19º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor; quem comer deste pão
viverá eternamente.
A liturgia do 19º Domingo do
Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da preocupação de
Deus em oferecer aos
homens o “pão” da vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a
prescindirem do orgulho e da autossuficiência e a acolherem, com reconhecimento
e gratidão, os dons de Deus.
A primeira leitura mostra como
Deus Se preocupa em oferecer aos seus filhos o alimento que dá vida. No “pão
cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as
forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude
para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para
testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
O Evangelho apresenta Jesus como
o “pão” vivo que desceu do céu para dar a vida ao mundo. Para que esse “pão” sacie
definitivamente a fome de vida que reside no coração de cada homem ou mulher, é
preciso “acreditar”, isto é, aderir a Jesus, acolher as suas propostas, aceitar
o seu projeto, segui-lo no “sim” a Deus e no amor aos irmãos.
A segunda leitura mostra-nos as
consequências da adesão a Jesus, o “pão” da vida… Quando alguém acolhe Jesus
como o “pão” que desceu do céu, torna-se um Homem Novo, que renuncia à vida
velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver no caridade, a exemplo de
Cristo.
A cena apresenta-nos um Elias
abatido, deprimido e solitário face à incompreensão e à perseguição de que é
alvo. O profeta sente que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e
que a sua luta o conduziu a um beco sem saída; sente medo e está prestes a
desistir de tudo… O pedido que o profeta faz a Deus no sentido de lhe dar a
morte (vers. 4) reflete o seu profundo desânimo, desilusão, angústia e
desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o profeta é um homem e que
está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua fragilidade e da sua
finitude.
No entanto, Deus não está longe e
não abandona o seu profeta. O nosso texto refere, neste contexto, a solicitude
e o amor de Deus, que oferece a Elias “pão cozido sobre pedras quentes e uma
bilha de água” (vers. 6). É a confirmação de que o profeta não está perdido nem
abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. A
cena garante-nos a presença contínua de Deus e o seu cuidado com aqueles que
chama e a quem dá o alimento e o alento para serem fiéis à missão, mesmo em
contextos adversos. Repare-se como Deus não anula a missão do profeta, nem
elimina os perseguidores; mas limita-Se a dar ao profeta a força para continuar
a sua peregrinação.
Alimentado pela força de Deus, o
profeta caminha durante “quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus,
o Horeb” (vers. 8). A referência aos “quarenta dias e quarenta noites” alude
certamente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex 24,18), onde se
encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei; também pode
aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a
Terra Prometida. Em qualquer caso, esta peregrinação ao Horeb – o monte da
Aliança – é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de Israel como
Povo de Deus… Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar
a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta de Jahwéh e como
defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai.
ATUALIZAÇÃO
• No quadro que o texto nos
apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia,
marcado pela decepção e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua
impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu
de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter
de continuar. “Este” Elias testemunha essa condição de fragilidade e de
debilidade que está sempre presente na experiência profética. É um quadro que
todos nós conhecemos bem… A nossa experiência profética está, muitas vezes,
marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes,
é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia
e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos
nossos limites, da nossa finitude que nos assusta… Como responder a um quadro
deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade e de debilidade? A
solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a
enfrentar o drama da desilusão e da decepção?
• O nosso texto garante-nos que
Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No “pão
cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as
forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude
para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para
testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo
parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso,
é em Deus que temos de confiar e é n’Ele que temos de colocar a nossa segurança
e a nossa esperança.
• Como nota marginal, atentemos
na forma de actuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do
profeta, nem Se substitui ao profeta… O profeta deve continuar a sua missão,
enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus “apenas” alimenta o
profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a
Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto
nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu… O nosso Deus não Se
substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua acção a
nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que
precisamos d’Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos
o caminho a seguir.
• A “peregrinação” de Elias ao
Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para
recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes,
encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de reencontro com
Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa “paragem” não será
nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus
e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos
confiou.
Pelo Batismo, cada cristão
tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito, recebeu um sinal ou selo
que prova a sua pertença a Deus. Tem, portanto, de viver em consequência e de
expressar, nas suas ações concretas, a vida nova do Espírito. A exortação a
“não contristar” o Espírito (4,30) deve entender-se como “não decepcioneis o
Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo com o homem velho”.
Em concreto, o que é que implica
ser “morada do Espírito”?
Significa, por um lado, que os
vícios do “homem velho” (o azedume, a irritação, a cólera, o insulto, a
maledicência e toda a espécie de maldade – 4,31) devem ser eliminados da vida
do cristão. Repare-se como todos estes “vícios” dizem respeito ao mundo da
relação com os irmãos: o cristão deve evitar qualquer ação que se oponha ao
amor.
Significa, por outro lado, pautar
toda a vida por atitudes de bondade, de compaixão, de perdão, de amor, tendo
Cristo como o modelo de vida (4,32).
O que fundamenta todas estas
exortações é o facto de os crentes serem “filhos bem amados de Deus”; por isso,
devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus. Como exemplo concreto, os
crentes têm diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado de Deus que, cumprindo
os projetos do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos homens (5,1-2).
ATUALIZAÇÃO
• Pelo Batismo, os cristãos
tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O
Batismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma
obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de compromisso com
os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a família de
Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o
compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores
de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito “como o
Pai do céu é perfeito” (cf. Mt 5,48)?
• Para os batizados, o modelo do
“Filho amado de Deus” que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A
vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projetos do Pai e no amor
total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz)
expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos
irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de
bondade sem fronteiras, de perdão sem limites… Dessa forma, Jesus foi o
paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus
filhos. Como é que me situo face a esse “modelo” que é Jesus? Como Ele, vivo
numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder
positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do
egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos
irmãos?
• Seguir Cristo e ser um Homem
Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações
com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os
rancores, os insultos, as violências, a má-língua, a inveja, os orgulhos
mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses “vícios”
são manifestações do “homem velho” que não cabem na existência de um “filho de
Deus”, cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos
cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos
deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela
mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com
o compromisso que assumimos no dia do nosso Baptismo e a cortar a nossa relação
com a família de Deus.
Os interlocutores de Jesus não
aceitam a sua pretensão de Se apresentar como “o pão que desceu do céu”. Eles
conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai é José, conhecem a sua mãe e
a sua família; e, na sua perspectiva, isso exclui uma origem divina (vers. 41).
Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus Se arrogue a pretensão de
trazer aos homens a vida de Deus.
Em lugar de discutir a questão da
sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo que está por detrás da
atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é feita: eles não têm o
coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os desafios de Deus… O
Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o “pão” de Deus para
dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas certezas, amarrados às
suas seguranças, acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e vazio,
já decidiram que não têm fome de vida e que não precisam para nada do “pão” de
Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher Jesus, “o pão que desceu do
céu” (vers. 43-46). Eles não escutam Jesus, porque estão instalados num esquema
de orgulho e de autossuficiência e, por isso, não precisam de Deus.
Para aqueles que, efetivamente, O
querem aceitar como “o pão de Deus que desceu do céu”, Jesus traz a vida
eterna. Ele “é”, de facto, o “pão” que permite ao homem saciar a sua fome de
vida (“Eu sou o pão da vida” – vers. 48). A expressão “Eu sou” é uma fórmula de
revelação (correspondente ao nome de Deus – “Eu sou aquele que sou” – tal como
aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a validade da
proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Jesus e à proposta que Ele veio
apresentar (“quem acredita” – vers. 47) encontra a vida definitiva. O que é
decisivo, neste processo, é o “acreditar” – isto é, o aderir efetivamente a
Jesus e aos valores que Ele veio propor.
Essa vida que Jesus está disposto
a oferecer não é uma vida parcial, limitada e finita; mas é uma vida verdadeira
e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus estabelece um paralelo entre o
“pão” que Ele veio oferecer e o maná que os israelitas comeram ao longo da sua
caminhada pelo deserto… No deserto, os israelitas receberam um pão (o maná) que
não lhes garantia a vida eterna e definitiva e que nem sequer lhes assegurava o
encontro com a terra prometida e com a liberdade plena (alimentada pelo antigo
maná, a geração saída da escravidão do Egito nunca conseguiu apropriar-se da
vida em plenitude e nem sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que
buscavam); mas o “pão” que Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a
alcançar a meta da vida plena (vers. 49-50). “Vida plena” não indica aqui,
apenas, um “tempo” sem fim; mas indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade
única, com uma qualidade ilimitada – uma vida total, a vida do homem plenamente
realizado.
Jesus vai dar a sua “carne” (“o
pão que Eu hei-de dar é a minha carne” – vers. 51) para que os homens tenham
acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará aqui a referir-se à
sua “carne” física? Não. A “carne” de Jesus é a sua pessoa – essa pessoa que os
discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os dias, em gestos concretos
de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa “pessoa” revela-lhes
o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus,
manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida,
através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.
ATUALIZAÇÃO
• Repetindo o tema central do
texto que refletimos no passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é
proposto nos convida a acolher Jesus como o “pão” de Deus que desceu do céu
para dar a vida aos homens… Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é
uma afirmação de circunstância, mas um facto que condiciona a nossa existência,
as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras,
com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como
chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa
vida? É à volta d’Ele que construímos a nossa existência? O projeto que Ele
veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos
em cada instante?
• “Quem acredita em Mim, tem a
vida eterna” – diz-nos Jesus. “Acreditar” não é, neste contexto, aceitar que
Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas
a propósito da sua mensagem… “Acreditar” é aderir, de facto, a essa vida que
Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos projetos do Pai, segui-lo
no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria
vida – como Ele fez da sua – uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração,
a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento
ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objetividade, que “acredito” em Jesus?
• No seu discurso, Jesus faz
referência ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em
marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva, não lhes
transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o
“pão” que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná
pode representar aqui todas essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a
nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis,
ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram vida
plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa
segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário
aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso
aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de
felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando
como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública
dominante continuamente nos oferecem…
• Porque é que os judeus rejeitam
a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-lo como “o pão que desceu do
céu”? Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas,
prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e
estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela
novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível,
rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas
formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância.
Esta “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de opinião do mundo
judaico não é assim tão rara… Todos nós temos alguma tendência para a
acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por
esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias
política ou religiosamente corretas, de catecismos muito bem elaborados mas
parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem
arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os
desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as
nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que
nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e
disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso
encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer
a vida em abundância.
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