05º Domingo do Tempo Comum - Ano C
Somos todos chamados por Deus e d’Ele
recebemos uma missão para o mundo.
A liturgia deste domingo leva-nos
a refletir sobre a nossa vocação: somos todos chamados por Deus e d’Ele
recebemos uma missão para o mundo.
Na primeira leitura, encontramos a descrição plástica do chamamento
de um profeta – Isaías. De uma forma simples e questionadora, apresenta-se o
modelo de um homem que é sensível aos apelos de Deus e que tem a coragem de
aceitar ser enviado.
No Evangelho, Lucas apresenta um grupo de discípulos que
partilharam a barca com Jesus, que acolheram as propostas de Jesus, que
souberam reconhecê-l’O como seu “Senhor”, que aceitaram o convite para ser
“pescadores de homens” e que deixaram tudo para seguir Jesus… Neste quadro,
reconhecemos o caminho que os cristãos são chamados a percorrer.
A segunda leitura propõe-nos refletir sobre a ressurreição:
trata-se de uma realidade que deve dar forma à vida do discípulo e levá-lo a
enfrentar sem medo as forças da injustiça e da morte. Com a sua ação
libertadora – que continua a ação de Jesus e que renova os homens e o mundo – o
discípulo sabe que está a dar testemunho da ressurreição de Cristo.
LEITURA I – Is
6,1-2a.3-8
Estamos em Jerusalém, por volta
de 740/739 a.C.. Isaías tem, então, à volta de vinte anos. Enquanto está no Templo
em oração, descobre que Deus o chama a ser profeta. O texto de hoje relata-nos
essa descoberta e a resposta de Isaías. No entanto, este relato não deve ser
visto como uma reportagem jornalística de acontecimentos, mas sim como uma
apresentação teológica de uma experiência interior de vocação.
Os pormenores folclóricos – o
trono alto e sublime em que o Senhor Se senta, o seu manto que enche o Templo,
os “serafins” com seis asas que voam sem cessar à volta e que cobrem a face e
os pés, o oscilar das portas nos seus gonzos, o fumo – são elementos simbólicos
com que o profeta desenha a grandeza, a onipotência e a magnificência de Deus.
É essa a perspectiva que o profeta tem do Deus que o chamou.
Nesta catequese sobre a experiência de vocação, encontramos
vários passos. Vamos resumi-los brevemente.
Em primeiro lugar (vers. 1-5), Isaías deixa claro que a sua
vocação é obra de Jahwéh, o Deus majestoso e santo, infinitamente acima do
mundo e distante da realidade pecadora em que os homens vivem mergulhados. Os
elementos literários típicos das teofanias (o temor, a voz forte, o fumo)
definem o quadro típico das manifestações de Deus no Antigo Testamento: foi
esse Deus que se manifestou a Isaías e que o convocou para o seu serviço.
Em segundo lugar (vers. 6-7), temos a objeção e a
purificação. A objeção do profeta é um elemento típico dos relatos de vocação
(cf. Ex 3,11, no chamamento de Moisés). Manifesta o sentimento de um homem que,
chamado por Deus a uma missão, tem consciência dos seus limites e da sua
indignidade, ou prefere continuar no seu cantinho cômodo, sem se comprometer. A
“purificação” sugere que a indignidade e a limitação não são impeditivos para a
missão: a eleição divina dá ao profeta autoridade, apesar dos seus limites bem
humanos.
Em terceiro lugar, temos a aceitação da missão pelo profeta.
Convém, a propósito, notar o seguinte: Isaías oferece-se sem saber ainda qual a
missão que lhe vai ser confiada; manifesta, dessa forma, a sua disponibilidade
absoluta para o serviço de Deus.
Temos, aqui, descrito o caminho da verdadeira vocação.
ATUALIZAÇÃO
Nesta reflexão sobre a “vocação”, considerar as seguintes
questões:
• Cada um de nós tem a sua história de vocação: de muitas
formas Deus entra na nossa vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta
positiva à sua proposta. Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de
formas bem banais? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e
através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de nós?
• A missão que Deus propõe está, frequentemente, associada a
dificuldades, a sofrimentos, a conflitos, a confrontos… Por isso, é um caminho
de cruz que, às vezes, procuramos evitar. Será que eu consigo vencer o
comodismo e a preguiça que me impedem de concretizar a missão?
• É preciso ter consciência, também, que as minhas
limitações e indignidades muito humanas não podem servir de desculpa para
realizar a missão que Deus quer confiar-me: se Ele me pede um serviço, dar-me-á
a força para superar os meus limites e para cumprir o que Ele me pede.
• Isaías aceita o envio, ainda antes de saber, em concreto,
qual é a missão. É o exemplo de quem arrisca tudo e se dispõe, de forma
absoluta, para o serviço de Deus. No entanto, é difícil arriscar tudo, sem
cálculos nem garantias: é o pôr em causa os nossos projetos e esquemas para
confiar apenas em Deus, de forma que Ele possa fazer de nós o que quiser. Qual
a minha atitude em relação a isto?
SALMO RESPONSORIAL –
Salmo 137 (138)
Refrão: Na presença
dos Anjos,
eu Vos louvarei,
Senhor.
De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças,
porque ouvistes as palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos Vos hei-de cantar
e Vos adorarei, voltado para o vosso templo santo.
Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa
promessa.
Quando Vos invoquei, me respondestes,
aumentastes a fortaleza da minha alma.
Todos os reis da terra Vos hão-de louvar, Senhor,
quando ouvirem as palavras da vossa boca.
Celebrarão os caminhos do Senhor,
porque é grande a glória do Senhor.
A vossa mão direita me salvará,
o Senhor completará o que em meu auxílio começou.
Senhor, a vossa bondade é eterna,
não abandoneis a obra das vossas mãos.
LEITURA II – 1 Cor
15,1-11
A chegada do cristianismo ao
mundo grego provocou um choque de mentalidades e de perspectivas culturais.
Isso ficou bem evidente na dificuldade dos coríntios em aceitar a ressurreição
dos mortos.
A ressurreição dos mortos era
relativamente bem aceite no judaísmo, habituado a ver o homem na sua unidade;
mas constituía um problema sério para a mentalidade grega. Porquê? Porque a
cultura grega, fortemente influenciada por filosofias dualistas (como a
filosofia de Platão, por esta altura na moda) que viam no corpo uma realidade
negativa e na alma uma realidade ideal e nobre, recusava-se a aceitar a
ressurreição do homem integral. Como poderia o corpo – essa realidade material,
carnal, sensual, que aprisionava a alma e a impedia de subir ao mundo ideal, na
opinião dos filósofos gregos – seguir a alma?
É a esta questão posta pelos
Coríntios que Paulo vai responder neste texto.
A argumentação de Paulo é simples
e contundente: nós, cristãos, ressuscitaremos um dia, porque Cristo já
ressuscitou.
O texto começa com a evocação de
uma fórmula da catequese primitiva sobre esta questão. Paulo não está a
inventar: está a transmitir com absoluta fidelidade a catequese que recebeu.
A fórmula paulina, que é ao mesmo
tempo reflexo e modelo da primitiva pregação cristã acerca da ressurreição,
estrutura-se em três tempos: afirmação do fato (morte/ressurreição), testemunho
da Sagrada Escritura, comprovação experimental do mesmo (sepultura/aparições).
A comprovação do fato resulta dos outros dois elementos.
No que diz respeito ao testemunho
das escrituras, Paulo não cita diretamente nenhum texto da Sagrada Escritura em
favor da sua tese; mas podemos pensar que Paulo está a referir-se a Is 53,8-12
(o quarto poema do Servo de Jahwéh) e a Os 6,2. No que diz respeito às
testemunhas da ressurreição de Jesus, Paulo cita seis manifestações de Jesus
ressuscitado: a Pedro, aos Doze, a mais de quinhentos irmãos, a Tiago, aos
outros apóstolos e, finalmente, ao próprio Paulo.
Notemos que os apóstolos (Paulo
incluído) não testemunharam o momento da ressurreição, mas a experiência de um
Jesus que continuou vivo depois da morte. O ressuscitado fez-se presente na
vida destes homens e, como tal, converteu-se em objeto de pregação e de fé.
Portanto, ao falar da ressurreição de Jesus, não estamos a falar de um “fato
histórico”, entendendo por “fato histórico” aquele de que qualquer pessoa pode
relatar os pormenores. A ressurreição de Cristo é um fato real, mas ao mesmo
tempo sobrenatural e meta-histórico, algo que ultrapassa completamente as
categorias humanas de espaço e de tempo, a fim de entrar na órbita da fé. É
algo que a ciência histórica não pode demonstrar, porque corresponde a uma
experiência de fé. O que, historicamente, podemos comprovar, é a incrível
transformação dos discípulos que, de homens cheios de medo, de frustração e de
cobardia, se converteram em arautos destemidos de Jesus, vivo e ressuscitado.
Além do mais, a ressurreição é um
fato que ocorreu, mas que continua a ocorrer; continua a ter a eficácia
primitiva, continua a ser capaz de converter em homens novos, a quantos aceitam
Jesus pela fé. A comunidade cristã é convidada a fazer esta descoberta, a
partir das Escrituras, do Espírito e da própria vida nova que continuamente vai
nascendo nos cristãos.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão deste texto, considerar as seguintes questões:
• Será um dado adquirido, para qualquer cristão, a
ressurreição de Jesus. No entanto, essa ressurreição é, para nós, uma verdade
abstrata que afirmamos no credo, ou algo vivo e dinâmico, que todos os dias
continua a acontecer na nossa vida e na nossa história, gerando vida nova,
libertação, amor, numa contínua manifestação de Primavera para nós e para o
mundo?
• A ressurreição de Cristo garante-nos que não há morte para
quem aceita fazer da sua vida uma luta pela justiça, pela verdade, pelo projeto
de Deus. Temos consciência disso? A certeza da ressurreição encoraja-nos a
lutar, sem a paralisia que vem do medo, por um mundo mais justo, mais fraterno,
mais humano?
ALELUIA – Mt 4,19
Aleluia. Aleluia.
Vinde comigo, diz o Senhor,
e farei de vós pescadores de homens.
EVANGELHO – Lc 5,1-11
Estamos na Galileia, no início do ministério de Jesus. Há
algum tempo, Ele apresentou o seu programa na sinagoga de Nazaré como anúncio
da Boa Nova aos pobres e proposição da libertação para os prisioneiros… Agora,
começam a notar-se os primeiros resultados da atividade de Jesus: à sua volta
começa a formar-se o grupo dos que foram sensíveis a essa proposta de salvação
e seguiram Jesus.
O texto que nos é proposto como
Evangelho é uma catequese que procura apresentar as coordenadas fundamentais da
identidade cristã: o que é ser cristão? Como se segue Jesus? O que é que
implica seguir Jesus?
Ser cristão é, em primeiro lugar,
estar com Jesus “no mesmo barco” (vers. 3). É desse barco (a comunidade
cristã), que a Palavra de Jesus se dirige ao mundo, propondo a todos a
libertação (“pôs-Se a ensinar, da barca, a multidão”).
Ser cristão é, em segundo lugar,
escutar a proposta de Jesus, fazer o que Ele diz, cumprir as suas indicações,
lançar as redes ao mar (vers. 4-5). Às vezes, as propostas de Jesus podem
parecer ilógicas, incoerentes, ridículas (e quantas vezes o parecem, face aos
esquemas e valores do mundo…); mas é preciso confiar incondicionalmente,
entregar-se nas mãos d’Ele e cumprir à risca as suas indicações (“porque Tu o
dizes, lançarei as redes” – vers. 5).
Ser cristão é, em terceiro lugar,
reconhecer Jesus como “o Senhor” (vers. 8): é o que faz Pedro, ao perceber como
a proposta de Jesus gera vida e fecundidade para todos. O título “Senhor” (em
grego, “kyrios”) é o título que a comunidade cristã primitiva dá a Jesus
ressuscitado, reconhecendo n’Ele o “Senhor” que preside ao mundo e à história.
Ser cristão é, em quarto lugar,
aceitar a missão que Jesus propõe: ser pescador de homens (vers. 10). Para
entendermos o verdadeiro significado da expressão, temos de recordar o que
significava o “mar” no ideário judaico: era o lugar dos monstros, onde residiam
os espíritos e as forças demoníacas que procuravam roubar a vida e a felicidade
do homem. Dizer que os seus discípulos vão ser “pescadores de homens” significa
que a missão do cristão é continuar a obra libertadora de Jesus em favor do
homem, procurando libertar o homem de tudo aquilo que lhe rouba a vida e a
felicidade. Trata-se de salvar o homem de morrer afogado no mar da opressão, do
egoísmo, do sofrimento, do medo – as forças demoníacas que impedem a felicidade
do homem.
Ser cristão é, finalmente, deixar
tudo e seguir Jesus (vers. 11). Esta alusão ao desprendimento do discípulo é
típica de Lucas (cf. Lc 5,28;12,33;18,22): Lucas expressa, desta forma, que a
generosidade e o dom total devem ser sinais distintivos das comunidades e dos
crentes que seguem Jesus.
Uma palavra, ainda, para o papel
proeminente que Pedro aqui desempenha: a comunidade lucana é uma comunidade
estruturada, que reconhece em Pedro o “porta-voz” de todos e o principal
animador dessa comunidade de Jesus que navega nos mares da história.
ATUALIZAÇÃO
Considerar os seguintes dados:
• A reflexão deste texto deve pôr em paralelo o “caminho
cristão”, tal como Lucas o descreve aqui, com esse caminho – às vezes não tão
cristão como isso – que vamos percorrendo todos os dias. Considerar as
seguintes questões:
• O nosso caminho é feito no barco de Jesus, ou, às vezes,
embarcamos noutros projetos onde Jesus não está e fazemos deles o objetivo da
nossa vida? Por outro lado, deixamos que Jesus viaje conosco ou, às vezes,
obrigamo-l’O a desembarcar e continuamos viagem sem Ele?
• Ao longo da viagem, somos sensíveis às palavras e
propostas de Jesus? As suas indicações são para nós sinais obrigatórios a
seguir, ou fazem mais sentido para nós os valores e a lógica do mundo?
• Reconhecemos, de fato, que Jesus é o “Senhor” que preside
à nossa história e à nossa vida? Ele é o centro à volta do qual constituímos a
nossa existência, ou deixamos que outros “senhores” nos manipulem e dominem?
• Chamados a ser “pescadores de homens”, temos por missão
combater o mal, a injustiça, o egoísmo, a miséria, tudo o que impede os homens
nossos irmãos de viver com dignidade e de ser felizes. É essa a nossa luta?
Sentimos que continuamos, dessa forma, o projeto libertador de Jesus?
• A nossa entrega é total, ou parcial e calculada? Deixamos
tudo na praia para seguir Jesus, porque o seu projeto se tornou a prioridade da
nossa vida?
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