19º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
10 de agosto
de 2014
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“Coragem sou eu. Não tenhas medo!”
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Leituras:
Primeiro Livro
dos Reis 19, 9a.11-13a;
Salmo 84 (85), 9ab-10.11-12.13-14 (R./8);
Carta de São
Paulo aos Romanos 9, 1-5;
e Mateus 14, 22-33.
COR LITÚRGICA: VERDE
Nesta páscoa semanal vamos perceber que Jesus nunca nos abandona, nós é que às
vezes nos afastamos Dele. Quando o invocamos com fé, Ele vem ao nosso encontro,
caminha ao nosso lado, nos dá a certeza de sua companhia. Peçamos a Jesus,
neste dia dos pais, que todos aceitem o convite e caminhem sempre ao encontro
do Senhor, a fim de cumprirem com dignidade sua missão.
1. Situando-nos
brevemente
É domingo, o dia do Senhor ressuscitado, mas não só,
este também o dia da Igreja por excelência. Faz sentido que seja assim porque a
Igreja é o corpo do Cristo ressuscitado, ela é o sinal visível da presença do
Cristo entre os homens, ela é o sinal do advento do Reino; pelos seus
sacramentos o Cristo continua vivo e operante entre nós.
O Catecismo da Igreja Católica ensina que “já presente
na sua Igreja, o Reino de Cristo ainda não está consumado ‘com poder e grande
glória’ (Lc 21,17) pelo advento do Reino na terra. Esse Reino é ainda atacado
pelos poderes maus, embora estes já tenham sido vencidos em suas bases pela
Páscoa de Cristo. Enquanto tudo não for submetido, ‘enquanto houver novos céus
e a nova terra, nos quais habita a justiça, a Igreja peregrina leva consigo,
nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à idade presente, a
figura deste mundo que passa e ela mesma vive entre as criaturas que gemem e
sofrem dores de parto até o presente e aguardam a manifestação dos filhos de
Deus’. Por este motivo os cristãos oram, sobretudo na Eucaristia, para apressar
a volta de Cristo dizendo-lhe: ‘Vem, Senhor’” (CIgC, n.671).
Precisamos desta “imagem da Igreja”, nos falou a Liturgia
da Palavra deste domingo. Esta mesma mensagem a “ouviremos” e a
“reconheceremos” nos dois grandes Santos que marcarão a nossa semana: Santa
Clara de Assis, que celebraremos amanhã, 11 de agosto, e São Maximiliano Maria
Kolbe, que faremos memória do seu martírio, no dia 14 de agosto, quarta-feira
próxima.
2. Recordando a
Palavra
O texto do Evangelho de hoje sucede imediatamente o
texto do Evangelho de domingo passado, do qual faz explícita referência: “Depois
da multiplicação dos pães”.
Mateus prossegue dizendo que Jesus “ordenou que os
discípulos embarcassem para a outra margem do mar, enquanto ele mesmo se
encarregava de despedir a multidão saciada do pão da palavra e do pão do corpo.
Depois Jesus, como de costume se coloca em oração até as “altas horas” da
noite. Terminada a oração, Jesus se dirige ao encontro com os seus, caminhando
por sobre o mar, enquanto isso um forte vento de abatia sobre a barca dos
discípulos e as ondas ameaçavam engoli-la. Uma cena cômica acontece com os
discípulos que vendo Jesus, pensam se tratar de um fantasma e se põe a gritar;
então Jesus diz a célebre frase, que nos diz a nós nesta Eucaristia: “Coragem”
Sou eu. Não tenhais medo”.
Pedro se oferece para ir até Jesus caminhando sobre as
águas, mas por medo, começa a fundar. Pedro não tem medo porque começa a
afundar, mas Pedro começa porque tem medo. O medo é o maior de todos os males.
Ele é o contrário não só da confiança, mas é o contrário do amor, porque quem
ama não tem medo. Mas da goela de Pedro sai uma das mais belas orações da
Sagrada Escritura: “Senhor, salva-me”.
Pedro, como Jesus na eminência da morte, reza os salmos:
“Salva-me, ó Deus, pois a água sobe até o meu pescoço. Estou atolado no lodo
profundo, onde não posso ficar de pé; caí nas águas profundas e as ondas me
arrastam. Cansei-me de gritar, minha voz ficou rouca, meus olhos se consomem à
espera do meu Deus” (Sl 69, 2-4).
Jesus exorta Pedro, sobe na barca, os ventos se acalmam
e os discípulos todos prostrados se dirigem a Jesus dizendo: “verdadeiramente
tu é o Filho de Deus”. Essa frase dos discípulos não é somente uma profissão de
fé pascal, mas é também uma “oração sálmica”: “O Senhor para nós é refúgio e
vigor, sempre pronto, mostrou-se um socorro na angústia; assim não tememos, se
a terra estremece, se os montes desabam, caindo nos mares, se as águas trovejam
e as ondas se agitam, se, em feroz tempestade, as montanhas se abalam. Conosco
está o Senhor do universo! O nosso refúgio é o Deus de Jacó!” (Sl 45, 2-4).
Esta “oração sálmica” unida à calmaria que acontece
quando o Senhor “entra” na barca, nos remete imediatamente à experiência de
Deus feita pelo profeta Elias no monte Horeb, como nos narrou a primeira
leitura. Deus se manifesta ao profeta, não no trovão, no vento impetuoso e
forte que desestabiliza as montanhas e quebra os rochedos, nem no terremoto,
mas na suavidade da brisa.
É um Deus que surpreende sempre. O Senhor passa tão
suavemente que pode ser despercebido por quem o busca nos fatos
extraordinários, quando na verdade Ele se revela, na cotidianidade, no comum,
no simples. Ele não vem como “um fantasma”, ou como uma visão, Ele vem com
rosto humano.
É Ele na criança do presépio, é Ele no adolescente no
templo entre os doutores, é Ele o que chora a morte de Lázaro e se comove com o
choro da viúva da cidade de Nain, é Ele desfigurado na Cruz, é Ele escondido na
hóstia branca e sem gosto que receberemos como alimento daqui a pouco.
3. Atualizando a
Palavra
Irmãos e irmãs caríssimos, os fatos do Evangelho não
foram escritos para servirem somente como histórias para serem contados e
recontados, mas, acima de tudo, para serem revividos pela comunidade. Assim
todas as vezes que escutamos o Evangelho na Igreja, somos convidados a entrar
na cena do Evangelho, a nos identificarmos com os personagens, a ler a nossa
história à luz do Evangelho.
Os gestos e as palavras, as circunstâncias e os
acontecimentos devem nos comunicar o mistério e nos ensinar a vivermos a vida
cristã à imitação daquele do qual temos o nome impresso em nós pelo batismo.
Assim a primeira coisa que dos atos de Jesus neste
Evangelho aprendemos é que depois de um milagre ele sempre despede a multidão,
para nos ensinar a fugir da procura de aplausos ou de pensarmos que “o povo é
nosso”, para evitar o monopólio, para “nos ensinar a não procurar de nenhuma
maneira a glória dos homens e não se arrastar atrás das multidões” (João Crisóstomo. Homilia sobre São Mateus,
in PG 49, 3; 50, 1-2).
Naquele fim de tarde ele “empurrou” a barca para o mar;
hoje ele “empurra” a Igreja para o vasto mar do mundo e ensina a necessidade de
oração sincera, solitária, intima e pessoal. Oração que é encontro, livre da
agitação do mundo. Essa oração transfigura o homem, o faz caminhar por sobre o
mar, vencer os ventos e as tempestades. A solidão orante escreve S. João
Crisóstomo, é a mãe de toda pacificação, é um porto tranqüilo que nos coloca em
segurança de todo o tumulto (João Crisóstomo.
Homilia sobre São Mateus).
Jesus não aparece imediatamente para libertar os seus
dos tormentos para ensiná-los a crer e a suportar com coragem as tempestades da
vida. Quantas vezes a nossa vida nãos se parece com aquela barca agitada por
causa do “vento contrário”? A barca em dificuldades pode ser o matrimônio, o
trabalho, a saúde, a vocação, a escola, a amizade. O “vento contrário” que
sopra na direção oposta do nosso objetivo pode ser a hostilidade e
incompreensão das pessoas, a mudança de sorte, a dificuldade de encontrar um
emprego, uma casa, etc. Talvez no começo este “vento contrário” fosse
enfrentado com coragem, mas depois, vendo que a provação se alonga sempre mais,
se tornando sempre mais difícil, vai-se, lentamente, perdendo o ânimo, a
coragem de lutar. Daí se começa a afundar. Se afunda na vida não por medo de
estar afundando, mas se está afundando porque se deixa amedrontar. O medo faz
afundar todas as coisas. O medo faz com que façamos confusão e, muitas vezes,
faz com que transformemos nossa salvação em fantasmas. Nestas horas nos salva a
oração: “E gritaram de medo”.
Para não cairmos na tentação de buscar o Senhor no
“sensacional” (trovão raios, visões, milagres, sensacionalismo, etc. (Cf. 1ª. Leitura)
ele nos fala: “coragem! Sou eu. Não tenhais medo”. Quando, por causa da
escuridão da noite que atravessamos, ou por causa do medo que nos aterroriza,
não conseguirmos reconhecer o Senhor que está acima do mar que quer nos
engolir, a sua Palavra vem em nossa auxílio.
Revela-se a eles somente depois que começaram a gritar.
Desse modo, quanto maior foi o terror que os atingiu, muito mais se alegram ao
vê-lo. A oração unida à escuta da Palavra anos livra das tempestades. Só então
se pode dizer como Pedro: “Manda-me ir ao teu encontro”. Pedro não pede antes
de tudo para “caminhar sobre as águas”, antes de tudo ele pede para caminhar ao
encontro do Senhor.
Aí sim, quando se caminha ao encontro do Senhor, se pode
caminhar sobre as águas, caso contrário, não se encontra firmeza e estabilidade
para os pés. O grande milagre não está em caminhar por sobre as águas, o grande
milagre está em caminhar para o Senhor. Eis o grande segredo da alegria de
Pedro, que deve ser também o nosso: não temos plena alegria por “caminhar sobre
o mar que nos tenta afogar”, temos plena alegria porque “caminhamos para Aquele
que nos faz caminhar sobre o mar que tenta nos afogar”.
Mas, como acontece ordinariamente, não nos assustamos
com as coisas grandes, nos aterrorizamos com as pequenas. Assim Pedro não teve
medo de afundar-se no mar, mas fraquejou na fé “quando sentiu o vento”. Venceu
a violência do mar, apavorou-se com o sopro do vento. Assim é a natureza
humana. Apavorou-se Pedro, mesmo estando próximo de Jesus. Não serve para estarmos
fisicamente próximos do Salvador se lhe estamos distantes pela fé.
Por que o Senhor lhe estende a mão no lugar de fazer o
vento cessar? Para ensinar–nos que não é o impero do vento que faz o cristão
afundar, sucumbir, mas a pobreza da fé é o real motivo de nosso “afundar” na
vida. Jesus lhe diz: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”. Se Pedro não
tivesse fraquejado na fé teria suportado também o vento. A prova disto é que o
Senhor, mesmo depois de ter pegado Pedro pela Mao, deixou que o vento
continuasse a “esmurrar” com toda a sua força, para manifestar que esse não
poderia absolutamente fazer Pedro submergir, se a sua fé fosse mantida firme.
4. Ligando a Palavra
com ação litúrgica
Feita a experiência transformante, sai de cena Pedro e
entram em cena “todos os que estavam no barco”. A profissão de fé é
comunitária, eclesial.
Nós, como Pedro e os seus companheiros, estamos na barca
da Igreja que navega no mar deste imenso mundo, e experimentamos as levas “das
águas do mar da vida” que nos querem afogar. A Eucaristia se nos apresenta em
meio a essa grande cena da nossa existência como “a mão estendida do Senhor”
para nos soerguer e nos livrar dos nossos medos, dos nossos temores.
A Eucaristia é Jesus ressuscitado que nos estende sua
mão e diz não ser um fantasma, mas sim aquele que como fez os discípulos de
Emaús, nos revela as Escrituras e parte o Pão para nós. Aproximar-se da
Eucaristia é aceitar caminhar sobre as águas, é viver da alegria de saber que
toda a segurança está em saber para onde se caminha e não simplesmente por onde
se caminha. Estender a mãe para receber a Eucaristia é reconhecer publicamente
nele a voz que diz: “Coragem! Sou seu. Não tenhais medo”.
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