"Tendo Jesus descido da montanha, uma
grande multidão O seguiu. Eis que um leproso aproximou-se e prostrou-se
diante d'Ele, dizendo: ‘Senhor, se queres, podes curar-me'. Jesus
estendeu a mão, tocou-o e disse: ‘Eu quero, sê curado'. No mesmo
instante, a lepra desapareceu" (Mt 8, 1-3).
Quem, ao folhear as sagradas páginas da
Bíblia, deparando-se com a realidade sublime dos milagres efetuados pelo
Divino Salvador, não quereria haver estado lá para, influenciado por
aquela atmosfera carregada de bênçãos, ser também objeto da bondade do
Homem-Deus?
Mas o que são os milagres?
"A ordem admirável do céu estrelado
apregoa e canta a glória de Deus e nos manifesta a inteligência infinita
do Criador. Felizes os que sabem escutá-los!".
Assim como o homem
utiliza-se da palavra para comunicar-se com os demais, Deus utiliza-se
das criaturas para falar aos homens, fazendo destas um subsídio eficaz
para atender à sede de infinito que Ele próprio imprimiu nas almas, à
maneira de um instinto sobrenatural. Entretanto, é preciso estarmos
atentos e sabermos escutar a voz de Deus que nos chama ao conhecimento
d'Ele.
E como o homem, guiado pela razão
natural, pode chegar a algum conhecimento de Deus por meio de signos e
efeitos sensíveis, também "por meio de certos efeitos sobrenaturais,
chamados milagres, ele será levado a um certo conhecimento sobrenatural
das coisas da Fé".
Assim, há uma economia de signos que nos
revelam a presença de Deus entre nós. E nesta imensa constelação de
manifestações divinas, o milagre não é uma manifestação de algo sem
sentido ou que contrarie a natureza, mas desvela uma ação divina. 3 Na
verdade, são "sinais do poder e da liberdade de Deus. Eles representam
uma perfeição desejada e, em muitos casos (notadamente as curas), uma
conclusão da natureza".
Não que Deus resolvesse mudar a reta ordem da
natureza que Ele próprio criou, uma vez que cada criatura é o que é e
como deveria ser. Contudo, "o fim último e remoto do milagre não pode
ser outro senão Deus mesmo. Em todas as obras exteriores que Deus
realiza, é impossível - porque seria contrário à ordem - que Ele se
proponha outro fim que não seja a sua glória, naturalmente acidental e
extrínseca".
Ora, não podemos imaginar que, ao
realizar um milagre, Deus tivesse apenas por princípio corrigir uma
lacuna na ordem dos seres criados. Seria equipará-Lo a um inábil
artista, que, tendo pintado de modo imperfeito um quadro, quisesse
aperfeiçoá-lo para não cair em descrédito a obra de suas mãos. Ou,
ainda, como um bom compositor que quisesse constantemente mudar as
melodias de acordo com o bel prazer de sua vontade. Evidentemente tais
atitudes são incabíveis em Deus.
O milagre é o ponto onde a natureza -
por vezes imperfeita e necessitada - encontra-se com a grandeza de uma
ordem superior: a ação de Deus, que a completa e embeleza. Por este
motivo, os milagres também encerram em si um fim altíssimo: a salvação
eterna dos homens, pelo fato de os elevarem à consideração de seu fim
sobrenatural. A Divina Providência, não contente em dar a conhecer os
ensinamentos de seu amor, concede-nos ainda sinais, para que neles
creiamos e a amemos ainda mais.
O pensamento antigo acerca do milagre se
fundamentava em Santo Agostinho, que o definia como "todo acontecimento
insólito que manifestamente ultrapassa a espera ou as capacidades
daquele que o admira".
E São Tomás chama milagre "o que é cheio de
admiração, no sentido de que a causa fica absolutamente oculta para
todos. Esta causa é Deus. Portanto, as coisas feitas por Deus fora das
causas por nós conhecidas, são chamadas de milagres".
(Ir. Maria Cecília
Lins Brandão Veas, EP)
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