CEIA DO SENHOR - Dia 02 de abril de 2015
“É
o amor, no espírito, que constitui a comunidade eclesial e a impulsiona ao
serviço” | Tomando parte da Ceia Eucarística, rendemos graças ao Pai pelo
imenso amor feito pela entrega de seu Filho Jesus. |
Leituras:
Êxodo 12, 1-8. 11-14;
Salmo Responsorial 115, (116B) 12-13.15-16bc.17-18 (R/ Cf.
1Cor 10,6);
Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 11, 23-26;
João 13, 1-15.
COR
LITÚRGICA: BRANCO OU
DOURADO
A
Quinta-feira Santa dá início ao tríduo pascal. É a Páscoa da Ceia. O que
celebramos é a vida de Cristo dada a cada um de nós. Cristo é o oferente,
aquele que tem algo a oferecer, mas ao mesmo tempo é oferta. Assim quem
participa da Eucaristia oferece a vida de Cristo ao Pai, ao mesmo tempo, que
oferece a sua própria vida, numa atitude de serviço e doação.
1.
Situando-nos
Quinta-Feira Santa da Ceia do
Senhor. Com esta celebração, iniciamos o Tríduo Pascal, no qual fazemos memória
do nucleio central de nossa fé: a paixão, morte e ressurreição de Jesus. No
Tríduo Pascal, celebramos a Páscoa de Jesus em três dimensões. Hoje celebramos
a Páscoa da ceia. Amanhã, celebraremos a Páscoa da paixão. Na Vigília Pascal e
no domingo de Páscoa, celebraremos a Páscoa da ressurreição.
Na Páscoa da ceia, celebramos o
mandato novo de Jesus na ceia que realizou com seus apóstolos: “Fazei isto em
memória de mim”. Naquela celebração pascal, Jesus dá uma prova concreta de amor
por seu povo, pois Ele se doa totalmente a nós. O centro do rito é uma ceia,
com a família reunida, com a comunidade reunida.
E essa doação e entrega se
concretiza no serviço que Jesus presta, simbolizado no gesto do lava-pés. Isso
nos sugere que a partilha do banquete eucarístico deve ser continuada no
serviço fraterno da caridade e na busca da inclusão social. Assim, a Igreja
inicia, hoje, o Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor. “Como da sua fonte de luz, o tempo novo da
Ressurreição enche o ano litúrgico com sua claridade”. Pois “Cristo
realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus pelo seu
mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou
a vida” (Guia Litúrgico Pastoral, p.11).
No Tríduo Pascal, fazemos memória
da Páscoa de Jesus em três momentos: hoje a Páscoa da ceia; amanhã, sexta-feira
santa, recordamos a Páscoa da paixão; na Vigília Pascal e no domingo de Páscoa,
celebramos a Páscoa da Ressurreição.
A celebração pascal compreende,
portanto, os dias do “tríduo de Cristo crucificado, sepultado e ressuscitado”
(Santo Agostinho, Ep. 54,14), iniciando-se a celebração na tarde da
Quinta-feira Santa. Assim, se a missa da Ceia do Senhor é o prelúdio, a
culminância é a vigília pascal, “a mãe de todas as santas vigílias”! (Santo
Agostinho, Sermão 219). Celebrar a Páscoa de Jesus é celebrar a vida nova que
Ele nos dá e que já está ao nosso alcance, alias, está em nossas mãos.
A celebração vespertina desta
quinta-feira recorda a “instituição da Eucaristia, verdadeiro sacrifício
vespertino”. Tomando parte da Ceia Eucarística, rendemos graças ao Pai pelo
imenso amor feito pela entrega de seu Filho Jesus, que nos libertou da
escravidão. Diferentemente de Pedro, aceitemos o serviço de Jesus de nos lavar
os pés e assim compreenderemos que “prova de amor maior não há que doar a vida
pelos irmãos”.
2.
Recordando a Palavra
A “hora de Jesus”, de passar deste
mundo para o Pai, finalmente tinha chegado. Nos caminhos da Palestina, inúmeras
vezes ele alertara o grupo dos doze que deveria ir a Jerusalém e aí sofrer até
a morte, mas que, ao terceiro dia, ressuscitaria. Durante a ceia, Jesus se
levantou, tirou o manto, tomou uma toalha e a amarrou à cintura. Derramou água
numa bacia e começou a lavar os pés de seus discípulos.
Pedro nada entendeu e recusou que
Jesus lhe lavasse os pés, como se fosse um ritual de purificação e higiene. Foi
repreendido e corrigido em sua interpretação, ao manifestar a dificuldade de
aceitar Jesus como Messias, servo e sofredor.
Depois de lavar os pés dos
discípulos, Jesus revestiu o manto, voltou a sentar-se em seu lugar e começou a
comentar o gesto realizado. Ele perguntou: “Entendeis
o que vos fiz?” A começar por Pedro, eles não tinham entendido o gesto do
Mestre. “Se eu, o Senhor e Mestre, vos
lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo,
para que façais assim como eu fiz para vós” (Evangelho).
A leitura do livro do Êxodo recorda
a promulgação da lei da Páscoa judaica. Uma festa celebrada nos ambientes da
tradição agropastoril, nos dias da primeira lua cheia da primavera, e que,
agora evocando a libertação da escravidão do Egito, se transformará num “memorial
em honra do Senhor, que haveis de celebrar por todas as gerações, como
instituição perpétua”. Jesus e os discípulos, fiéis membros do povo de Israel,
reuniram-se para comemorar a ceia pascal, memorial da libertação da escravidão
e conquista da nova terra (1ª leitura).
O Salmo 116 (115) é o canto
agradecido da pessoa que recebeu uma graça experimentada na libertação de algum
mal (uma doença). Repleta de vida canta alegre e confiante: “oferecerei o meu
sacrifício e invocarei o seu santo nome”.
Mostra de maneira clara no Salmo um
agradecimento de alguém que recebeu de Deus uma grande graça, a graça da vida,
a libertação de alguma doença (versículo 8). Por isso o salmista, com muita
confiança, faz um gesto público de louvor, “erguendo o cálice da salvação”.
Essa pessoa que partilhar com o povo a ação de Deus na sua vida.
A leitura da carta do Apóstolo
recorda a tradição paulina da instituição da Eucaristia. As comunidades cristãs
de Corinto a celebravam como memorial da Páscoa de Jesus. Paulo insiste que a
celebração eucarística, mais do que um rito, é expressão de comunhão fraterna e
da nova e eterna Aliança (2ª Leitura).
A mais antiga narrativa da Ceia do
Senhor vem do Apóstolo Paulo. Ele escreveu a uma comunidade dividida e que não
estava ligando a celebração da Ceia à repartição dos bens e a solidariedade. As
comunidades cristãs celebravam a Eucaristia como memorial da Páscoa de Jesus. O
contexto dessa narração nos mostra como Paulo insiste que não se trata apenas
de um rito, mas de uma prática profunda de comunhão fraterna.
A Ceia do Senhor é comemoração da
morte do Senhor e proclamação de Sua volta. Participar nesta Ceia pela comunhão
do Corpo e Sangue de Cristo é confessar que a nossa vida repousa sobre novos
eixos. Os eixos do pecado e da morte, que marcaram a existência anterior, foram
substituídos pelos eixos do perdão e da vida, fundamentados na morte e
ressurreição de Jesus Cristo.
Na morte, Jesus revelou que toda a
razão de ser de sua vida neste mundo era existir para os outros, colocar-se a serviço
dos outros e entregar-se em favor dos outros, isto é, lavar os pés uns dos
outros. Na ressurreição, Deus revelou que este modo de ser-homem é o modo de
existir autentico de toda pessoa humana. Crer nesta morte e ressurreição e
participar nelas pela comunhão do Corpo e Sangue de Cristo morto e
ressuscitado, é reconhecer e abraçar uma mudança radical de existir neste
mundo.
A razão de nossa existência será de
agora em diante lavar os pés uns dos outros, isto é, dar a vida pelos outros
para assim recebê-la de volta de Deus. Comungar o Corpo e Sangue de Cristo sem
esta mudança é recebê-los indignamente e “comer e beber a sua própria
condenação” (versículo 29).
3.
Atualizando a Palavra
Nesta celebração vespertina, a
Igreja faz memória da instituição do sacerdócio ministerial e da Eucaristia,
memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Mediante esta ação
litúrgica, inicia-se a comemoração dos grandes mistérios da salvação.
“Ao instituir o sacramento da
Eucaristia, Jesus antecipa e implica o sacrifício da cruz e a vitória da
ressurreição. A instituição da Eucaristia mostra como aquela morte, em si mesma
violenta e absurda, se tenha tornado, em Jesus, ato supremo de amor e
libertação definitiva da humanidade do mal“ (Bento
XVI. Sacramentum Caritatis, n.10).
Para a comunidade dos discípulos de
João, é chegada a “hora de Jesus” ser glorificado pelo Pai, quando ele revelará
o verdadeiro rosto do Pai, que é amor (cf. 1Jo 4,8). Nessa “hora”, Jesus, o
novo Cordeiro de Deus, inaugura a nova Páscoa. Entregando-se a si mesmo, Jesus
passa da antiga à nova Páscoa, da antiga à nova Aliança, selada com seu próprio
sangue derramado e em seu corpo partido (Cf.
Bento XVI, Sacramentum Caritatis, n.10).
A hora de Jesus, um dia, chegará
também para a comunidade (Cf. Jo 16,2). A exemplo do Mestre, a comunidade
também chegará, através dessa hora, à alegria que vem de Deus. “... e o vosso coração se alegrará, e
ninguém poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16,21). Lavando os pés de seus
discípulos, Jesus dá um exemplo eloquente do serviço gerador de um novo estilo
de vida. Observemos que o gesto de lavar os pés não acontece antes da ceia, mas
durante a ceia.
Gesto que não se traduz, portanto,
num simples rito de purificação ou de higiene. O lava-pés é gesto profético da
realidade da cruz: a entrega de Jesus por amor até o fim e que deve se
perpetuar na Eucaristia feita vida, serviço de acolhida, solidariedade, de
compaixão e cura dos “pés feridos”.
A narrativa da ceia no Evangelho de
João é diferente da narrada nos evangelhos sinóticos. O evangelista não fala
aqui “em comer o corpo e beber o sangue de Jesus num memorial até que ele
venha” (1 Cor 11,23-26). O comer do pão e o beber do cálice são substituídos
pelo gesto do “lava-pés”. Gesto de amor e de entrega que precede e conduz à
glorificação.
“’Tendo
amado os seus, Jesus amou-os até o fim” (Jo 13,1). Mesmo
sendo de condição divina (Fl 2,6), Ele assume a atitude de empregado e de
escravo. Pedro reage ao gesto de Jesus de lhe “lavar os pés” e não entende que
a autêntica purificação acontece na entrega e no serviço humilde. É a prática
do mandamento do amor feito serviço humilde que purifica os seguidores de Jesus
Cristo e nos torna dignos do Reino de Deus.
Quem for capaz de amar como Jesus
amou, receberá o Espírito que é serviço gratuito aos irmãos. Mesmo aos que não
aderem à Boa Nova do Reino, como Judas, Jesus leva-lhes os pés. É o amor
oblativo que vence a traição. O gesto do Mestre de levar os pés dos seus e o
mandamento novo do amor fraterno, impulsionam as comunidades nos diferentes
serviços pastorais que proporcionam ao povo vida e vida em abundância.
“Na
Eucaristia nosso Deus manifestou a forma extrema do amor, derrubando todos os
critérios de domínio que regem muito frequentemente as relações humanas e
afirmando de modo radical o critério do serviço: ‘Se alguém quer ser o
primeiro, seja o último de todos e o servo de todos’ (Mc 9,35). Não é por
acaso, que no Evangelho de João não encontramos a narrativa da instituição
eucarística, mas o ‘lava-pés’ (cf. Jo 13,1-20): inclinando-se para lavar os pés
de seus discípulos, Jesus explica, de modo inequívoco, o sentido a eucaristia.
São Paulo, por seu lado, insiste com vigor que não é lícita uma celebração
eucarística na qual não refulja a caridade, testemunhada pela partilha concreta
com os mais pobres (cf. 1 Cor 11,17-22.27-34)” (João
Paulo II, Mane Nobiscum Domine, n.28).
4. Ligando
a Palavra com ação litúrgica
Na celebração deste dia, ressoam
com particular significativo as palavras do apóstolo Paulo: “Este cálice é a
nova aliança no meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em minha
memória. Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice,
estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Cor 11,26).
A ceia eucarística é o banquete da
nova e eterna Aliança que reúne os seres humanos a Deus. Pela participação
ativa na ceia, saboreia-se do manjar do banquete eterno em que Deus será tudo
em todos.
Vendo que é chegada a “sua hora”,
Jesus nos torna, hoje, seus convivas no banquete da Páscoa, ceia memorial da
antiga libertação e sinal profético da nova e eterna Aliança. Participando da
ceia do Senhor, comendo do seu corpo e bebendo de seu sangue derramado, sinal
da nova Aliança, comungamos o projeto de Jesus, do amor-serviço levado até as últimas
consequências no calvário.
Acolhemos seu gesto de nos lavar os
pés e aderimos ao novo mandamento, dispondo-nos a doar a vida em ações
solidárias, para que os irmãos tenham vida e vida em abundância. “Prova de amor
maior não há, que doar a vida pelo irmão!”
Jesus se entrega, oferece sua vida
por nossa libertação. Fazendo a refeição com os seus discípulos, ensina-nos a
abrir o coração no gesto de partilha e comunhão. Comer do mesmo prato e beber
do mesmo copo é exigência para vivermos a irmandade e a fraternidade. Jesus,
porém, vai além do comer juntos. Ao lavar os pés dos discípulos, repete o gesto
dos escravos da época. Rompe assim com o esquema dominante do seu tempo.
Pedro, que acha normal o sistema de
dominação, resiste ao gesto de Jesus, não compreendendo e não aceitando que o
Mestre lave os pés dos discípulos. Lavar os pés é colocar-se a serviço,
especialmente na construção da paz. É sermos solidários com as vítimas das
guerras, dos terremotos, da dengue, da fome e da desigualdade social. É um ato
de amor.
O translado solene do Santíssimo
Sacramento para o local da vigília e a reserva para a comunhão da sexta-feira
constituem sinal de continuidade entre o Sacrifício e a adoração da presença
sacramental. A Igreja, com o sinal da adoração, sublinha o aspecto derivado e
dependente da celebração eucarística: a presença permanente de Cristo sob as
sagradas espécies eucarísticas.
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