Com Ele, a justiça e a
paz.
01º Domingo do Tempo do Advento - Ano C
Neste 1º Domingo do Tempo do
Advento, a Palavra de Deus apresenta-nos uma primeira abordagem à “vinda” do
Senhor.
Na primeira leitura, pela boca do profeta Jeremias, o Deus da
aliança anuncia que é fiel às suas promessas e vai enviar ao seu Povo um
“rebento” da família de David. A sua missão será concretizar esse mundo sonhado
de justiça e de paz: fecundidade, bem-estar, vida em abundância, serão os
frutos da ação do Messias.
O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Messias filho de David, a
anunciar a todos os que se sentem prisioneiros: “alegrai-vos, a vossa
libertação está próxima. O mundo velho a que estais presos vai cair e, em seu
lugar, vai nascer um mundo novo, onde conhecereis a liberdade e a vida em
plenitude. Estai atentos, a fim de acolherdes o Filho do Homem que vos traz o
projeto desse mundo novo”. É preciso, no entanto, reconhecê-l’O, saber
identificar os seus apelos e ter a coragem de construir, com Ele, a justiça e a
paz.
A segunda leitura convida-nos a não nos instalarmos na mediocridade
e no comodismo, mas a esperar numa atitude ativa a vinda do Senhor. É
fundamental, nessa atitude, a vivência do amor: é ele o centro do nosso
testemunho pessoal, comunitário, eclesial.
LEITURA I – Jer 33,14-16
Estamos no ano décimo do reinado
de Sedecias (587 a.C.). O exército babilónio de Nabucodonosor cerca Jerusalém e
Jeremias está detido no cárcere do palácio real, acusado de derrotismo e de
traição (cf. Jer 32,1). Parece o princípio do fim, a derrocada de todas as
esperanças e seguranças do Povo. É neste contexto que o profeta, em nome de
Jahwéh, vai proclamar a chegada de um tempo novo, no qual Deus vai “pensar as
feridas” do seu povo e curá-las, proporcionar a Judá “abundância de paz e
segurança” (Jer 33,6). A mensagem é tanto mais surpreendente quanto o futuro
imediato parece sem saída e o próprio Jeremias é acusado de profetizar a
inutilidade de resistir aos exércitos caldeus, a destruição de Jerusalém e o
exílio de Sedecias (cf. Jer 32,3-5).
Nesse momento limite em que tudo
parece comprometido, Jeremias anuncia a fidelidade de Jahwéh às promessas
feitas a David (cf. 2 Sm 7): no futuro, Deus irá fazer surgir um descendente de
David (“zemah zaddîq” – “rebento justo”), que assegurará a paz e a salvação a
todo o povo. A palavra “zemah” (“rebento”) evoca a fecundidade e a vida em
abundância (cf. Is 4,2; Ez 16,7). É o nome com que o profeta Zacarias designa o
“Messias” (cf. Zac 3,8; 6,12).
As palavras ligadas à área da “justiça” desempenham um papel fundamental
neste anúncio de Jeremias.
Diz-se que o descendente de David será “justo” e que
a sua tarefa consistirá em assegurar a “justiça” e o “direito” (“mishpat” e
“zedaqa”). A dupla “justiça/direito”, característica da linguagem profética,
refere-se ao funcionamento reto da instituição responsável pela administração
da justiça (tribunal) que possibilitará, por sua vez, uma correta ordem social
(“zedaqa”), fundamento da paz e da prosperidade. Sedecias nem garantiu a
“justiça”, nem assegurou a paz; por isso, a catástrofe está iminente… Mas o rei
futuro anunciado pelo profeta, da descendência de David, será o “ungido” de
Deus. Terá por missão restaurar a “justiça” e transmitir a abundância de vida e
de salvação ao Povo de Deus. Por isso, chamar-se-á “o Senhor é a nossa justiça”
(“Jahwéh zidqenû”): por ele, Deus garante ao seu Povo um futuro fecundo, de
justiça, de bem-estar, de salvação.
Recordando as promessas de Deus, o profeta elimina a nostalgia de um
passado mais ou menos distante, elimina o medo do presente e instaura o regime
da esperança.
ATUALIZAÇÃO
A atualização desta mensagem
profética pode fazer-se de acordo com as seguintes coordenadas:
• O ambiente em que estamos
mergulhados potencia, tantas vezes, o medo, a frustração, o negativismo, a insegurança,
o pessimismo… É possível acreditar no Deus da “justiça”, fiel à “aliança”,
comprometido com os homens e continuar a olhar para o mundo nessa perspectiva
negativa, como se Deus – o Deus da justiça e do amor – tivesse abandonado os
homens e já não presidisse à nossa história?
• De acordo com o Novo
Testamento, esta “justiça” é comunicada pelo “Messias” a todos os membros do
povo eleito (cf. Rom 1,17; 1 Cor 1,30; 2 Cor 5,21; Flp 3,9). Sentimo-nos,
verdadeiramente, membros do povo messiânico, construtores desse mundo de
justiça, de paz, de felicidade para todos? Qual é a atitude que define o nosso
empenho: o compromisso sério com a justiça e a paz, ou o comodismo de quem
prefere demitir-se das suas responsabilidades e passar ao lado da vida?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24
(25)
Refrão: Para Vós, Senhor, elevo a
minha alma.
LEITURA II – 1 Tes 3,12–4,2
A comunidade cristã de Tessalônica
foi fundada por Paulo, Silvano e Timóteo durante a segunda viagem missionária
de Paulo, aí pelo ano 50 (cf. Act 17,1ss). Durante o pouco tempo que lá passou,
Paulo desenvolveu uma intensa atividade missionária, de que resultou uma
comunidade numerosa e entusiasta, constituída na sua maioria por pagãos
convertidos (cf. 1 Tess 1,9-10). No entanto, a obra de Paulo foi brutalmente
interrompida pela reação da colónia judaica… Paulo teve de fugir, deixando
atrás de si uma comunidade em perigo, insuficientemente catequizada e quase
desarmada num contexto de perseguição e provação. Preocupado, Paulo envia
Timóteo a Tessalônica para saber notícias e encorajar na fé os tessalonicenses.
Quando Timóteo regressa, encontra Paulo em Corinto e comunica-lhe notícias
animadoras: a fé, a esperança e o amor dos tessalonicenses continuam bem vivos
e até se aprofundaram com as provações (cf. 1 Tes 1,3; 3,6-8). Os
tessalonicenses podem ser apontados como modelos aos cristãos das regiões
vizinhas (cf. 1 Tes 1,7-8).
Apesar de tudo o que Deus já
edificou no coração dos crentes de Tessalônica, a caminhada cristã destes não
está concluída. Há que “progredir sempre” (1 Tes 4,1), sobretudo no amor para
com todos (1 Tes 3,12). Só nesta atitude de não conformação será possível
esperar a “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tes 3,13).
ATUALIZAÇÃO
A confrontação deste texto com a
vida pode ter em conta os seguintes elementos:
• A caminhada cristã nunca é um
processo acabado, mas uma construção permanente, que recomeça em cada novo
instante da vida. O cristão não é aquele que é perfeito; mas é aquele que, em
cada dia, sente que há um caminho novo a fazer e não se conforma com o que já
fez, nem se instala na mediocridade. É nesta atitude que somos chamados a viver
este tempo de espera do Messias.
• Uma dimensão fundamental da
nossa experiência cristã é a caridade: só aprofundando-a cada vez mais podemos
sentir-nos identificados com Aquele que partilhou a vida com todos nós, até à
morte na cruz; só praticando-a, podemos fazer uma verdadeira experiência de
Igreja e construir uma comunidade de irmãos; só vivendo-a, podemos ser, para os
homens que partilham conosco esta vasta casa que é o mundo, o rosto do Deus que
ama.
ALELUIA – Salmo 84,8
Aleluia. Aleluia.
Mostrai-nos, Senhor, a vossa
misericórdia e dai-nos a vossa salvação.
EVANGELHO – Lc 21,25-28.34-36
Estamos já nos últimos dias da
vida terrena de Jesus, após a sua entrada triunfal em Jerusalém. Jesus está a
completar a catequese dos discípulos e, nesse contexto, anuncia-lhes tempos
difíceis de perseguição e de martírio. Avisa-os, também, de que a própria
cidade de Jerusalém será, proximamente, sitiada e destruída (cf. Lc 21,20-24).
Ora, é neste contexto e nesta sequência que aparece o texto do Evangelho de
hoje.
O vetor fundamental à volta do
qual se estrutura o Evangelho de hoje está na referência à vinda do Filho do
Homem “com grande poder e glória” (Lc 21,27) e no convite a cobrar ânimo e a
levantar a cabeça porque “a libertação está próxima” (Lc 21,28). A palavra
“libertação” (“apolytrôsis” – “resgate de um cativo”) é uma palavra característica
da teologia paulina (1 Cor 1,30; cf. Rom 3,24; 8,23; Col 1,14…), onde é usada
para definir o resultado da ação redentora de Jesus em favor dos homens. O
projeto de salvação/libertação da humanidade, concretizado nas palavras e nos
gestos de Jesus, é apresentado como o “resgate” de uma humanidade prisioneira
do egoísmo, do pecado, da morte. Trata-se, portanto, da libertação de tudo o
que escraviza os homens e os impede de viver na dignidade de filhos de Deus.
A mensagem proposta aos
discípulos é clara: espera-vos um caminho marcado pelo sofrimento, pela
perseguição (cf. Lc 21,12-19); no entanto, não vos deixeis afundar no desespero
porque Jesus vem. Com a sua vinda gloriosa (de ontem, de hoje, de amanhã),
cessará a escravidão insuportável que vos impede de conhecer a vida em
plenitude e nascerá um mundo novo, de alegria e de felicidade plenas.
Os “sinais” catastróficos
apresentados não são um quadro do “fim do mundo”; são imagens utilizadas pelos
profetas para falar do “dia do Senhor”, isto é, o dia em que Jahwéh vai
intervir na história para libertar definitivamente o seu Povo da escravidão,
inaugurando uma era de vida, de fecundidade e de paz sem fim (cf. Is 13,10;
34,4). O quadro destina-se, portanto, não a amedrontar, mas a abrir os corações
à esperança: quando Jesus vier com a sua autoridade soberana, o mundo velho do
egoísmo e da escravidão cairá e surgirá o dia novo da salvação/libertação sem
fim.
Há, ainda, um convite à
vigilância (cf. Lc 21,34-36): é necessário manter uma atenção constante, a fim
de que as preocupações terrenas e as cadeias escravizantes não impeçam os
discípulos de reconhecer e de acolher o Senhor que vem.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão acerca do Evangelho de
hoje pode tocar, entre outros, os seguintes pontos:
• A realidade da história humana
está marcada pelas nossas limitações, pelo nosso egoísmo, pelo destruição do
planeta, pela escravidão, pela guerra e pelo ódio, pela prepotência dos
senhores do mundo… Quantos milhões de homens conhecem, dia a dia, um quadro de
miséria e de sofrimento que os torna escravos, roubando-lhes a vida e a
dignidade… A Palavra de Deus que hoje nos é servida abre a porta à esperança e
grita a todos os que vivem na escravidão: “alegrai-vos, pois a vossa libertação
está próxima. Com a vinda próxima de Jesus, o projeto de salvação/libertação de
Deus vai tornar-se uma realidade viva; o mundo velho vai converter-se numa nova
realidade, de vida e de felicidade para todos”.
• No entanto, a
salvação/libertação que há-de transformar as nossas existências não é uma
realidade que deva ser esperada de braços cruzados. É preciso “estar atento” a
essa salvação que nos é oferecida como dom, e aceitá-la. Jesus vem; mas é
necessário reconhecê-l’O nos sinais da história, no rosto dos irmãos, nos
apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. É preciso, também, ter a
vontade e a liberdade de acolher o dom de Jesus, deixar que Ele nos transforme
o coração e Se faça vida nos nossos gestos e palavras.
• É preciso, ainda, ter presente,
que este mundo novo – que está permanentemente a fazer-se e depende do nosso
testemunho – nunca será um realidade plena nesta terra, mas sim uma realidade
escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de Cristo, o Senhor, haver
destruído definitivamente o mal que nos torna escravos.
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