O que significa, agora, servir os pobres?
Serviço é dessas palavras fortes, mágicas, que ficam sempre bem nos discursos, mas é uma palavra ambígua, porque contem significados e motivações diversas senão mesmo contraditórias. Pode servir-se por interesse ou cálculo e pode servir-se por medo ou obrigação; pode servir-se por pena ou mera filantropia. Para nós servir significa identificar-se com Cristo. Cristo é o amor de Deus humanizado, encarnado, concretizado para nossa salvação.
O serviço dos pobres deriva da nossa vocação a um especial seguimento de Jesus Cristo que não veio para ser servido, mas para servir. É, pois, importante saber qual foi a experiência terrena de Jesus Cristo que assumiu a “condição de servo” o que, à partida, traz todas aquelas limitações e dependências que são próprias da condição humana, mas que Jesus assumiu de modo perfeito e exemplar. Esta exemplaridade de Jesus inspira ao discípulo, ao menos, estes três serviços concretos:
a. O serviço da dependência de Deus. Jesus viveu totalmente dependente do Pai de quem recebe tudo: as palavras - “porque as palavras que eu digo não as digo por mim, mas o Pai que está comigo”; as obras - “O Filho por si não pode fazer nada, se não aquilo que vê o Pai fazer”; a missão - “Eu conheço-O, porque venho dele e foi ele que me enviou; enfim, Cristo tem tudo em comum com o Pai - “Tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu”.
Daqui pode-se extrair um duplo ensinamento. Primeiro, é que o sentido profundo da vida só pode ser alcançado no encontro com Deus e não na sujeição às lógicas do poder, da necessidade e do sucesso. Segundo, é que a vivência coerente da absoluta dependência de Deus só por si proclama que há outra forma de ser e de viver, livre do princípio do conquistador “chegar, ver e vencer”, que tanta miséria traz ao mundo, e animada pelo princípio do peregrino “acolher, cuidar e dar”. Afinal, como diz Paulo “que é que tens tu que não tenhas recebido”?
b. O serviço da solidariedade fraterna. Cristo, enquanto homem, vive dependente dos outros. Por um lado, depende de Maria para nascer, de José para sobreviver, do ambiente para crescer e desenvolver-se em sabedoria; e de tantos outros que, durante os anos da sua vida pública, cuidaram dele e lhe permitiram prosseguir na sua missão[23]: proclamar o Evangelho, baptizar, perdoar pecados, celebrar a Eucaristia, etc. Por outro lado, os outros dependem também de Jesus. Alguns, até para comer e terem saúde; todos, para serem perdoados, evangelizados e salvos.
Desta solidariedade e interdependência de Jesus brotam dois específicos compromissos:
- A evangelização dos pobres: Não falar de Cristo aos pobres seria uma grande injustiça. Não há nada de mais excelente que possamos oferecer ao pobres do que o Evangelho, porque essa foi a prioridade[24] de Jesus e foi a missão que, depois, confiou à Igreja. Os pobres são os primeiros e naturais destinatários da Boa-Nova. Diz-se que ninguém prega a estômagos vazios. É um dito. Mas Jesus, que seguimos e imitamos, multiplicava os pães e ao mesmo tempo a Palavra e, às vezes, dava dias seguidos à Palavra e depois é que se preocupava com os pães[25]. O pobre não vive só de pão, mas de esperança e de toda a Palavra que sai da boca de Deus. E é da boca de Deus que sai “Felizes os pobres”. Os pobres têm direito a saber desta extraordinária possibilidade que lhes é oferecida. Por outro lado, este anúncio tem crédito se se vive o que se anuncia, se se testemunha que a vida austera, frugal, desapegada dos bens e das coisas do mundo, é fonte de felicidade. A prática da pobreza é essencial para a imitação e o anúncio de Cristo pobre.
- O combate à pobreza iníqua pelo primado da justiça: Deus, quando vem até nós em Jesus de Nazaré, não o faz de forma neutra, como se não quisesse tomar partido por ninguém. Deus sabe bem que na história humana, frente aos poderosos do sistema social, político e religioso, estão os pequenos, as mulheres, os estrangeiros, as viúvas, os leprosos, os famintos, os deserdados da sociedade. É destes que Jesus se aproxima, cuida, acarinha, por eles se deixa amar e com eles se identifica. Por isso, no juízo final, aos que se empenharam durante a vida em erradicar ou, ao menos, debelar as situações de desumanização e de desumanidade dos seus semelhantes, Jesus dirá “foi a Mim que o fizestes”.
Isto leva a que sintamos que o respeito pelos direitos dos outros e o cumprimento dos nossos deveres ‘caseiros’, não é suficiente. A imitação de Cristo pobre e despojado tem de conduzir, hoje, ao compromisso solidário com todos os que sofrem uma pobreza imposta (desempregados, imigrantes, refugiados, excluídos, os diversos tipos de sem voz, os pobres…) e, por isso, iníqua.
Compreendemos, então, como esta solidariedade vai muito para além da ajuda esporádica, da habitual esmola (que é também necessária), e implica uma verdadeira luta pela justiça, pela dignidade da pessoa e pela defesa da criação, em formas que vão desde a militância declarada, a inserção nas periferias do humano, ao dever de participar em iniciativas e colaborar com todas as instituições e grupos comprometidos em eliminar ou reduzir as injustiças e os atropelos à dignidade humana e ao respeito pela criação. Isto tem que ser feito com um elevado grau de honestidade evangélica, evitando a deriva secularizante do tipo de ‘muito empenho com os pobres e muito esquecimento de Cristo’.
c. O serviço da comunhão de bens. Cristo, como qualquer outro ser humano, para viver, desenvolver-se e servir, teve necessidade dos bens da criação. Jesus não era um pedinte, nem um desempregado, nem um necessitado. Pode-se dizer que Jesus não conheceu a falta de bens, nem o que era a pobreza econômica e social. Partilhou a vida simples e laboriosa da gente da Galileia e nunca se tornou escravo dos bens dos quais dependia. Não há dúvida que Jesus conhecia a importância afetiva, social e política, dos bens materiais e do dinheiro, mas também sabia quanto isso podia ser danoso para a frágil natureza humana, que facilmente se deixa seduzir pelos bens, os acumula e idolatra, em prejuízo do próximo e da soberania de Deus. Daí que Jesus faça fortes advertências quanto às riquezas porque seduzem; sufocam a palavra[tornam difícil a entrada no Reino; geram escravidão e impedem de servir a Deus não produzem a segurança esperada e são como senhores tiranos.
A melhor forma de evitar tudo isto e afirmar-se livre dos bens é partilhá-los. Para nós a partilha de bens, não é facultativa, é uma exigência e um sinal de amor. Se amamos a Cristo, sentimos decerto o apelo à partilha de toda a existência com os que nem sequer têm direito à subsistência, assim como não podemos deixar de nos sentir incomodados com os sinais exteriores de riqueza e a satisfação que ainda sentimos com a multiplicação de doações, ofertas, facilidades e privilégios, ao mesmo tempo que à nossa volta gravitam muitos necessitados.
inserido por Pe.Emílio Carlos+
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