«Dai-lhes vós de comer» (Mt 14,16)
S. João 6,1-15.
Naquele
tempo, Jesus foi para a outra margem do lago da Galileia, ou de Tiberíades.
Seguia-o uma grande multidão, porque presenciavam os sinais miraculosos
que realizava em favor dos doentes.
Jesus subiu ao monte e sentou-se ali
com os seus discípulos.
Estava a aproximar-se a Páscoa, a festa dos
judeus.
Erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter
com Ele, Jesus disse então a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para esta
gente comer?»
Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele bem sabia o que ia
fazer. Filipe respondeu-lhe:
«Duzentos denários de pão não chegam para
cada um comer um bocadinho.»
Disse-lhe um dos seus discípulos, André,
irmão de Simão Pedro:
«Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada
e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?»
Jesus disse: «Fazei
sentar as pessoas.» Ora, havia muita erva no local. Os homens sentaram-se,
pois, em número de uns cinco mil.
Então, Jesus tomou os pães e, tendo
dado graças, distribuiu-os pelos que estavam sentados, tal como os peixes, e
eles comeram quanto quiseram.
Quando se saciaram, disse aos seus
discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca».
Recolheram-nos, então, e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de
cevada que sobejaram aos que tinham estado a comer.
Aquela gente, ao ver
o sinal milagroso que Jesus tinha feito, dizia: «Este é realmente o Profeta
que devia vir ao mundo!»
Por isso, Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo
para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte.
Comentário :
«Dai-lhes vós de comer» (Mt 14,16)
No pão da eucaristia recebemos a multiplicação inesgotável dos pães do amor de
Jesus Cristo, que é suficientemente rico para saciar a fome de todos os
séculos, e que procura assim a colocar-nos, também a nós, ao serviço desta
multiplicação dos pães. Os poucos pães de cevada da nossa vida poderão parecer
inúteis, mas o Senhor precisa deles e pede-no-los.
Tal como a própria Igreja, também os sacramentos são fruto do grão de trigo
que morre (Jo 12,24). Para os receber, temos de entrar no movimento de onde
eles provêm. Este movimento consiste em nos perdermos a nós próprios, sem o
que não nos podemos encontrar: «Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e
quem perder a sua vida por Mim e pelo Evangelho salvá-la-á» (Mc 8,35). Esta
palavra do Senhor é a fórmula fundamental da vida cristã [...]; a forma
característica da vida cristã vem-lhe da cruz. A abertura cristã ao mundo, tão
enaltecida actualmente, só pode encontrar o seu verdadeiro modelo no lado
aberto do Senhor (Jo 19,34), expressão deste amor radical, que é o único capaz
de salvar.
Do lado perfurado de Jesus crucificado saíram sangue e água. O que, à primeira
vista, é sinal de morte, sinal do mais completo fracasso, constitui ao mesmo
tempo um começo novo: o Crucificado ressuscita e não morre. Das profundezas da
morte surgiu a promessa da vida eterna. Por cima da cruz de Jesus Cristo
resplandece já a claridade vitoriosa da manhã de Páscoa. É por isso que viver
com Ele sob o signo da cruz é sinónimo de viver sob a promessa da alegria
pascal.
Cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI, Papa de 2005 a 2013)
Meditationen zur Karwoche, 1969
Nenhum comentário:
Postar um comentário