A dinâmica do Reino passa pela
solidariedade
que torna todos os cristãos responsáveis pelas necessidades dos
pobres.
18º Domingo do Tempo Comum - Ano A
A liturgia do 18º Domingo do
Tempo Comum apresenta-nos o convite que Deus nos faz para nos sentarmos à mesa
que Ele próprio preparou, e onde nos oferece gratuitamente o alimento que
sacia a nossa fome de vida, de felicidade, de eternidade.
Na primeira leitura, Deus
convida o seu Povo a deixar a terra da escravidão e a dirigir-se ao encontro da
terra da liberdade – a Jerusalém nova da justiça, do amor e da paz. Aí, Deus
saciará definitivamente a fome do seu Povo e oferecer-lhe-á gratuitamente a
vida em abundância, a felicidade sem fim.
O Evangelho apresenta-nos
Jesus, o novo Moisés, cuja missão é realizar a libertação do seu Povo. No
contexto de uma refeição, Jesus mostra aos seus discípulos que é preciso
acolher o pão que Deus oferece e reparti-lo com todos os homens. É dessa forma
que os membros da comunidade do Reino fugirão da escravidão do egoísmo e
alcançarão a liberdade do amor.
A segunda leitura é um hino ao
amor de Deus pelos homens. É esse amor – do qual nenhum poder hostil nos
pode afastar – que explica porque é que Deus enviou ao mundo o seu próprio
Filho, a fim de nos convidar para o banquete da vida eterna.
LEITURA I – Is 55,1-3
Em 597 a.C., no reinado de Joaquin, os babilónios derrotaram os
exércitos de Judá, conquistaram Jerusalém e deportaram para a Babilónia uma
primeira leva de exilados, escolhidos de entre a classe dirigente de Judá. No
entanto, esse primeiro grupo de exilados acreditava que o Exílio não estava
para durar e que rapidamente poderiam regressar à sua terra. O profeta
Jeremias, no entanto, desfez essas falsas esperanças, anunciando aos exilados
que o desterro iria prolongar-se e convidando-os a refazer a sua vida na
Babilónia (“edificai casas e habitai-as; plantai pomares e comei os seus
frutos. Casai, gerai filhos e filhas, casai os vossos filhos e filhas, para que
tenham filhos e filhas. Multiplicai-vos, em vez de diminuir. Procurai o bem do
país para onde vos exilei e rogai por ele ao Senhor, porque só tereis a lucrar
com a sua prosperidade” – Jer 29,5-7). Aos poucos, estes exilados acabaram por
se adaptar à situação e por lançar as bases para uma permanência prolongada na
Babilónia.
Em 586 a.C. deu-se uma nova catástrofe para o Povo de Deus: Jerusalém
foi de novo conquistada pelos babilónios e completamente arrasada… Os que
tinham escapado à primeira deportação foram levados cativos para a Babilónia e
juntaram-se aos seus irmãos exilados.
Os tempos do Exílio foram tempos de desolação e de sofrimento… Todas
as referências tinham caído; Jerusalém, a cidade santa, estava reduzida a um
montão de ruínas; à frustração pela humilhação nacional, juntavam-se as dúvidas
religiosas: Jahwéh será o Deus libertador, como anunciava a teologia e a catequese
de Israel – ou será um “bluff”, incapaz de proteger o seu Povo? Para alguns dos
exilados já nada importava, pois o quadro de referência que dava segurança ao
Povo tinha sido completamente subvertido. Enquanto que alguns continuavam a
sonhar com a libertação e o regresso, muitos outros deixaram de sonhar e
lançaram as bases materiais para se enraizarem definitivamente na Babilónia.
O Exílio prolongou-se até 539 a.C., quando Ciro, rei dos Persas, tomou
a Babilónia e deu aos exilados a possibilidade de retornarem à sua terra de
origem.
É no contexto do Exílio que aparece o Deutero-Isaías, um profeta
anónimo cuja mensagem nos é oferecida nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías. O
profeta esforça-se por “consolar” os exilados, anunciando-lhes a libertação
iminente, o regresso à Terra (cf. Is 40-48) e a reconstrução de Jerusalém (cf.
Is 49-55).
O texto que nos é proposto como primeira leitura apresenta-nos as
últimas palavras do “livro da consolação”. Depois de um oráculo que anuncia a
restauração de Jerusalém (cf. Is 54,11-17), o Deutero-Isaías procura dar aos
exilados razões para regressarem à cidade santa.
O profeta convida os exilados a cumprirem um novo êxodo, deixando a
terra da escravidão e dirigindo-se ao encontro da terra da liberdade – a
Jerusalém nova que Deus vai reconstruir para o seu Povo. Aí, Judá redescobrirá
o Deus libertador, que derrama sobre o seu Povo – gratuita e abundantemente – a
justiça, a prosperidade, a abundância, a paz sem fim. O profeta representa esse
quadro de salvação através da imagem de um “banquete”: em Jerusalém, à volta da
mesa de Deus, esse Povo sofredor, desolado, carente, faminto, encontrará trigo,
“vinho”, “leite” e “manjares suculentos” (vers. 1).
Será fácil, depois de mais de quarenta anos de Exílio, deixar a
relativa segurança da Babilónia, enfrentar uma terra devastada e começar tudo
de novo? É claro que não. Muitos exilados, correspondendo às palavras do
profeta Jeremias (cf. Jer 29), construíram as suas casas, refizeram as suas
vidas, lançaram as suas raízes no solo babilónico e consolidaram existências
tranquilas e cómodas. A referência ao gastar “o dinheiro naquilo que não
alimenta” e “o trabalho naquilo que não sacia” parece dizer respeito ao facto
de muitos exilados pretenderem continuar na Babilónia, em lugar de arriscarem o
regresso a uma terra desolada e, aparentemente, sem futuro (vers. 2).
O profeta adverte: é preciso ter a coragem de arriscar, de se
desinstalar, de partir ao encontro do sonho. Àqueles que forem capazes de sair
dos seus esquemas para abrirem o coração ao seu dom, Deus vai oferecer, de
forma gratuita e incondicional, a vida em abundância, a felicidade infinita.
Mais: a esses que estão dispostos a deixar as suas certezas e
seguranças para partir ao encontro do seu chamamento, Deus oferecerá uma
aliança eterna (vers. 3), que nada nem ninguém poderão romper.
Quem aceitar esse dom que Deus oferece encontrará aí a água que mata a
sua sede de vida e o alimento que sacia a sua fome de felicidade. Viverá uma
relação nova com Deus e integrará, em definitivo, a comunidade do Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, os seguintes pontos:
• Antes de mais, a leitura que nos é proposta revela o “coração” de
Deus: o seu amor, o seu cuidado, a sua preocupação com a situação de um Povo
atolado na miséria, no sofrimento, na desolação. Deus não fica, nunca,
indiferente à sorte dos seus filhos; mas está continuamente atento às suas
necessidades, à sua fome de vida, à sua sede de felicidade. Os crentes podem
estar seguros de que, à mesa desse banquete onde Deus os reúne, encontram o
alimento que os sacia, a mão que os apoia, a palavra que lhes dá ânimo, o
coração que os ama. A reflexão deste texto convida-nos, antes de mais, a
descobrir este Deus providente, amoroso e dedicado e a colocar toda a nossa
existência nas suas mãos. A reflexão deste texto convida-nos também a sermos
testemunhas deste Deus no meio dos nossos irmãos: os pobres, os famintos, os
desesperados têm de encontrar nos nossos gestos e palavras esse “coração”
amoroso de Deus que os apoia, que lhes dá esperança, que os ajuda a recuperar a
dignidade e o gosto pela vida, que lhes mata a fome e a sede de justiça, de
fraternidade, de amor e de paz.
• Se é verdade que Deus não cessa de nos oferecer a salvação, também é
verdade que nós, os homens, nem sempre acolhemos a oferta que Deus nos faz.
Muitas vezes escolhemos caminhos de egoísmo e de autossuficiência, à margem do
“banquete” de Deus. Na leitura que nos foi proposta, há um apelo a não gastar o
dinheiro naquilo que não alimenta e o trabalho naquilo que não sacia.
Corresponde a um convite a não nos deixarmos seduzir por falsas miragens de
felicidade (os bens materiais, a ilusão do poder, os aplausos e a consideração
dos outros homens) e a não gastarmos a vida a beber em fontes que não matam a
nossa sede de vida plena e verdadeira. Como é que eu me situo face a isto? De
que é que eu sinto “fome”? Como é que eu procuro saciá-la? Eu também sou dos
que gastam o tempo, as forças e as oportunidades a correr atrás de ilusões, de
valores efémeros, de miragens? Quais são as verdadeiras fontes de vida em que
eu devo apostar de forma incondicional?
• Para acolher os dons que Deus oferece, é preciso desinstalar-se,
abandonar os esquemas de comodismo e de preguiça que impedem que no coração
haja lugar para a novidade de Deus e para os desafios que ele lança. Estou
disponível para deixar cair os meus preconceitos, seguranças, esquemas
organizados, egoísmos, e para me deixar questionar por Deus e pelas suas
propostas?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144
(145)
Refrão: Abris, Senhor, as vossas mãos e saciais a nossa fome.
O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
O Senhor é bom para com todos
e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.
Todos têm os olhos postos em Vós
e a seu tempo lhes dais o alimento.
Abris as vossas mãos
e todos saciais generosamente.
O Senhor é justo em todos os seus caminhos
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor está perto de quantos O invocam,
de quantos O invocam em verdade.
LEITURA II – Rom 8,35.37-39
O texto que nos é hoje proposto como segunda leitura conclui a
reflexão de Paulo sobre a questão da salvação.
Há já alguns domingos que temos vindo a acompanhar o desenvolvimento
das ideias de Paulo sobre esta questão: toda a humanidade vive mergulhada numa
realidade de pecado (cf. Rom 1,18-3,20); mas a bondade de Deus oferece a todos
os homens, de forma gratuita e incondicional, a salvação (cf. 3,21-4,25). Essa
salvação chega ao homem através de Jesus Cristo (cf. Rom 5,1-7,25). O Espírito
Santo é que dá ao homem a força para acolher esse dom (cf. Rom 8,1-39), para
renunciar à vida do egoísmo e do pecado (a vida “segundo a carne”) e para
ascender a uma nova situação – a situação de “filho de Deus” (vida “segundo o
Espírito”).
Acolher a salvação que Deus oferece, identificar-se com Jesus e
percorrer com Ele o caminho do amor a Deus e da entrega aos irmãos (vida
“segundo o Espírito”) não é, no entanto, um caminho fácil, de triunfos e de
êxitos humanos; mas é um caminho que é preciso percorrer, tantas vezes na dor,
no sofrimento e na renúncia, enfrentando as forças da morte, da opressão, do
egoísmo e da injustiça.
Apesar das barreiras que é necessário vencer, das nuvens ameaçadoras e
dos mil desafios que, dia a dia, se põem ao crente que segue o caminho de
Jesus, o cristão pode e deve confiar no êxito final. Porquê?
É a esta questão que Paulo procura responder nestes versículos que nos
são hoje propostos.
“Se Deus é por nós, quem será contra nós”? – pergunta Paulo no início
da perícope (Rom 8,31). A verdade é que nada pode derrotar aquele que é objeto
do amor imenso e imortal de Deus – amor manifestado nesse movimento que levou
Cristo até à entrega total da vida para nos colocar na rota da salvação e da
vida plena.
O crente tem de estar certo de que Deus o ama e que lhe reserva a vida
em plenitude, a felicidade total, a comunhão plena com Ele. Dessa forma, pode
escolher, com tranquilidade e serenidade o caminho de Jesus – caminho de dom,
de entrega da vida, de amor até às últimas consequências… Pode, como Jesus,
lutar objetivamente contra o egoísmo, a injustiça, a opressão, o pecado; pode
gastar a vida nessa luta, sem temer o aniquilamento ou o fracasso; pode
enfrentar a perseguição, a angústia, os perigos, as armadilhas montadas pelos
homens, com a certeza de que nada o pode vencer ou destruir… E, no final do
caminho, espera-o essa vida plena de felicidade sem fim, que Deus oferece
àqueles que aceitam a sua proposta de amor e caminham nela.
Nos dois últimos versículos do texto que nos é proposto (vers. 38-39),
Paulo enumera uma série de forças que, na época, se julgavam mais ou menos
hostis ao homem. Não devemos, contudo, tomar essas expressões como uma descrição
detalhada daquilo que, para Paulo, era o mundo sobrenatural. Devemos ver nessa
lista, apenas uma forma retórica de sugerir que nada – nem sequer esses poderes
que os antigos acreditavam que hostilizavam o homem – será capaz de separar o
cristão do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão da leitura pode fazer-se a partir das seguintes linhas:
• Para Paulo, há uma constatação incrível, que não cessa de o espantar
(e que temos repetidamente encontrado nos textos da Carta aos Romanos lidos nos
últimos domingos): Deus ama-nos com um amor profundo, total, radical, que nada
nem ninguém consegue apagar ou eliminar. Esse amor veio ao nosso encontro em
Jesus Cristo, atingiu a nossa existência e transformou-a, capacitando-nos para caminharmos
ao encontro da vida eterna. Ora, antes de mais, é esta descoberta que Paulo nos
convida a fazer… Nos momentos de crise, de desilusão, de perseguição, de
orfandade, quando parece que o mundo está todo contra nós e que não entende a
nossa luta e o nosso compromisso, a Palavra de Deus grita: “não tenhais medo;
Deus ama-vos”.
• Descobrir esse amor dá-nos a coragem necessária para enfrentar a
vida com serenidade, com tranquilidade e com o coração cheio de paz. O crente é
aquele homem ou mulher que não tem medo de nada porque está consciente de que
Deus o ama e que lhe oferece, aconteça o que acontecer, a vida em plenitude.
Pode, portanto, entregar a sua vida como dom, correr riscos na luta pela paz e
pela justiça, enfrentar os poderes da opressão e da morte, porque confia no
Deus que o ama e que o salva.
ALELUIA – Mt 4,4b
Aleluia. Aleluia.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
EVANGELHO – Mt 14,13-21
No capítulo 13 do Evangelho segundo Mateus, começa uma longa secção
que poderíamos intitular “instrução sobre o Reino” (cf. Mt 13,1-17,27).
Na primeira parte desta secção (cf. Mt 13,1-52), Jesus apresentou em
parábolas a realidade do Reino (como vimos, aliás, nos domingos anteriores).
Como é que os interlocutores de Jesus reagiram, frente a essa apresentação
viva, popular, interpeladora, questionante? Aderiram à proposta de Jesus?
A resposta a esta questão vai ser dada na segunda secção da “instrução
sobre o Reino” (cf. Mt 13,53-17,27). De uma forma geral, a comunidade judaica
responde negativamente ao desafio apresentado por Jesus. Quer os nazarenos (cf.
Mt 13,53-58), quer Herodes (cf. Mt 14,1-12), quer os escribas, quer os
fariseus, quer os saduceus (cf. Mt 15,1-9; 16,1-4. 5-12) recusam embarcar na
aventura do Reino. Diante dessa recusa, Jesus volta-Se, cada vez mais
decisivamente, para o pequeno grupo dos seus seguidores – os discípulos. Esse
pequeno grupo vai-se definindo cada vez mais como a comunidade do Messias, que
acolhe as propostas de Jesus e aceita o Reino. As multidões continuam a seguir
Jesus; mas, cada vez mais, é aos discípulos que Jesus Se dirige e a quem
destina a sua “instrução”.
O texto que nos é proposto neste domingo situa-nos no âmbito de uma
refeição. O “banquete” é, para os semitas, o momento do encontro, da
fraternidade, em que os convivas estabelecem entre si laços de familiaridade e
de comunhão. É, portanto, símbolo desse mundo novo que há-de vir e no qual
todos os homens se sentarão à mesa de Deus para celebrar a fraternidade, a
igualdade e a felicidade sem fim. Torna-se, pois, um símbolo privilegiado desse
Reino para o qual Jesus veio convidar os homens.
Na introdução ao episódio de hoje, Mateus anota que Jesus se retirou
para o deserto, seguido por uma “grande multidão”; e que, impressionado pela
fome de vida de toda essa gente, Se encheu “de compaixão e curou os seus
doentes” (vers. 13-14).
Provavelmente, Mateus quer sugerir, com esta referência, que Jesus é
um novo Moisés, cuja missão é libertar o seu Povo da escravidão, a fim de
conduzi-lo à terra da liberdade e da vida plena. Como é que vai fazê-lo? Conduzindo-o
ao deserto…
O deserto é, para Israel, o tempo e o espaço do encontro com Deus; aí,
Israel aprendeu a despir-se das suas seguranças humanas, das suas certezas, da
sua autossuficiência, para descobrir que cada passo em direção à liberdade,
cada pedaço de pão caído do céu, cada gota de água que brota de um rochedo, é
um “milagre” que é preciso agradecer ao amor de Deus. Tudo é um dom de Deus,
que o Povo deve acolher com o coração agradecido. O deserto é ainda o lugar e o
tempo da partilha, da igualdade, em que cada membro do Povo conta com a
solidariedade do resto da comunidade, onde não há egoísmo, injustiça,
prepotência, açambarcamento dos bens que pertencem a todos, e em que todos dão
as mãos para superar as dificuldades da caminhada (no deserto, quem é egoísta, autossuficiente
e não aceita contar com os outros, está condenado à morte).
É esta experiência que Jesus vai convidar os discípulos a fazer. Vai
ensinar-lhes – com uma lição concreta – que tudo é um dom que deve ser
agradecido ao amor de Deus; e vai ensinar-lhes também que os dons de Deus são
para ser partilhados, colocados ao serviço dos irmãos. É deste processo
libertador – que conduz do egoísmo ao amor – que vai nascer a comunidade do
Reino.
A história da multiplicação dos pães apresenta todas as
características de uma lição, destinada a demonstrar como é que deve viver quem
quer aderir ao Reino.
O primeiro momento desse processo pedagógico destinado a formar os
membros do Reino tem a ver com a constatação da fome do mundo e com a
responsabilização da comunidade do Reino nesse problema… Quando os discípulos
Lhe pedem que mande a multidão embora, para que ela encontre comida (lavando as
mãos face à situação de necessidade em que a multidão está), Jesus pede-lhes:
“dai-lhes vós de comer” (vers. 16). Ensina-lhes, dessa forma, que têm uma
responsabilidade inalienável face a esse desafio que o mundo dos pobres todos
os dias grita… Depois disto, nunca um discípulo de Jesus poderá dizer que não
tem nada a ver com a fome, com a miséria, com as necessidades dos mais
desfavorecidos. Qualquer irmão necessitado – de pão, de alegria, de apoio, de
esperança – é da responsabilidade dos discípulos de Jesus. A dinâmica do Reino passa pela solidariedade que torna todos os
cristãos responsáveis pelas necessidades dos pobres.
No segundo momento deste processo pedagógico, Jesus ensina como dar
resposta a este desafio. Começa por pedir aos discípulos que façam a listagem
dos bens disponíveis; depois, toma os “cinco pães e dois peixes”, recita a
bênção e manda repartir por todos os presentes… E todos comeram até ficarem
saciados.
A lição é clara: diante do apelo dos pobres, a comunidade do Reino tem
de aprender a partilhar. “Cinco pães e dois peixes” significam totalidade
(“sete”): é na partilha da totalidade do que se tem que se responde à carência
dos irmãos. É uma totalidade fraccionada e diversificada mas que, posta ao
serviço dos irmãos, sacia a fome do mundo. A comunidade do Reino é, portanto,
não só uma comunidade que se sente responsável pela fome dos irmãos, mas também
uma comunidade de coração aberto, disposta a repartir tudo o que tem… É uma
comunidade que venceu a escravidão do egoísmo, para fazer a experiência da
partilha que sacia e que torna todos os homens irmãos.
No terceiro momento deste processo pedagógico, Jesus dá a razão para a
partilha. “Tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e
recitou a bênção” (vers. 19). A “bênção” é uma fórmula de ação de graças, na
qual se agradece a Deus pelos seus dons. Isso significa, em concreto, reconhecer
que algo que se possui é um dom recebido de Deus… Para quem? Para um único
homem ou para uma única família? Mas Deus não é o Pai de todos, que se preocupa
com todos e que a todos ama da mesma forma? Portanto, “pronunciar a bênção” é
reconhecer que determinado dom veio de Deus e que pertence a todos os filhos de
Deus. Aquele que recebeu esse dom não é o seu dono; mas é apenas um
administrador a quem Deus confiou determinado dom, para que o pusesse ao
serviço dos irmãos com a mesma gratuidade com que o recebeu. À comunidade do
Reino é proposto que aprenda a considerar os bens postos à sua disposição como
dons de Deus Pai, colocando-os livremente ao serviço de todos.
Jesus é aqui apresentado como o novo Moisés, cuja missão é realizar a
libertação do seu Povo e oferecer-lhe a vida em abundância. Como é que Ele o
faz? Criando a comunidade do Reino – isto é, uma comunidade de homens novos,
que reconhecem que tudo o que têm é um dom de Deus, destinado a ser partilhado
com os outros irmãos.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta os seguintes aspectos:
• Antes de mais, o texto convida-nos a refletir sobre a preocupação de
Deus em oferecer a todos os homens a vida em abundância. Ele convida todos os
homens para o “banquete” do Reino… Aos desclassificados e proscritos que vivem
à margem da vida e da história, aos que têm fome de amor e de justiça, aos que
vivem atolados no desespero, aos que têm permanentemente os olhos toldados por
lágrimas de tristeza, aos que o mundo condena e marginaliza, aos que não têm pão
na mesa nem paz no coração, Deus diz: “quero oferecer-te essa plenitude de vida
que os homens teus irmãos te negam. Tu também estás convidado para a mesa do
Reino”.
• A nossa responsabilidade de seguidores de Jesus compromete-nos com a
“fome” do mundo. Nenhum cristão pode dizer que não tem culpa pelo facto de 80
por cento da humanidade ser obrigada a viver com 20 por cento dos recursos
disponíveis… Nenhum cristão pode “lavar as mãos” quando se gastam em armas e
extravagâncias recursos que deviam estar ao serviço da saúde, da educação, da
habitação, da construção de redes de saneamento básico… Nenhum cristão pode
dormir tranquilo quando tantos homens e mulheres, depois de uma vida de
trabalho, recebem pensões miseráveis que mal dão para pagar os medicamentos,
enquanto se gastam quantias exorbitantes em obras de fachada que só servem para
satisfazer o ego dos donos do mundo… Nós temos responsabilidades na forma como
o mundo se constrói… Que podemos fazer para que o nosso mundo seja alicerçado
sobre outros valores?
• É preciso criarmos a consciência de que os bens criados por Deus
pertencem a todos os homens e não a um grupo restrito de privilegiados. O
Vaticano II afirma: “Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso
de todos os povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às
mãos de todos (…). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as
legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis
circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por
esta razão, quem usa desses bens temporais, não deve considerar as coisas
exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns,
no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também os outros. De
resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas
famílias” (Gaudium et Spes, 69). Como me situo face aos bens? Vejo os bens que
Deus me concedeu como “meus, muito meus e só meus”, ou como dons que Deus
depositou nas minhas mãos para eu administrar e partilhar, mas que pertencem a
todos os homens?
• O problema da fome no mundo não se resolve recorrendo a programas de
assistência social, de “rendimento mínimo garantido” ou de outros esquemas de
“caridadezinha”; mas resolve-se recorrendo a uma verdadeira revolução das
mentalidades, que leve os homens a interiorizar a lógica de partilha. Os bens
que Deus colocou à disposição dos seus filhos não podem ser açambarcados por
alguns; pertencem a todos os homens e devem ser postos ao serviço de todos. É
preciso quebrar a lógica do capitalismo, a lógica egoísta do lucro (mesmo
quando ela reparte alguns trocos pelos miseráveis para aliviar a consciência
dos exploradores), e substitui-la pela lógica do dom, da partilha, do amor. Sem
isto, nenhuma mudança social criará, de verdade, um mundo mais justo e mais
fraterno.
• A narração que hoje nos é proposta tem um inegável contexto
eucarístico (as palavras “ergueu os olhos ao céu e recitou a bênção, partiu os
pães e deu-os aos discípulos” levam-nos à fórmula que usamos sempre que
celebrámos a Eucaristia). Na verdade, sentar-se à mesa com Jesus e receber o
pão que Ele oferece (Eucaristia) é comprometer-se com a dinâmica do Reino e é
assumir a lógica da partilha, do amor, do serviço. Celebrar a Eucaristia
obriga-nos a lutar contra as desigualdades, os sistemas de exploração, os
esquemas de açambarcamento dos bens, os esbanjamentos, a procura de bens
supérfluos… Quando celebramos a Eucaristia e nos comprometemos com uma lógica
de partilha e de dom, estamos a tornar Jesus presente no mundo e a fazer com
que o Reino seja uma realidade viva na história dos homens.
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