05º Domingo da Páscoa - Ano A
A Igreja é comunidade de
Homens Novos
A liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre a Igreja – a
comunidade que nasce de Jesus e cujos membros continuam o “caminho” de Jesus,
dando testemunho do projeto de Deus no mundo, na entrega a Deus e no amor aos
homens.
O Evangelho define a Igreja: é a comunidade dos discípulos que
seguem o “caminho” de Jesus – “caminho” de obediência ao Pai e de dom da vida
aos irmãos. Os que acolhem esta proposta e aceitam viver nesta dinâmica
tornam-se Homens Novos, que possuem a vida em plenitude e que integram a
família de Deus – a família do Pai, do Filho e do Espírito.
A primeira leitura apresenta-nos alguns traços que caracterizam a
“família de Deus” (Igreja): é uma comunidade santa, embora formada por homens
pecadores; é uma comunidade estruturada hierarquicamente, mas onde o serviço da
autoridade é exercido no diálogo com os irmãos; é uma comunidade de servidores,
que recebem dons de Deus e que põem esses dons ao serviço dos irmãos; e é uma
comunidade animada pelo Espírito, que vive do Espírito e que recebe do Espírito
a força de ser testemunha de Jesus na história.
A segunda leitura também se refere à Igreja: chama-lhe “templo
espiritual”, do qual Cristo é a “pedra angular” e os cristãos “pedras vivas”.
Essa Igreja é formada por um “povo sacerdotal”, cuja missão é oferecer a Deus o
verdadeiro culto: uma vida vivida na obediência aos planos do Pai e no amor
incondicional aos irmãos.
LEITURA I – Atos 6,1-7
A primeira leitura deste domingo
pertence, ainda, à secção que apresenta o testemunho da Igreja de Jerusalém. No
entanto, vão aparecer-nos pela primeira vez esses “helenistas” que irão ter um
papel fundamental na ulterior expansão do cristianismo.
O nosso texto dá conta de um
clima de alguma tensão entre os “hebreus” e os “helenistas”. Quem são estes
grupos?
Trata-se, sempre, de membros da
comunidade cristã de Jerusalém. Os “hebreus” são cristãos de origem judaica,
originários da Palestina, que falam o aramaico, que leem a Escritura em
hebraico e que teriam sido convertidos pela pregação de Jesus e dos apóstolos.
Continuam, no entanto, muito apegados às suas tradições e têm, normalmente, um
alto apreço pela Lei e pelas interpretações dos rabis.
Os “helenistas” são cristãos de
origem judaica, também, mas originários da “diáspora” israelita – isto é, das
comunidades judaicas espalhadas por todo o império romano e, até, por fora
dele. Falam o grego e lêem as Escrituras em grego. Residem em Jerusalém
temporariamente. O seu contacto com outras realidades culturais torna-os,
ordinariamente, mais tolerantes e abertos à novidade.
Com dois grupos tão diversos –
quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista religioso, quer do
ponto de vista social – a integrar a mesma comunidade, era natural que, mais
tarde ou mais cedo, surgissem tensões e conflitos. Aparentemente, aquilo que
provoca a questão evocada no nosso texto é um problema de ordem material: na
distribuição dos alimentos aos membros necessitados da comunidade, as viúvas
helenistas sentiam-se prejudicadas. O facto provocou queixas, levando à
intervenção dos líderes da comunidade. De qualquer forma, Lucas não entra em
demasiados pormenores sobre a questão.
Na realidade, Lucas não está
interessado em fornecer-nos pormenores de ordem histórica, mas antes em
fornecer-nos um quadro teológico que nos permita conhecer o rosto da Igreja e
entender a forma como ela se apresenta ao mundo. Nesta perspectiva, há quatro
ideias fundamentais que o nosso texto nos propõe.
A primeira resulta do próprio
facto relatado… A Igreja aparece, nesta história, não como um quadro ideal de
perfeição, mas como uma comunidade bem real e bem normal, formada por homens e
mulheres, onde as tensões, os preconceitos, as rivalidades, as invejas e os
ciúmes marcam a experiência diária de caminhada. Isto não deve assustar-nos ou
decepcionar-nos: resulta das limitações e finitude que também fazem parte da
nossa existência histórica. A Igreja não é uma comunidade de homens e mulheres
perfeitos; mas é uma comunidade que está – ou tem de estar – em contínuo
processo de conversão, ao longo de cada passo da sua caminhada na história.
A segunda diz respeito à
estrutura hierárquica e ao modo de exercer (na Igreja) o serviço da autoridade.
Não há dúvida que Lucas conhecia, já, uma estrutura hierárquica em que os Doze
desempenhavam o serviço da orientação e da direção da comunidade. Por isso,
eles aparecem na nossa história como as referências fundamentais, a quem os
membros da comunidade recorrem, a fim de resolver a questão das diferenças
entre os vários grupos. De qualquer forma, fica a impressão, pelo desenrolar da
ação, que os Doze não estão interessados em esquemas de poder absoluto; antes,
procuram envolver a comunidade no processo, fazendo com que todos participem na
procura de soluções para os problemas comuns.
A terceira revela a Igreja como
uma comunidade de serviço. Fala-se na escolha de sete homens “cheios do
Espírito Santo”, cuja missão é o serviço das mesas. Na verdade, estes “sete”
aparecem, noutros episódios, mais ligados ao serviço da Palavra do que ao
serviço das mesas (é possível que estes “sete” – todos com nomes gregos – sejam
os dirigentes da comunidade cristã judeo-helenística e que Lucas tenha fundido
duas tradições diversas: a dos pregadores e dirigentes do grupo helenista, com
a dos escolhidos para uma função propriamente diaconal, de serviço e ministério
assistencial). De qualquer forma, nada invalida esta verdade fundamental: a
comunidade cristã é uma realidade que tem no centro da sua dinâmica o serviço –
seja o serviço da Palavra, seja o serviço de assistência aos irmãos mais pobres.
É impensável uma comunidade cristã onde não esteja bem viva esta dimensão
diaconal.
A quarta tem a ver com o papel
relevante que o Espírito desempenha nas “crises” de crescimento que fazem parte
da caminhada comunitária. O Espírito aparece ligado, seja à vocação (dos que
são chamados a exercer a diaconia – cf. Act 6,3), seja à missão (o gesto de
impor as mãos pode significar, quer a escolha para um serviço comunitário, quer
a invocação do Espírito para que eles possam concretizar a missão que lhes foi
confiada). De qualquer forma, a Igreja é a comunidade do Espírito, criada,
animada e dinamizada pelo Espírito.
O nosso texto termina com um
pequeno sumário (cf. At 6,7) cujo objetivo é assinalar o avanço irresistível da
Boa Nova, por ação dos discípulos de Jesus, animados pelo Espírito.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode considerar os
seguintes pontos:
• É difícil encontrarmos, no
nosso tempo, uma realidade que suscite tantas paixões e ódios como a Igreja:
uns defendem-na intransigentemente, justificando até as falhas mais
injustificáveis, outros atacam-na cegamente, culpando-a de todos os males do
mundo. Uns e outros deviam ter presente que se trata de uma comunidade que vem
de Jesus e é animada pelo Espírito, mas formada por homens; que ela é a
testemunha no mundo do plano de salvação de Deus, mas é também (dada a sua
faceta humana) uma realidade “a fazer-se”, em contínuo processo de conversão.
Os homens do nosso tempo devem exigir que a Igreja seja fiel à sua missão no
mundo; mas devem também compreender as suas falhas, dificuldades e
infidelidades.
• A comunidade cristã referida no
nosso texto leva-nos a uma época muito recuada, em que as estruturas não
estavam ainda definidas e organizadas; mas, no quadro que Lucas nos propõe, há
já irmãos investidos do serviço da autoridade (os Doze), que são ponto de
referência quando surgem questões e problemas. Os Doze, no entanto, não
reservam para si toda a autoridade, nem aceitam ser os únicos protagonistas no
processo de condução da comunidade… De acordo com o quadro que nos é
apresentado, eles convocam a comunidade, convidam-na a escolher as pessoas a
quem devem ser confiados certos serviços, envolvem-na na busca do caminho.
Infelizmente, ao longo dos séculos esquecemos, muitas vezes, esta dinâmica: a
Igreja foi muitas vezes apresentada como uma sociedade de desiguais, onde uns
mandam e outros obedecem em silêncio. É preciso redescobrir o valor do diálogo
e da participação, na Igreja. Não se trata de discutir se a Igreja deve ou não
ser uma sociedade democrática; trata-se de termos consciência de que somos uma
família onde todos temos voz, porque em todos habita o mesmo Espírito; trata-se
de potenciar mecanismos de escuta, de diálogo e de participação, a fim de que a
Igreja seja uma família, onde todos participam na descoberta dos caminhos do
Espírito.
• Desde o início, a Igreja
aparece como uma comunidade de serviço: os membros da comunidade cristã são
convidados a seguir Jesus, que fez da sua vida uma entrega total ao serviço de
Deus, ao serviço do Reino e ao serviço dos homens. Quando Deus concede
determinados dons e confia determinadas missões, não se trata de privilégios
que conferem à pessoa mais dignidade ou mais importância: trata-se de dons que
devem ser postos ao serviço da comunidade, em ordem à construção da comunidade.
As missões que nos são confiadas no âmbito comunitário não podem ser utilizados
para promoção pessoal ou para concretizar sonhos egoístas; mas devem ser
missões que desempenhamos com verdadeiro espírito de serviço, em benefício dos
irmãos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32
(33)
Refrão 1: Esperamos, Senhor, na
vossa misericórdia.
Refrão 2: Venha sobre nós a vossa
bondade, porque em Vós esperamos, Senhor.
Justos, aclamai o Senhor, os
corações retos devem louvá 1’O.
Louvai o Senhor com a cítara, cantai
Lhe salmos ao som da harpa.
A palavra do Senhor é reta, da
fidelidade nascem as suas obras.
Ele ama a justiça e a retidão: a
terra está cheia da bondade do Senhor.
Os olhos do Senhor estão voltados
para os que O temem, para os que esperam na sua bondade,
para libertar da morte as suas
almas e os alimentar no tempo da fome.
LEITURA II – 1 Pedro 2,4-9
Há já algumas semanas que a
Primeira Carta de Pedro acompanha a nossa caminhada litúrgica. Já sabemos,
portanto, que ela se destina a comunidades cristãs de certas zonas rurais da
Ásia Menor; essas comunidades são maioritariamente formadas por cristãos de
classes sociais baixas, vulneráveis à hostilidade do mundo que os rodeia, para
quem se aproximam tempos muito difíceis (por causa das perseguições que se
adivinham). Estamos no final do século I (talvez no final da década de 80).
O autor recorda aos destinatários
da carta o exemplo de Cristo, que passou pela cruz, antes de chegar à
ressurreição. Toda a carta é um convite à esperança: apesar dos sofrimentos do
tempo presente, os crentes não devem desanimar, pois estão destinados a
triunfar com Cristo. Pede-se-lhes que enfrentem corajosamente as adversidades e
que viam com fidelidade o seu compromisso baptismal.
O texto que nos é proposto faz
parte de uma secção parenético-doutrinal (cf. 1 Pe 2,1-10), que tem como
finalidade exortar os cristãos a crescer na fé, de forma a chegarem à salvação.
A imagem determinante deste texto
é a da “pedra” (vers. 4.5.6.7.8), que é usada, sobretudo, referida a Cristo.
A imagem leva-nos a Is 28,16,
onde se refere ao novo Templo que o próprio Jahwéh, no futuro, vai construir e
que será um sinal da intervenção de Deus em favor do seu Povo. Isaías anuncia
que Deus vai colocar em Sião uma pedra, provada, angular, de alicerce, que terá
uma inscrição: “quem nela se apoia, não vacila”. A imagem (retomada pelo Sal
118,22) adquire, no judaísmo tardio, uma conotação messiânica: o “Messias” será
essa pedra, sobre a qual Deus vai construir a sua intervenção salvadora na
história, em favor do seu Povo.
O autor da Primeira Carta de
Pedro aplica esta imagem a Cristo. Cristo é essa pedra escolhida, preciosa,
viva (alusão à ressurreição, significa, também, que é dela que brota vida para
o Povo de Deus), sobre a qual Deus fundamenta a sua intervenção salvadora em
favor dos homens.
Os cristãos são convidados a
aproximar-se de Cristo (isto é, a aderir à sua proposta, a segui-l’O no caminho
do dom da vida, a cimentarem a sua comunhão com Ele) e a entrar na construção
do edifício de Cristo – um edifício espiritual, cujo fim é “oferecer
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” (vers. 5). No antigo Templo de
Jerusalém – construído com pedras materiais – ofereciam-se sacrifícios de
animais para expressar a comunhão do Povo com Jahwéh; mas, no novo Templo (que
tem Cristo como pedra angular e os cristãos como pedras vivas, ligadas a
Cristo), oferecer-se-ão sacrifícios espirituais: uma vida santa, vivida na
entrega a Deus e no dom aos irmãos. Os membros desta “construção” serão um povo
de sacerdotes, que diariamente oferecerão a Deus aquilo que têm de mais
precioso: a sua vida e o seu amor.
Esta “construção” será rejeitada
pelos homens (alude-se, aqui, à paixão e morte de Jesus; alude-se, também, às
dificuldades que os crentes em geral e os destinatários da carta em particular
encontram na vivência e no testemunho da sua fé); mas, para Deus, esta
comunidade/Templo será uma “geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo
adquirido por Deus para anunciar os louvores” (vers. 9). A citação leva-nos a
Ex 19,5-6, onde se refere à comunidade da “aliança”: o seu uso neste contexto
significa que, agora, apesar da rejeição do mundo, os cristãos são a comunidade
da “nova aliança”, o povo que Deus libertou, que Deus conduziu da escravidão
para a liberdade e a quem Deus encarregou de testemunhar diante do mundo o seu
projecto de salvação.
ATUALIZAÇÃO
Considerar as seguintes questões:
• Depois de dois mil anos de
cristianismo, parece que nem sempre se nota a presença efetiva de Cristo nesses
caminhos em que se constrói a história do mundo e dos homens. O verniz cristão
de que revestimos a nossa civilização ocidental não tem impedido a corrida aos
armamentos, os genocídios, os atos bárbaros de terrorismo, as guerras
religiosas, o capitalismo selvagem… Os critérios que presidem à construção do
mundo estão, demasiadas vezes, longe dos valores do Evangelho. Porque é que
isto acontece? Podemos dizer que Cristo é, para os cristãos, a referência
fundamental? Nós cristãos fizemos d’Ele, efetivamente, a “pedra angular” sobre
a qual construímos a nossa vida e a história do nosso tempo?
• Os cristãos são “pedras vivas”
de um “templo espiritual” do qual Cristo é a “pedra angular”. A imagem traduz a
realidade de uma comunidade que se junta à volta de Cristo, que vive em união
com Ele, que comunga do seu destino, que assume totalmente o seu projeto. A
esta comunidade chama-se Igreja… Sinto-me pedra integrante deste “edifício”?
Procuro, todos os dias, limar as arestas que me impedem de aderir – de forma
mais plena – a Cristo? Procuro, todos os dias, revitalizar o “cimento” que me
une às outras pedras do edifício – os meus irmãos?
• As “pedras vivas” do Templo do
Senhor formam um Povo de sacerdotes, cuja missão é viver uma vida coerente com
os compromissos assumidos no dia do Baptismo – isto é, viver (como Cristo) na
entrega a Deus e no amor aos irmãos. Quais são os “sacrifícios” que eu procuro
entregar a Deus, todos os dias? A minha “oferta” a Deus é um conjunto de ritos
desligados da vida (por mais sagrados que sejam) ou é a vivência do amor, nos
gestos simples do dia a dia?
• Neste texto há ainda um convite
a não ter medo da incompreensão do mundo. O próprio Cristo foi rejeitado pelos
homens; mas a sua fidelidade aos projetos do Pai fizeram d’Ele a “pedra
angular” da construção de Deus. É esse exemplo que devemos ter diante dos
olhos, quando doer mais a incompreensão do mundo.
ALELUIA – Jo 14,6
Aleluia. Aleluia. Eu sou o
caminho, a verdade e a vida, diz o Senhor; ninguém vai ao Pai senão por mim.
EVANGELHO – Jo 14,1-12
Estamos na fase final da
caminhada histórica do “Messias”. Até este momento, Jesus cumpriu a sua missão
em confronto aberto com os dirigentes judeus. Precisamente o último e mais
importante dos seus “sinais” – a ressurreição de Lázaro – levou o Sinédrio a
decidir matá-l’O (cf. Jo 11,45-54). Jesus está consciente de que a morte está
no seu horizonte próximo.
O ambiente em que este trecho nos
coloca é o de uma ceia de despedida. Nessa ceia (realizada na quinta-feira à
noite, pouco tempo antes da prisão, na véspera da morte), estão Jesus e os
discípulos. No decurso da ceia, Jesus despede-Se dos discípulos e faz-lhes as
suas últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento” final: Ele
sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo.
Os discípulos, da sua parte, já
perceberam que o ambiente é de despedida e que, daí a poucas horas, o seu
“mestre” lhes vai ser tirado. Estão inquietos e preocupados. A aventura que
eles começaram com Jesus, na Galileia, terá chegado ao fim? Essa relação que
eles construíram com o “mestre” irá morrer? Os discípulos não sabem o que vai
acontecer nem que caminho vão, a partir daí, percorrer. Sobretudo, não sabem
como é que manterão, após a partida de Jesus, a sua relação com Ele e com o
Pai.
É neste contexto que podemos
situar as palavras de Jesus que o Evangelho de hoje nos apresenta.
A catequese desenvolvida pelo
autor do Quarto Evangelho, neste diálogo de Jesus com os discípulos, é de uma
impressionante densidade teológica. Fundamentalmente, trata-se de uma catequese
sobre “o caminho”: o “caminho” que Jesus percorreu e que é o mesmo “caminho”
que os discípulos são convidados a percorrer. Vamos tentar esmiuçar o conteúdo
e pôr em relevo os pontos fundamentais.
O plano de salvação de Deus passa
por estabelecer com os homens uma relação de comunhão, de familiaridade, de
amor. Por isso, Jesus veio ao mundo: para tornar os homens “filhos de Deus”
(“aos que O receberam, aos que crêem n’Ele, deu-lhes o poder de se tornarem
filhos de Deus” – Jo 1,12).
Como é que Jesus concretizou esse
projeto? Ele “montou a sua tenda no meio dos homens” (Jo 1,14) e ofereceu aos
homens um “caminho” de vida em plenitude: mostrou aos homens, na sua própria
pessoa, como é que eles podem ser Homens Novos – isto é, homens que vivem na
obediência total aos planos do Pai e no amor aos irmãos. Viver desse jeito é
viver numa dinâmica divina, entrar na intimidade do Pai, tornar-se “filho de
Deus”.
Na ceia de despedida a que o
nosso texto se refere, Jesus sente que está a começar o último ato da missão
que o Pai lhe confiou (criar o Homem Novo). Falta oferecer aos discípulos a
última lição – a lição do amor que se dá até à morte; falta também o dom do
Espírito, que capacitará os homens para viverem como Jesus, na obediência a
Deus e na entrega aos homens. Para que esse último ato se cumpra, Jesus tem de
passar pela morte: tem de “ir para o Pai”. Ao dizer “vou preparar-vos um lugar”
(vers. 2b), Jesus sugere que tem de ir ao encontro do Pai, para que os homens
possam (pela lição do amor e pelo dom do Espírito) fazer parte da família de
Deus.
Nessa família, há lugar para
todos os homens (“na casa de meu Pai há muitas moradas” – vers. 2a): basta que
sigam “o caminho” de Jesus – isto é, que escutem as suas propostas e que
aceitem viver como Homens Novos, no amor e no dom da vida. A “casa do Pai” é a
comunidade dos seguidores de Jesus (a Igreja).
Qual é o “caminho” para chegar a
fazer parte dessa família de Deus? – perguntam os discípulos (eles foram
testemunhas da vida que Jesus levou e, portanto, conhecem de cor o “mapa” desse
“caminho”; mas continuam a recusar-se a acreditar que o dom da vida seja um
caminho obrigatório para fazer parte da família de Deus – vers. 4-5).
A resposta é simples… O “caminho”
é Jesus (vers. 6): é a sua vida, os seus gestos de amor e de bondade, a sua
morte (dom da vida por amor) que mostram aos homens o itinerário que eles devem
percorrer. Ao aceitarem percorrer esse “caminho” de identificação com Jesus, os
homens estão a ir ao encontro da verdade e da vida em plenitude. Quem aceita
percorrer esse “caminho” de amor, de entrega, de dom da vida, chega até ao Pai
e torna-se – como Jesus – “filho de Deus”.
Mais: ao identificarem-se com
Jesus, os discípulos estabelecem uma relação íntima e familiar com o Pai,
porque o Pai e Jesus são um só (vers. 7-12). O Pai está presente em Jesus. Quem
adere a Jesus e estabelece com Ele laços de amor, já faz parte da família do
Pai, porque Jesus é o Deus que veio ao encontro dos homens: as obras de Jesus
são as obras do Pai; o seu amor é o amor do Pai; a vida que Ele oferece é a
vida que o Pai dá aos homens.
Em conclusão: os discípulos de
Jesus têm de percorrer um “caminho”, até chegarem a ser família de Deus. Esse
“caminho” foi traçado por Jesus, na obediência a Deus e no amor aos homens. É
no final desse “caminho” que os discípulos – tornados Homens Novos –
encontrarão o Pai e serão integrados na família de Deus.
No entanto, Jesus não é somente o
modelo do “caminho”; ao mesmo tempo, Ele oferece como dom a força, a energia (o
Espírito) para que o homem possa percorrer “o caminho”. É o Espírito do Senhor
ressuscitado que renova e transforma o homem, no sentido de o levar, cada dia,
a tornar-se Homem Novo, que vive na obediência a Deus e no amor aos irmãos.
Desta dinâmica, nasce a comunidade de Homens Novos, a família de Deus, a
Igreja.
ATUALIZAÇÃO
Para a reflexão, considerar os
seguintes dados:
• A Igreja é essa comunidade de
Homens Novos, que se identifica com Jesus que, animada pelo Espírito, segue “o
caminho” de Jesus (caminho de obediência aos planos do Pai e de dom da vida aos
irmãos), que procura dar testemunho de Jesus no meio dos homens e que é a
“família de Deus”. No dia do nosso baptismo, fomos integrados nesta família… A
nossa vida tem sido coerente com os compromissos que, então, assumimos?
Sentimo-nos “família de Deus”, ou deixamos que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência
falem mais alto e escolhemos caminhar à margem desta família? É verdade que
esta família tem falhas, e é verdade que nem sempre encontramos nela humanidade
e amor. Que fazemos, então: afastamo-nos, ou esforçamo-nos para que ela viva de
forma mais coerente e verdadeira?
• Falar do “caminho” de Jesus é
falar de uma vida dada a Deus e gasta em favor dos irmãos, numa doação total e
radical, até à morte. Os discípulos são convidados a percorrer, com Jesus, esse
mesmo “caminho”. Paradoxalmente, dessa entrega (dessa morte para si mesmo)
nasce o Homem Novo, o homem na plenitude das suas possibilidades, o homem que
desenvolveu até ao extremo todas as suas potencialidades. É esse “caminho” que
eu tenho vindo a percorrer? A minha vida tem sido uma entrega a Deus e doação
aos meus irmãos? Tenho procurado despir-me do egoísmo e do orgulho que impedem
o Homem Novo de aparecer?
• A comunhão do crente com o Pai
e com Jesus não resulta de momentos mágicos nos quais, através da recitação de
certas fórmulas ou do cumprimento de certos ritos, a vida de Deus bombardeia e
inunda incondicionalmente o crente; mas a intimidade e a comunhão com Jesus e
com o Pai estabelecem-se percorrendo o caminho do amor e da entrega, em doação
total a Deus e aos irmãos. Quem quiser encontrar-se com Jesus e com o Pai, tem
de sair do egoísmo e a fazer da sua vida um dom a Deus e aos homens.
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