O BOM E BELO PASTOR
O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”.
O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de
Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens
verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.
A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho.
Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com
materiais provenientes do Antigo Testamento.
Em especial, este discurso
tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora
do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilônia,
Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história,
maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de
desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a
condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o
“Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida. A
catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que
a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.
O contexto em que João coloca o “discurso do Bom Pastor” (cf. Jo 10) é
um contexto de polêmica entre Jesus e alguns líderes judaicos,
principalmente fariseus (cf. Jo 9,40; 10,19-21.24.31-39). Depois de ver a
pressão que os líderes judaicos colocaram sobre o cego de nascença para
que ele não abraçasse a luz (cf. Jo 9,1-41), Jesus denuncia a forma
como esses líderes tratam o Povo: eles estão apenas interessados em
proteger os seus interesses pessoais e usam o Povo em benefício
próprios; são, pois, “ladrões e salteadores” (Jo 10,1.8.10), que se
apossam de algo que não lhes pertence e roubam ao seu Povo qualquer
possibilidade de vida e de libertação.
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma afirmação lapidar, posta na boca de
Jesus: “Eu sou o Bom Pastor”. O adjectivo “bom” deve, neste contexto,
entender-se no sentido de “modelo”, de “ideal”: “Eu sou o modelo de
pastor, o pastor ideal”. E Jesus explica, logo de seguida, que o “pastor
modelo” é aquele que é capaz de se entregar a si mesmo para dar a vida
às suas ovelhas (vers. 11).
Depois da afirmação geral, Jesus põe em paralelo duas figuras de pastor:
o “pastor mercenário” e o “verdadeiro pastor” (vers. 12-13).
Aquilo que distingue o “verdadeiro pastor” do “pastor mercenário” é a
diferente atitude diante do “lobo”.
O “lobo” representa, nesta
“parábola”, tudo aquilo que põe em perigo a vida das ovelhas: os
interesses dos poderosos, a opressão, a injustiça, a violência, o ódio
do mundo.
O “pastor mercenário” é o pastor contratado por dinheiro. O rebanho não é
dele e ele não ama as ovelhas que lhe foram confiadas.
Limita-se a
cumprir o seu contrato, fugindo de tudo aquilo que o pode pôr em perigo a
ele próprio e aos seus interesses pessoais.
Limita-se a cumprir
determinadas obrigações, sem que o seu coração esteja com o rebanho. Ele
tem uma função de enquadrar o rebanho e de o dirigir, mas a sua acção é
sempre ditada por uma lógica de egoísmo e de interesse. Por isso,
quando sente que há perigo, abandona o rebanho à sua sorte, a fim de
salvaguardar os seus interesses egoístas e a sua posição.
O verdadeiro pastor é aquele que presta o seu serviço por amor e não por
dinheiro. Ele não está apenas interessado em cumprir o contrato, mas em
fazer com que as ovelhas tenham vida e se sintam felizes. A sua
prioridade é o bem das ovelhas que lhe foram confiadas. Por isso, ele
arrisca tudo em benefício do rebanho e está, até, disposto a dar a
própria vida por essas ovelhas que ama. Nele as ovelhas podem confiar,
pois sabem que ele não defende interesses pessoais mas os interesses do
seu rebanho.
Ora, Jesus é o modelo do verdadeiro pastor (vers. 14-15). Ele conhece
cada uma das suas ovelhas, tem com cada uma relação pessoal e única, ama
cada uma, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças.
Esta relação que Jesus, o verdadeiro pastor, tem com as suas ovelhas é
tão especial, que Ele até a compara à relação de amor e de intimidade
que tem com o próprio Deus, seu Pai.
É este amor, pessoal e íntimo, que
leva Jesus a pôr a própria vida ao serviço das suas ovelhas, e até a
oferecer a própria vida para que todas elas tenham vida e vida em
abundância. Quando as ovelhas estão em perigo, Ele não as abandona, mas é
capaz de dar a vida por elas. Nenhum risco, dificuldade ou sofrimento O
faz desanimar. A sua atitude de defesa intransigente do rebanho é
ditada por um amor sem limites, que vai até ao dom da vida.
Depois de definir desta forma a sua missão e a sua atitude para com o
rebanho, Jesus explica quem são as suas ovelhas e quem pode fazer parte
do seu rebanho. Ao dizer “tenho ainda outras ovelhas que não são deste
redil e preciso de as reunir” (vers. 16a), Jesus deixa claro que a sua
missão não se encerra nas fronteiras limitadas do Povo judeu, mas é uma
missão universal, que se destina a dar vida a todos os povos da terra. A
comunidade de Jesus não está encerrada numa determinada instituição
nacional ou cultural. O que é decisivo, para integrar a comunidade de
Jesus, é acolher a sua proposta, aderir ao projecto que Ele apresenta,
segui-l’O. Nascerá, então, uma comunidade única, cuja referência é Jesus
e que caminhará com Jesus ao encontro da vida eterna e verdadeira
(“elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” –
vers. 16b).
Finalmente, Jesus explica que a sua missão se insere no projeto do Pai
para dar vida aos homens (vers. 17-18). Jesus assume esse projeto do
Pai e dedica toda a sua vida terrena a cumprir essa missão que o Pai lhe
confiou. O que O move não é o seu interesse pessoal, mas o cumprimento
da vontade do Pai. Ao cumprir o projeto de amor do Pai em favor dos
homens, Ele está a realizar a sua condição de Filho.
Ao dar a sua vida, Jesus está consciente de que não perde nada.
Quem
gasta a vida ao serviço do projeto de Deus, não perde a vida, mas está a
construir para si e para o mundo a vida eterna e verdadeira. O seu dom
não termina em fracasso, mas em glorificação. Para quem ama, não há
morte, pois o amor gera vida verdadeira e definitiva.
A entrega de Jesus não é um acidente ou uma inevitável fatalidade, mas
um gesto livre de alguém que ama o Pai e ama os homens e escolhe o amor
até às últimas consequências. O dom de Jesus é um dom livre, gratuito e
generoso.
Na decisão de Jesus em oferecer livremente a vida por amor,
manifesta-se o seu amor pelo Pai e pelos homens.
ATUALIZAÇÃO
• Todos nós temos as nossas figuras de referência, os nossos heróis,
os nossos mestres, os nossos modelos. É a uma figura desse tipo que,
utilizando a imagem do Evangelho do 4º Domingo da Páscoa, poderíamos
chamar o nosso “pastor”… É Ele que nos aponta caminhos, que nos dá
segurança, que está ao nosso lado nos momentos de fragilidade, que
condiciona as nossas opções, que é para nós uma espécie de modelo de
vida. O Evangelho deste domingo diz-nos que, para o cristão, o “Pastor”
por excelência é Cristo. É n’Ele que devemos confiar, é à volta d’Ele
que nos devemos juntar, são as suas indicações e propostas que devemos
seguir. O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores”
que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das
quais construimos a nossa existência? O que é que nos conduz e
condiciona as nossas opções: Jesus Cristo? As diretrizes do chefe do
departamento? A conta bancária? A voz da opinião pública? A perspectiva
do presidente do partido? O comodismo e a instalação? O êxito e o
triunfo profissional a qualquer custo? O herói mais giro da telenovela? O
programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?
• Reparemos na forma como Cristo desempenha a sua missão de “Pastor”:
Ele não atua por interesse (como acontece com outros pastores, que
apenas procuram explorar o rebanho e usá-lo em benefício próprio), mas
por amor; Ele não foge quando as ovelhas estão em perigo, mas
defende-as, preocupa-Se com elas e até é capaz de dar a vida por elas;
Ele mantém com cada uma das ovelhas uma relação única, especial,
pessoal, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. As
“qualidades” de Cristo, o Bom Pastor, aqui enumeradas, devem fazer-nos
perceber que podemos confiar integral e incondicionalmente n’Ele e
entregar, sem receio, a nossa vida nas suas mãos. Por outro lado, este
“jeito” de atuar de Cristo deve ser uma referência para aqueles que têm
responsabilidades na condução e animação do Povo de Deus: aqueles que
receberam de Deus a missão de presidir a um grupo, de animar uma
comunidade, exercem a sua missão no dom total, no amor incondicional, no
serviço desinteressado, a exemplo de Cristo?
• No “rebanho” de Jesus, não se entra por convite especial, nem há um
número restrito de vagas a partir do qual mais ninguém pode entrar… A
proposta de salvação que Jesus faz destina-se a todos os homens e
mulheres, sem exceção. O que é decisivo para entrar a fazer parte do
rebanho de Deus é “escutar a voz” de Cristo, aceitar as suas indicações,
tornar-se seu discípulo… Isso significa, concretamente, seguir Jesus,
aderir ao projeto de salvação que Ele veio apresentar, percorrer o
mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projetos de Deus e
na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor”
(Cristo) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que
esse caminho é apenas um caminho de derrota e de fracasso, que não leva
aonde nós pretendemos ir?
• O nosso texto acentua a identificação total de Jesus com a vontade
do Pai e a sua disponibilidade para colocar toda a sua vida ao serviço
do projecto de Deus. Garante-nos também que é dessa entrega livre,
consciente, assumida, que resulta vida eterna, verdadeira e definitiva. O
exemplo de Cristo convida-nos a aderir, com a mesma liberdade mas
também com a mesma disponibilidade, às propostas de Deus e ao
cumprimento do projecto de Deus para nós e para o mundo. Esse caminho é,
garantidamente, um caminho de vida eterna e de realização plena do
homem.
• Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que
animam. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão
de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas
convém igualmente ter presente que o nosso único “Pastor”, aquele que
somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo. Os outros
“pastores” têm uma missão válida, se a receberam de Cristo; e a sua
actuação nunca pode ser diferente do jeito de actuar de Cristo.
• Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de
propostas enganadoras, de “cantos de sereia” que não conduzem à vida
plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com “o Pastor”, um
confronto permanente com a sua Palavra e a participação activa nos
sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece.