Quem quer ir para o céu?
O título faz parte
de uma estória que se conta por aí. Durante um encontro de ensino religioso, a
catequista pergunta aos pequerruchos que estão em sua frente: “Quem quer ir pr’o céu?”
Todas as crianças levantam a mão e respondem em coro: “Eu
vou!” Umas delas, porém, fica em silêncio. “Você
não quer?” indaga curiosa a mestra. E ela: “Não, porque mamãe me disse para voltar logo
para casa após a catequese!”...
Passando da
brincadeira para a realidade, se conhecêssemos verdadeiramente quem é Deus e o
que significa “paraíso”, seríamos atraídos irresistivelmente para eles,
infinitamente mais do que acontece com a lei da gravidade. Infelizmente, ao
longo da vida, são tantos e tão fortes os ouropéis que aparecem, que
lentamente, dia após dia, nos tornamos cada vez mais cegos às “coisas do céu” e
atraídos pelas “coisas da terra”.
Mas, o que é o céu? Para começo de conversa, poderíamos lembrar
que sua existência era aceita até mesmo fora do judaísmo. Famoso é o exemplo
apresentado por Platão. Para ele, o mundo se assemelha a uma caverna escura,
habitada por pessoas acorrentadas, de costas para a entrada. No lado de fora –
ou seja, envolvidas pela luz e pela beleza do sol – caminham e trabalham outras
pessoas, cheias de vida. É a sombra delas que se reflete no fundo da caverna –
sombra que, para os aprisionados, é a única realidade percebida e, portanto,
existente.
Para Platão, o
frenético corre-corre que atordoa e inferniza os habitantes deste mundo é...
uma aparência enganosa. A realidade que sustenta e dá sentido a tudo é Deus.
Com ele concorda um salmista judeu, que escrevia mais ou menos na mesma época: "Setenta anos é a duração de nossa vida. Oitenta, para os mais
robustos. A maior parte deles é sofrimento e vaidade. Passam depressa e nós
voamos. Ensina-nos, Senhor, a contar os nossos dias, para que tenhamos a
sabedoria do coração!" (Sl
90,10.12).
Na “Escola de Atenas”, uma obra estupenda
do pintor renascentista italiano Rafael Sanzio, Platão aparece com o dedo
apontado para o alto, e Aristóteles, para o chão. É a síntese perfeita da
missão do cristão. Quanto mais ele olha para o céu, mais aprende a olhar para a
terra. Quanto mais Deus estiver presente em sua vida, mais perfeito e concreto
será seu amor pelos irmãos que caminham ao seu lado. Foi provavelmente isso que
os anjos quiseram ensinar aos Apóstolos no dia da Ascensão de Jesus: "Homens da Galiléia, por que ficais aí,
parados, olhando para o céu? Esse Jesus que foi elevado ao céu, virá novamente
para vós!" (At 1,11).
E, se Jesus “virá
novamente no meio de nós”, o céu deixa de ser uma casa que se constrói na terra
e se ocupa somente após a morte. Pelo contrário, se alguém, já aqui na terra,
conseguir transformar a sua vida numa morte ininterrupta ao egoísmo, a cada
morte corresponderá uma nova experiência de paraíso, até a última, quando ele
mesmo se identificará com o céu: "Desde
agora já somos filhos de Deus, embora ainda não se tenha tornado claro o que
vamos ser. Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele,
porque o veremos como ele é" (1Jo 3,2).
Ao tentar descrever
o céu, o “Catecismo da
Igreja Católica” faz esta reflexão: "O céu é o fim
último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de
felicidade suprema e definitiva. Viver no céu é viver com Cristo. Os eleitos
vivem nele, mas lá conservam – ou melhor, lá encontram – sua verdadeira
identidade, seu próprio nome. Este mistério de comunhão bem-aventurada com Deus
e com todos os que estão em Cristo supera toda compreensão e toda imaginação. A
Escritura nos fala dele em imagens: “O que os olhos não viram, os ouvidos não
ouviram e o coração humano não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o
amam” (1Cor 2,9)».
Por tudo isso – e
por mil outras razões –, Santa Teresa de Ávila
repetia para si mesma: "Espera, ó minha alma,
espera! Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo passa com rapidez,
ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo, e longo um tempo que é
curto. Considera que, quanto mais lutares, mais provarás o amor que tens a teu
Deus e mais te alegrarás um dia com teu Bem-Amado numa felicidade e num êxtase
que não poderão jamais terminar".
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