A festa da Transfiguração,
celebrada no Oriente desde o século V e no Ocidente a partir de 1457,
faz-nos reviver um acontecimento importante da vida de Jesus, com
reflexos na nossa vida. Situada antes do anúncio da Paixão e da
Morte, a Transfiguração foi uma manifestação da vida divina, que está em
Jesus. A luz do Tabor é, porém, uma antecipação do esplendor, que
encherá a noite da Páscoa.
Por isso, os Apóstolos, contemplando a glória
divina na Pessoa de Jesus, ficaram preparados para os dolorosos
acontecimentos, que iriam pôr à prova a sua fé. Vendo Jesus na Sua
condição de servo, já não poderão esquecer a Sua condição divina. Anúncio
da Páscoa, a Transfiguração encerra também uma promessa – a da nossa
transfiguração. Jesus, com efeito, fez transparecer na Sua Humanidade a
glória de que resplandecerá o seu Corpo Místico, a Igreja, na Sua vinda
final. A nossa vida cristã é, pois, um processo de lenta
transformação em Cristo. Iniciado no nosso Batismo, completa-se na
Eucaristia, «penhor da futura glória», que opera a nossa transformação,
até atingirmos a imagem de Cristo glorioso.
É bom nós estarmos aqui
Jesus
manifestou este mistério aos discípulos no monte Tabor. Com efeito,
depois de lhes ter falado, quando andava com eles, acerca do reino e da
sua segunda vinda em glória, para que se convencessem firmemente no
íntimo do seu coração, já que talvez não estivessem ainda bastante
convencidos do que Ele anunciava acerca do reino, e também para que,
observando o presente, acreditassem no futuro, realizou aquela admirável
manifestação divina no monte Tabor, como uma imagem prefigurativa do
reino dos Céus. Foi como se lhes dissesse: «Para que o tempo de espera
não enfraqueça a vossa fé, desde já, no tempo presente, em verdade vos
digo: estão aqui alguns presentes que não hão de morrer sem terem visto o
Filho do homem, vindo na glória de seu Pai». E querendo o
Evangelista mostrar que o poder de Cristo estava de harmonia com a sua
vontade, acrescenta: Seis dias depois, Jesus tomou Pedro, Tiago e João e
levou os à parte, para um alto monte. E transfigurou Se diante deles: o
seu rosto resplandecia como o sol e a sua roupa brilhava como a neve; e
apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Estas são as maravilhas
da presente solenidade, este é o mistério da salvação que no monte se
realizou para nós; porque ao mesmo tempo nos reúne, agora, a morte e a
glorificação de Cristo. Por isso, para penetrarmos na intimidade destes
inefáveis e sagrados mistérios juntamente com os eleitos, entre os
discípulos inspirados por Deus, ouçamos a voz divina e sagrada que, lá
do alto, do cimo do monte, instantemente nos chama. Apressemo- nos a
ir para lá. Ou melhor – digo o sem hesitar – vamos com Jesus que, lá nos
Céus, é o nosso guia e precursor; com Ele brilharemos com olhos
espirituais, seremos renovados, por assim dizer, com novas feições da
nossa alma e configurados à sua imagem, e seremos continuamente
transfigurados à sua semelhança como participantes da sua natureza
divina e herdeiros dos bens celestes. Corramos para lá, cheios de
entusiasmo, ânimo e alegria, e penetremos no interior da nuvem, à
imitação de Moisés e Elias ou Tiago e João. Sê tu como Pedro, arrebatado
perante a visão e manifestação divina, transformado com aquela
maravilhosa transfiguração, isolado do mundo, abstraído das coisas da
terra; deixa o que é carnal, aparta te da criatura e volta te para o
Criador, a quem Pedro disse, em êxtase e fora de si: Senhor, é bom nós
estarmos aqui! Na verdade, Pedro, é bom nós estarmos aqui com Jesus e
ficarmos aqui para sempre. Que há de mais feliz, mais sublime e mais
excelente do que estarmos com Deus, configurar nos com Ele e vivermos na
sua luz? Por certo cada um de nós, pelo facto de ter a Deus consigo e
de ser transfigurado à sua imagem divina, pode exclamar com alegria: É
bom nós estarmos aqui, onde tudo irradia luz, felicidade e alegria, onde
o coração é inundado de paz, serenidade e doçura; onde Cristo mostra o
seu rosto; onde Ele, com o Pai, estabelece a sua morada e diz: Hoje
chegou a salvação a esta casa; onde com Cristo se acumulam tesouros de
bens eternos; onde se reflectem, como num espelho, as primícias e as
imagens dos séculos futuros.
Do Sermão de Anastásio Sinaíta, bispo,
no dia da Transfiguração do Senhor
(Nn. 5-10: Mélanges d’Archéologie et d’Histoire 67
[1955], 241-244) (Sec. VII)
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