15º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
13 de julho
de 2014
“Jesus Cristo é o semeador
e a semeadura”
Leituras:
Isaías 55,10-11;
Salmo 64 (65), 10.11.12-13.14;
Carta de São Paulo aos Romanos 8,
12-23;
Mateus 13, 1-23.
COR LITÚRGICA: VERDE
Nesta Eucaristia,
Jesus vem falar da semente lançada na terra e os diferentes tipos de terrenos
que ela pode encontrar, terreno este que é o nosso coração. Jesus é a semente e
não se deixa abater diante dos vários tipos de terrenos que encontra. Devemos
acolher a Palavra, para que ela crie raízes e assim poderemos dar muitos frutos
1. Situando-nos
brevemente:
Diletos, é na liturgia que a Escritura se sente
verdadeiramente em casa, porque na proclamação litúrgica a Escritura se torna
plenamente aquilo que é: Palavra de Deus viva, presente em meio a nós. O
Concílio Vaticano II nos ensina que a proclamação da Palavra de Deus na
liturgia tem um valor sacramental da presença de Cristo, pois “é Ele que fala
ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura”. (SC, n.7).
O Concílio ensina que “é enorme a importância da Sagrada
Escritura na celebração da Liturgia porque é nela que se vão buscar as leituras
que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua
inspiração nasceram as preces, as orações, e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua
capacidade de significação às ações e os sinais” (SC, n.24).
Por causa desse imenso valor dado às Sagradas
Escrituras, o mesmo Concilio pediu que fossem “mais abundante variada e bem
adaptada a leitura da Sagrada Escritura, nas celebrações litúrgicas” (SC,
n.35,1) e exortou que se preparasse para os fiéis, com maior abundância, a mesa
da Palavra de Deus e se abrissem mais largamente os tesouros da Bíblia (cf. SC,
n.51).
Neste XV Domingo do Tempo Comum de maneira especial somos
convidados a uma atenção a esse dado, à riqueza com que a Palavra de Deus acaba
de ser semeada nos nossos corações. “A proclamação litúrgica infunde vida nos
ossos ressequidos das antigas escrituras, as desperta para fazê-las tornarem-se,
no mundo, a presença transformadora e fecundante de Cristo ressuscitado” (Cf.
50 N. Bonneau, II lezionario domenicale, origine, struttura, teologia. EDB,
Bologna, 2012, p.7).
Eis-nos, pois, neste domingo diante de uma realidade
ímpar, uma das mais desconcertantes e, ao mesmo tempo, reconfortante realidade:
Deus fala. O Deus da Bíblia é um Deus que fala. “Um dos traços mais
característicos do Deus vivo – escreveu alguém – é que ele fala aos homens.
Revela-se não só na linguagem silenciosa da natureza e dos sinais das
criaturas; ‘fala’ por suas intervenções históricas de salvação e de
misericórdia” (Comentário in Missal dominical, missal da assembléia cristã,
Paulus, São Paulo, 1995, p.742).
Ele acabou de falar-nos neste evento histórico, que é
esta celebração eucarística e na proclamação solene das leituras das Sagradas
Escrituras. E o que nos disse?
2. Recordando a
Palavra
O Evangelho que acabamos de ouvir é tirado do capítulo
13 de São Mateus; os biblistas o chamam de capítulo das parábolas, que se
insere dentro de uma sessão própria do evangelista Mateus, na qual ele reúne os
discursos de Jesus feitos de forma “metafórica”. O capítulo reúne sete
parábolas, cujo tema central é o Reino de Deus, não como uma realidade teórica,
mas como uma proclamação que só se entende depois que se responde positivamente
ou negativamente.
Os que respondem positivamente encontrarão o reino como
um tesouro, uma pérola, os que respondem negativamente são “sufocados pelos
espinhos”, “comidos pelos pássaros” e “morrerão entre “os pedregulhos” da
terra, sufocados pelo calor do sol. As parábolas são: a do semeador, com sua
explicação, a que acabamos de ouvir; a do joio; a do grão de mostarda; a do fermento,
que ouviremos no próximo domingo; a do tesouro; a da pérola e a da rede, que
ouviremos no domingo seguinte.
Algumas parábolas, como a de hoje, tem uma estrutura
litúrgica: uma “proclamação” e uma “homilia”, ou exposição do sentido
teológico/moral da palavra anunciada. Jesus Cristo é ao mesmo tempo o
proclamador e o homileta. A parábola tem como personagem principal um
agricultor que tem um objetivo preciso, isto é, “saiu para semear”.
Tal agricultor é aparentemente descuidado, ou desprovido
do senso da sua profissão. Ele parece “desperdiçar” a semente. Ele a deixa cair
à beira do caminho, em terreno pedregoso, em meio aos espinhos, outras porém
caíram “em terra boa”. Reparem que a parábola não fala da “terra pronta,
perfeita”, mas terra boa, isto é, terra propensa a acolher a semente.
Na “segunda parte da parábola”, Jesus deixa claro quem
são os “personagens” da sua parábola: o semeador é Deus, a semente é a Palavra
de Deus (cf. Mc 4,14), a beira do caminho, o terreno pedregoso, o terreno
espinhoso e a terra boa são o coração do homem. Certo que por coração não se
entende “órgão corporal”, mas a vida do homem, o cotidiano, o existencial.
Mas não só, indica também o lugar onde o homem
centraliza a sua existência, onde ele “esconde” a sua fonte vital. Isto quer
dizer que da parte de Deus vem o dom, a gratuidade da Palavra que cria todas as
coisas. Da parte do homem deve vir a responsabilidade de abrir espaço para a
Palavra germinar.
A primeira leitura também é uma parábola e, como o
Evangelho ela também tem como tema central o Reino de Deus. Aqui o profeta usa
outra imagem para a Palavra: ela é chuva e neve. Ele vem do céu, ela vem
irrigar e fecundar a terra, ela é eficaz. “Assim a palavra que sair de minha
boca, não voltará para mim vazia; antes, realizará tudo o que for da minha
vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la”.
Claro está que tanto lá no Evangelho como aqui na
profecia a “semente e chuva” são, não coisas, mas uma pessoa, Jesus Cristo.
Assim como a chuva e a semente vêem de cima, Jesus vem do alto; a semente é Sua
imagem porque gera a vida, a chuva é Sua imagem porque alimenta a vida, porque
permite à semente germinar.
O salmista usando a linguagem de um agricultor resume
toda a História da salvação com imagens emocionantes: é Deus quem visita a
terra com a sua chuva, Jesus Cristo, e a faz transbordar de fartura, confirmou
o povo ao ver ressuscitada a viúva de Naim: “um grande profeta surgiu entre nós
e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16), “conforme prometera a nossos pais” (Lc
1,55) “o Senhor Deus de Israel, visitou e redimiu seu povo fazendo para nós
surgir um poderoso Salvador” (Lc 1,68-69), como os “pastos que brotam no
deserto” e “colinas que se enfeitam de alegria e os vales que se revestem de
trigais”.
3. Atualizando a
Palavra
Amados irmãos, esta Palavra é mais que atual. O sistema
no qual vivemos nos obriga a sermos cada vez mais insensíveis à Palavra.
Quantas vezes ela soa estranha aos nossos ouvidos. “A Palavra é fogo” (outra
metáfora), escreve Pronzato. E nós atiramos sobre ela baldes de água de nosso
bom-senso, de nossa falsa prudência, de nossa incrível preguiça.
Eis o que significa ‘tornar inócua’ a Palavra, atraiçoar
a Palavra, ter o coração empedernido. Portanto, a culta não deve ser procurada
[somente] e nossa cultura deficiente [pois o semeador é ‘aparentemente’
descuidado e não de fato]. [...] a causa profunda deve ser procurada, como
podemos [deduzir], em uma atitude fundamental que está errada. O coração
empedernido, precisamente.
O terreno já está ocupado: por nós mesmos, pelos nossos
esquemas, pelos nossos preconceitos, pelo nosso bom-senso. A Palavra em nós
deve tornar-se vida. Não pode permanecer No estágio da inteligência e nem
também naquele do vago sentimentalismo. É preciso que se torne vida, caso
contrário acaba por se desvirtuar, envelhecer, tornar-se incompleta.
Irmãos, intencionalmente, e não por negligência, o
divino semeador semeia a Palavra sobre o caminho, entre os espinhos, e em
terreno pedregoso. “Deus parece semear seu Reino em pura perda, entre os
homens, mas dessas estéreis tão pouco promissoras surge ‘uma ceifa que supera
todas as esperanças’” (Cf. Bible er Vie Chrétienne, 87 (1978), p. 42).
Ele semeou no coração de Saulo e este se tornou Paulo,
no coração de uma prostituta e ela se tornou Maria Egipcíaca, semeou no coração
do mundano Francisco, o Francisco, “do mundo” e ele se tornou o Francisco “de
Assis”, ele semeia ainda hoje no coração de um estuprador e ele se transforma
num pregador, semeia no coração de um drogado e ele se torna um voluntário num
hospital infantil do câncer, ele semeia no coração de um assassino e ele se
transforma em um missionário na África.
Repreende-se justamente um semeador por fazer assim, por
não ser atento à técnica da semeadura, por não fazer uma planilha, um cálculo,
por não consultar um engenheiro. A técnica e o bom-senso sabem e nos ensinam
que “a pedra não poderia tornar-se terra, os espinhos não podem deixar de ser
espinhos, o caminho pode não ser mais pisado pelos transeuntes e tornar-se um
campo fecundo; os espinhos podem ser arrancados e permitir ao grão, uma vez
desembaraçado, frutificar. Se tudo isso não fosse possível, o [divino] semeador
não teria espalhado o seu grão” (João Crisóstomo. Homilia sobre Mateus. 44, 3,
in PG 49, 983).
Lembremos do salmista: “É assim que preparais ‘a nossa
terra’: os seus sulcos com a chuva amoleceis... Transborda a fartura onde
passais, brotam pastos no deserto. As colinas se enfeitam de alegria... Nosso
vales se revestem de trigais: tudo canta de alegria”.
4. Ligando a Palavra
com ação litúrgica
Conta-se que um jovem padre assumiu uma paróquia
localizada em uma zona rural e na sua primeira semana de pastoral, com o seu
belo carro, começou a percorrer os sítios. Passou de frente a um belíssimo
campo arado, onde o milho e o feijão já estavam viçosos, e, para demonstrar-se
simpático, dirigiu-se ao agricultor que estava sentado sob uma árvore: _ Seu
José, que beleza de campo. Veja a obra estupenda que Deus fez. Ao que o
agricultor respondeu com simplicidade: _ Pois é, seu padre, pena que o senhor
chegou atrasado. O senhor deveria ter passado aqui para ver quando Ele
trabalhava sozinho. Isso era um matagal só.
De fato, a perfeição da obra de Deus não exclui a nossa
parte, o nosso esforço em preparar o terreno. O gesto que estamos prestes a
realizar, de trazer processionalmente pão e vinho, “fruto do trabalho humano”,
é de fundamental importância para que Deus opere aquela transformação dos
nossos dons no maior de todos os dons, o “Pão da vida eterna e cálice da
salvação”.
Esse grande mistério acontece pela Palavra, e ao
mesmíssimo tempo esse mistério é a Palavra: “Ele é a vossa Palavra viva pela
qual tudo criaste” (Prefácio Oração Eucarística II). Não só a liturgia da
Palavra é um semear. Também, e especialmente, na Liturgia Eucarística, pela
participação à mesa, a Palavra que foi proclamada no Evangelho, que se tornou
carne humana no seio da Virgem Maria, que se transformará em Pão, será
“semeada”, “plantada” dentro de nós.
Sim, Jesus Cristo é para nós o Semeador, o que proclama
a Palavra, e a Semeadura, a Palavra proclamada.
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