Misericórdia
e perdão: Re-encontro com Senhor e com os irmãos
Quem é que nunca
errou? Todos temos as nossas falhas, os nossos momentos de fraqueza, de
“pecado”. Todos temos limitações que nos retraiem e que, muitas vezes, nos
afastam de Deus, o Deus da alegria e da vida. Perante o erro e o pecado,
podemos pensar que não há caminho de regresso. Enganamo-nos.
Nós somos, pois,
convidados a voltar sempre como nos sugere a parábola do Filho Pródigo [Lc 15,
11-32], também conhecida como “parábola da misericórdia”, “do pai bom”, “do
reencontro, do recomeço, da vida”.
Nesta parábola do Pai
Misericordioso, Jesus apresenta-nos o retrato do Pai. E, porque temos a graça
de acreditar, vemos em Jesus a imagem perfeita do Pai, portanto, o rosto da
misericórdia que encarnou no seio da Virgem Maria.
Ele, Jesus, é o sinal
da Aliança de Deus com os homens, é a Cabeça da Igreja que é ‘’sacramento
universal da salvação” (Lumen Gentium 48). ‘Verdadeiro Deus e verdadeiro
homem’, como professamos, é modelo que vem, em tantas ocasiões, ao nosso
encontro e nos pede que tenhamos essa Sua mesma atitude, porque n’Ele somos
filhos do Pai.
Jesus não está
distante. Vive no meio de nós, no mais íntimo da nossa pessoa. São Paulo ensina
que ‘somos templos do Espírito Santo’, morada do Altíssimo. Por isso, o ser
humano deve ter a coragem de olhar para dentro de si e buscá-l’O aí mesmo, no
seu íntimo. Dado que a Lei de Deus está gravada nos nossos corações, o ser
humano é capaz de distinguir o que está certo ou o que está errado. Por isso,
com os olhos fixos em Jesus, é capaz de perceber o que agrada a Deus e o que
Lhe desagrada. Daí, pois, a necessidade do exame de consciência.
Como é Deus que opera
em nós o querer e o agir do mesmo modo o ser humano coopera deixando-se
encorajar, olhando para dentro de si e buscando um novo recomeço de vida,
através de um bom exame de consciência e mudança de atitudes. Ele é chamado a
passar do ‘homem velho para o homem novo, “como barro nas mãos do oleiro” [Jr
18.1-6], deixando-se modelar.
Esta mudança na vida
humana-espiritual-social-comunitária, acontece através do caminho da
“reconciliação”.
Como sabemos, os
passos para a reconciliação são:
1. Exame de
consciência,
2. Contrição,
3. Confissão dos
pecados,
4. O perdão,
5. A penitência.
Ao buscarmos este
momento na nossa vida (a reconciliação), experimentamos a graça do
“re-encontro” com o Senhor. Saboreamos a Sua atitude de misericórdia para
conosco.
É na intimidade com o
Senhor que podemos encontrar e descobrir ‘quem somos nós’ e ‘quem é Ele e,
aqui, nesta intimidade, que descobrimos que ‘Ele é misericórdia’ e nós chamados
a sermos misericordiosos como Ele.
A ação é de Deus, mas
a resposta é nossa. Dado que Ele nos amou primeiro, temos a capacidade de amar.
E porque Ele usou de misericórdia antes, temos a capacidade de exercer a
misericórdia, pois trazemos dentro de nós o mesmo Espírito da Misericórdia.
Conversão é, pois, deixar-se conduzir pelo Espírito. Daí, que, a verdadeira
conversão acontece quando fazemos um encontro pessoal com Deus que é rico de
misericórdia e nos deixamos conduzir por Ele. Quando consinto que Deus aja em
mim, sou como o “vaso nas mãos do oleiro”; experimento o processo de conversão,
de mudança, de vida nova. É o momento de fazer a “caminhada pelo deserto ao
encontro da terra prometida”.
Como cristãos,
devemos fazer o mesmo caminho, que Jesus fez. É Impossível seguir Jesus sem
optar pelo seu caminho. E Ele convida-nos a ver com radicalidade. Não podemos
ser como a igreja de Éfeso, que, segundo o Apocalipse, era morna, ou seja, não
era quente nem fria. Seguir Jesus é fazer as mesmas opções que Jesus fez, ainda
que sejam dolorosas e causem muitos dissabores. “Se alguém quer vir após Mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-Me” (Mt 16,24). Não é possível
seguir Jesus sem cruz.
Nós seguimos o
Crucificado que ressuscitou. A cruz, portanto, é sinal de libertação para nós.
Abraçar o crucificado-ressuscitado é aprender a morrer cada dia para gerar
vida; morrer ao homem velho (homem que vive dos instintos egoístas) e
ressuscitar homem novo (homem que vive pelo Espírito).
É bom recordar o que
a igreja nos diz sobre as Obras de Misericórdia:
Obras de misericórdia
corporais:
1) Dar de comer a que
tem fome,
2) Dar de beber a
quem tem sede,
3) Dar pousada aos
peregrinos,
4) Vestir os nus,
5) Visitar os
enfermos,
6) Visitar os presos,
7) Enterrar os
mortos.
Obras de misericórdia
espirituais:
1) Ensinar os
ignorantes,
2) Dar bom conselho,
3) Corrigir os que
erram,
4) Perdoar as
injúrias,
5) Consolar os
tristes,
6) Sofrer com
paciência as fraquezas do nosso próximo,
7) Rezar a Deus por
vivos e defuntos.
Todas as vezes que
entramos na dinâmica da reconciliação, saímos renovados. A reconciliação faz de
nós, homens e mulheres, novas criaturas. Da ‘confissão’ não se pode sair da
‘mesma maneira’ como se entrou. Sai-se de maneira diferente, com novos
propósitos de querer crescer na vivência e convivência com os filhos e filhas
de Deus.
Por isso, devemos
sempre buscar este momento de “reconciliação” na nossa caminhada eclesial,
pessoal, mesmo com algumas dificuldades inesperadas. Não é fácil falarmos de
nós mesmos, das profundezas de nosso ser, principalmente quando ainda temos
muito enraizados em nós os indícios do homem velho, homem que vive da
aparência. Por isso, aproximar-se da confissão requer, num primeiro momento,
esforço humano para vencer-nos a nós próprios. E isso só é possível pela fé,
esta força (virtude teologal) que tem a sua origem no próprio Deus e que age no
interior da pessoa.
Devemos ter a
certeza, a alegria, de que estamos a buscar o “sacramento da paz”, “ da vida”,
“da conversão”. Um sacramento que nos alivia, não só no aspecto espiritual, mas
também no aspecto humano, na mudança profunda do ser humano para o serviço do
próximo.
Podemos dizer que se
trata “dum sacramento de partilha”, pois, ao sairmos renovados, descobrimos não
só a misericórdia de Deus que atua na nossa vida e também na nossa relação com
os outros. E, na partilha com o outro, faz-nos viver de maneira diferente.
Trata-se, pois, duma nova oportunidade, onde não somente vivenciamos o
“sacramento da paz”, mas levamos a paz com a mesma atitude de Jesus como nos
recorda a Oração eucarística VI-D quando diz: “Jesus que passa fazendo o bem”.
Sejamos Seus
discípulos e sejamos discípulos missionários, conforme nos convida o Documento
de Aparecida (177):
“… valorizem este
presente maravilhoso de Deus e se aproximem dele para renovar a graça batismal
e viver, com maior autenticidade, o chamamento de Jesus a serem seus discípulos
e missionários“.
Enfim, como filhos e
filhas do Deus amado, somos chamados a ser Igreja, “a ser sal e luz no mundo”
(Mt 5,13-16) e a uma renovação diária, através da oração, da escuta da Palavra
de Deus, da Eucaristia, da reconciliação, superando as nossas limitações e
dificuldades.
Numa palavra, a
testemunhar o nosso batismo, renovando a todo o momento a nossa fé; uma fé viva
e verdadeira, sentindo e manifestando a misericórdia de Deus na nossa vida e no
mundo. Deixemo-nos conduzir pela ação de Deus na nossa vida.
Pe .Emílio Carlos Mancini.