sem vida.
ATUALIZAÇÃO
Refletir nas seguintes questões:
• No seu “estado atual”, a
parábola do semeador e da semente é, sobretudo, um convite a refletir sobre a
importância e o significado da Palavra de Jesus. É verdade que, nas nossas
comunidades cristãs, a Palavra de Jesus é a referência fundamental, à volta do
qual se constrói a vida da comunidade e dos crentes? Temos consciência de que é
a Palavra anunciada, proclamada, meditada, partilhada, celebrada, que cria a
comunidade e que a alimenta no dia a dia?
• A semente que caiu em terrenos
duros, de terra batida, faz-nos pensar em corações insensíveis, egoístas,
orgulhosos, onde não há lugar para a Palavra de Jesus e para os valores do
“Reino”. É a realidade de tantos homens e mulheres que veem no Evangelho um
caminho para fracos e vencidos, e que preferem um caminho de independência e de
autossuficiência, à margem de Deus e das suas propostas. Este caminho de
orgulho e de autossuficiência alguma vez foi “o meu caminho”?
• A semente que caiu em sítios
pedregosos, que brota nessa pequena camada de terra que aí há, mas que morre
rapidamente por falta de raízes profundas, faz-nos pensar em corações
inconstantes, capazes de se entusiasmarem com o “Reino”, mas incapazes de
suportarem as contrariedades, as dificuldades, as perseguições. É a realidade
de tantos homens e mulheres que veem em Jesus uma verdadeira proposta de
salvação e que a ela aderem, mas que rapidamente perdem a coragem e entram num
jogo de cedências e de meias tintas quando são confrontados com a radicalidade
do Evangelho. A Palavra de Deus é, para mim, uma realidade que eu levo a sério,
ou algo que eu deixo cair quando me dá jeito?
• A semente que caiu entre os
espinhos e que foi sufocada por eles, faz-nos pensar em corações materialistas,
comodistas, instalados, para quem a proposta do “Reino” não é a prioridade
fundamental. É a realidade de tantos homens e mulheres que, sem rejeitarem a
proposta de Jesus (muitas vezes são “muito religiosos” e têm “a sua fé”) fazem
do dinheiro, do poder, da fama, do êxito profissional ou social o verdadeiro
Deus a que tudo sacrificam. As propostas de Jesus são a referência fundamental
à volta da qual a minha vida se constrói, ou deixo que outros interesses e
valores sufoquem os valores do Evangelho?
• A semente que caiu em boa terra
e que deu fruto abundante faz-nos pensar em corações sensíveis e bons, capazes
de aderirem às propostas de Jesus e de embarcarem na aventura do “Reino”. É a
realidade de tantos homens e mulheres que encontraram na proposta de Jesus um
caminho de libertação e de vida plena e que, como Jesus, aceitam fazer da sua
vida uma entrega a Deus e um dom aos homens. Este é o quadro ideal do
verdadeiro discípulo; e é esta a proposta que o Evangelho de hoje me faz.
• A parábola, na sua forma
original (vers. 1-9) refere-se à inevitável erupção do “Reino”, à sua força e
aos resultados maravilhosos que o “Reino” alcançará… Com frequência, olhamos o
mundo que nos rodeia e ficamos desanimados com o materialismo, a futilidade, os
falsos valores que marcam a vida de muitos homens e mulheres do nosso tempo. Perguntamo-nos
se vale a pena anunciar a proposta libertadora de Jesus num mundo que vive
obcecado com as riquezas, com os prazeres, com os valores materiais… O
Evangelho de hoje responde: “coragem! Não desanimeis pois, apesar do aparente
fracasso, o ‘Reino’ é uma realidade imparável; e o resultado final será algo de
surpreendente, de maravilhoso, de inimaginável”.
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