3º. DOMINGO
DA QUARESMA -A-
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“Uma
fonte de água que jorra para a vida eterna”
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Leituras:
Êxodo 17, 3-7;
Salmo 94, 1-2.6-7.8-9;
Carta de São Paulo aos Romanos 5, 1-2.5-8;
João 4, 5-42.
COR LITÚRGICA: ROXA
A água,
princípio de vida, é presença marcante na liturgia quaresmal. Celebrar a
eucaristia é aproximar-se de Jesus, dom do Pai e fonte de água viva para a vida
eterna. Vamos beber do poço que é o próprio Cristo, para que nos sustente na
busca da vida plena.
Antífona da
entrada: Tenho os
olhos sempre fitos no Senhor, porque livra os meus pés da armadilha. Olhai para
mim, tende piedade, pois vivo sozinho e infeliz (Sl 24,15s).
Oração do dia
Ó Deus, fonte de toda misericórdia e de toda bondade,
vós nos indicastes o jejum, a esmola e a oração como remédio contra o pecado.
Acolhei esta confissão da nossa fraqueza para que, humilhados pela consciência
de nossas faltas, sejamos confortados pela vossa misericórdia. Por Nosso Senhor
Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. T. Amém.
1. Situando-nos
brevemente
No Ano A, a partir do terceiro domingo da Quaresma, a
liturgia da Palavra assume uma vertente mais claramente batismal, acompanhando
gradativamente os catecúmenos a celebrar a iniciação cristã na grande Vigília
Pascal, e toda a comunidade a redescobrir e renovar a graça da própria
iniciação. Esta é, pois, um processo dinâmico que nos acompanha ao longo da
vida, até a páscoa, passagem definitiva da morte à vida plena no Senhor,
constituída por nosso “êxodo” pela morte natural.
O primeiro e o segundo domingo, nos três ciclos A, B, C,
tem em comum a narração de Jesus tentado o deserto e o evento de sua
transfiguração: clara alusão à frágil situação humana, marcada pela original
criação à imagem e semelhança de Deus, mas exposta à tentação da
autossuficiência. Deus, porém, não abandona seus filhos e os chama a recuperar
aquela beleza original, através da conformação a Jesus, na sua páscoa de morte
e ressurreição.
A partir do terceiro domingo, as leituras e em
particular os textos do evangelho iluminam os vários aspectos do processo
interior que a participação na Páscoa de Jesus, através da iniciação cristã,
ativa em nós.
No diálogo com a mulher de Samaria (3º domingo), Jesus
revela a si mesmo como a água viva que alimenta a existência da pessoa. Desvela
que a nascente desta água perene se encontra dentro do poço profundo e obscuro
da própria pessoa, pela presença e pela energia vital de seu Espírito.
O próprio Jesus é a luz: ele mesmo deixa vislumbrar a
meta da vida humana e ilumina o caminho. Com o dom do Espírito, Jesus não
somente cura, no batizado, a cegueira do pecado, mas também cria nele a
capacidade da visão, para enxergar a vida e avaliar as coisas, segundo a
verdade de Deus (4º domingo – curo do cego de nascença).
O encontro com Jesus na fé, acolhendo com amor e
confiança sua presença de amigo e sua palavra, ativa, no batizado, o princípio de
vida nova, a vida segundo o Espírito, que é início de ressurreição desde o
presente (5º domingo – ressurreição de Lázaro).
A Quaresma, com o dinamismo interior que se exprime na
estrutura ritual, constitui um precioso itinerário espiritual. As celebrações
dos domingos, com a sucessão das características próprias, desenvolvem uma
pedagogia espiritual capaz de sustentar o crescimento pessoal de cada um e o
caminho de toda a comunidade do povo de Deus.
2. Recordando a
Palavra
As três leituras apresentam uma situação de vida na qual
cada um pode, facilmente, reconhecer seu próprio caminho. Uma surpreendente
pedagogia divina acompanha e estimula o crescimento rumo à plena libertação de
toda humana ilusão.
A sede, como a fome, constitui uma das experiências mais
traumáticas da vida humana. A procura para satisfazer suas exigências a
transforma em potente motor que impele a pessoa a uma contínua busca, até que
seja satisfeita. Nesta luta para a vida, se encontra, porém, a tentação de se
apegar a tudo o que parece dar resposta imediata ou de buscar solução no
passado.
Diante da aridez do deserto, Israel desconfia das
promessas de Deus, se queixa de insuportável fadiga e sonha com a água e a
carne que o Egito lhe garantia, embora em condição de escravidão. Contudo o
Deus de Israel é o Deus que constrói o futuro, não somente do passado, é o Deus
da libertação, ano o Deus da escravidão. Ordena a Moisés que vá para frente e
promete que ele mesmo estará lá, pronto a operar novas maravilhas. “Passa
adiante do povo (...) Toma a vara com que feriste o rio Nilo. Eu estarei lá,
diante de ti sobre o rochedo (...) Ferirás a pedra e dela sairá água para o
povo beber” (1ª Leitura: Ex 17,5-6).
Jesus estará sempre à frente dos discípulos no caminho
para Jerusalém, renovando seu compromisso com a missão recebida do Pai, e
pedindo aos discípulos para “segui-lo”, sem voltar atrás (Lc 9,51-62). Ele está
sempre diante de nós e nos convida a segui-lo.
O Salmo Responsorial (Sl 94) constitui a clássica
reflexão sobre a peregrinação de Israel no deserto, marcada por inúmeras
oportunidades de experimentar a fidelidade e a potencia de Deus e por repetidos
endurecimento do coração do povo, incapaz de se abrir ao futuro de Deus., No
contexto da Quaresma, este salmo constitui um convite vigoroso a valorizar este
tempo de graça, como tempo rico de novas oportunidades de conversão e de crescimento
na relação com o Senhor.
Na Carta aos Romanos (2ª Leitura), Paulo destaca a
gratuidade da iniciativa com a qual Deus estabeleceu conosco uma relação de
autentica renovação em Cristo Jesus, derramando nos nossos corações seu
Espírito, princípio de vida nova, fundamento da esperança e penhor da plena
participação em sua vida. “Por ele, só tivemos acesso, pela fé, a esta graça na
qual estamos firmes, mas ainda não ufanamos da esperança da glória de Deus. E a
esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dados” (Rm 5,2.5).
Jesus, em seu encontro com a mulher samaritana junto do
poço de Jacó (evangelho), revela a absoluta liberdade com a qual ele se doa a
todos e a cada pessoa. Ao mesmo tempo, com delicada pedagogia, ele faz a mulher
passar da procura de solução insuficiente às exigências mais elementares da
vida, como a água, para a atenção aos mais profundos anseios de verdade, de
beleza e de vida, que estão em seu coração, escondidos dela mesma.
O próprio Jesus se faz mendicante e companheiro de
procura. “Dá-me de beber”. O gesto de proximidade guia a mulher a descer às
profundidades do poço que se encontra nas entranhas de sua própria experiência.
“Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu
lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4,10). Ela, com surpresa, descobre
que o sedento estrangeiro está, de fato, lhe oferecendo uma água que não se
pode recolher dentro do balde e sim no coração. “Mas quem beber da água que
darei, nunca mais terá sede (...) Senhor dá-me dessa água...” (Jo 4, 14-15).
Tal invocação recebe em resposta, a abertura de uma
perspectiva ainda mais inesperada: participar do novo culto a Deus em Espírito
e plenitude, superando toda divisão e redução aos critérios religiosos humanos:
“Mas vem a hora, e é agora, em que os que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e verdade” (Jo 4,23).
Os discípulos são conduzidos a percorrer um caminho de
abertura e conversão aos critérios de Deus, parecido com o caminho feito pela
mulher de Samaria. Com estranhamento ao encontrar Jesus falando com a mulher
estrangeiras, porém solícitos para que o mestre como algo depois de tanta
fadiga da viagem, eles são conduzidos por Jesus a mudar de horizonte: “Eu tenho
um alimento para comer, que vós não conheceis (...) O meu alimento é fazer a
vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obra.” (Jo 4, 32.34).
Esta mudança de horizonte constitui a passagem/ páscoa
que os discípulos terão dificuldade a cumprir em si mesmo, até que o Espírito
converta o coração deles e o próprio Jesus lhes abra a mente depois da
ressurreição. Os discípulos, iluminados e fortalecidos pelo Espírito,
conseguirão dar testemunho de Jesus, somente depois da Páscoa.
A mulher samaritana, ao contrário, parece mais
disponível a deixar-se guiar pela novidade extraordinária encontrada em Jesus,
e inicia imediatamente a dar testemunho dele. “Muitos samaritanos daquela
cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher que testemunhava:
“Ele me disse tudo o que fiz”” (Jo 4,39).
Ela se torna a “primeira evangelizadora”, antecipando,
profeticamente, o alegre anúncio da ressurreição, dado por Maria Madalena e
pelas mulheres aos discípulos, na madrugada de Páscoa.
3. Atualizando a
Palavra
A sociedade moderna se torna sempre mais secularizada e
espiritualmente árida. Para muitas pessoas, Deus é o “ausente”. Uma recente
análise sobre a situação da pessoa na sociedade atual destaca, todavia, que o
homem contemporâneo, mesmo no drama de suas situações existenciais, espera, de
maneira confusa, conhecer e encontrar o Deu dos viventes e que dá a vida. Ele
sente nostalgia da presença de Deus. Sofre a sede do infinito, embora, muitas
vezes, não consiga dar este nome à água que está procurando para saciar sua
sede.
A nostalgia nasce das desilusões deixadas pelo que foi
imaginado e seguido como “deus”, capaz de satisfazer a sede de sentido da
existência, tão frágil e quase desertificada interiormente. “Em mim desfalece o
meu espírito, meu coração se consome (...) A ti estendo minhas mãos, como a
terra seca, anseio por ti” (Sl 143, 4.6).
O Batismo mergulha o cristão na nascente da água viva,
que continuará a fecundar toda a sua existência.
Experiência de plenitude, e simultânea urgência de uma
sede insaciável, expressão de uma fé, às vezes incipiente, que cresce com o
progresso do amor, e leva consigo a
força para perseverar na esperança. “Ao pedir à samaritana que lhe desse de
beber, Jesus lhe dava o dom de crer. E, saciada sua sede de fé, lhe acrescentou
o fogo do amor” (prefácio do domingo). A esperança, ao longo do caminho, não
decepciona em sua tensão rumo à plenitude, pois “o amor de Deus foi derramado
em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (2ª Leitura, Rm 5,5).
Jesus dá testemunho do amor de Deus para com todos os
homens e mulheres, qualquer que seja a condição deles. Até os “samaritanos”, os
diversos, os problemáticos, os excluídos, segundo as categorias sociais e
religiosas vigentes, as destinatários deste amor divino que “tem sede” de todos
e a todos oferece a possibilidade de encontrar a “água que dá vida”, aquela
quem no fundo, eles estão procurando mesmo em seus desvios.
Ao pedir à mulher da Samaria água para saciar sua sede,
é o próprio Jesus a se aproximar, partilhando a mesma fraqueza e a mesma
necessidade dela e de todo homem e mulher. Com seu gesto, desperta a
consciência da samaritana para a procura mais profunda, que ela traz consigo, e
acaba oferecendo à sua fé o manancial perene do Espírito eu brotará dentro dela
mesmo (Jo 4, 13-15).
“Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados
dos fardos, e vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos
meus, porque sou manso e humilde de coração, e encontrarei descanso para vós.
Pois meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mt 11,28-30).
Esta mesma atitude de Jesus está no centro dos gestos e
da cotidiana pregação de Papa Francisco, impelindo a Igreja
Inteira a assumi-la com os homens e mulheres do nosso
tempo, para que eles possam se encontrar com o coração de Jesus, Alguns
bem-pensantes ficam escandalizados, achando que assim se vai enfraquecer a
força das leis da Igreja...como acontecia com Jesus.
4. Ligando a Palavra
com ação litúrgica
Na preparação das oferendas para a Eucaristia, há um
pequeno rito talvez percebido por poucos, sobretudo em seu significado
simbólico. É o gesto com o qual o sacerdote derrama algumas gotas de água não
cálice, misturando-as com o vinho. A água representa nossa frágil realidade
humana que se abre ao Senhor, como no mistério da encarnação. O vinho e a água
misturados são apresentados ao Senhor, para que, pela força vital de sua
Palavra e do Espírito Santo, sejam transformados no sangue vivo de Cristo que
sacia a sede de seu povo, pois é a páscoa do Senhor a nascente perene da água
viva.
Jesus abre esta animadora perspectiva também para o
caminho da nossa vida. Um caminho sujeito a tantas provações, tentações,
fadigas e ate desvios, como testemunha a dura experiência de Israel no deserto,
embora já tivesse experimentado a fiel providencia de Deus (1ª Leitura – Ex 17,
3-7).
No fundo de si próprio, porém, este incerto vagar guarda
a saudade de sua nascente e de sua meta, mesmo quando acaba perdendo o contato
com a nascente da água viva, para construir, com suas próprias mãos, cisternas
rasgadas, atraído por projetos que se revelam inconsistentes e vazios, como
lamenta o profeta Jeremias (Jr 2,5).
O salmista, porém, interpreta, com esperança, o que
permanece no fundo do coração e que pode abrir novos caminhos: “Minha alma tem
sede de Deus, do Deus vivo: quando hei de ir ver a face de Deus?” (Sl 42,3).
De onde estamos atingindo nossa água: do manancial vital
do Espírito que fica jorrando dentro de nós ou das cisternas rasgadas que o
mundo nos proporciona? A sede da posse sem medida, a cobiça na exploração dos
recursos ambientais estão desertificando a vida do home, as relações entre as
pessoas e os povos, ameaçando o desenvolvimento sustentável.
Ainda pior. O tráfico cruel das pessoas chupa, sem
piedade, o sangue inocente das vítimas, como nos lembra a Campanha da
Fraternidade de 2014. Participando do único cálice do sangue precioso de Cristo
na Eucaristia, somos transformados pelo Espírito Santo no único corpo vivente
de Cristo, solidários uns com os outros.
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