3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
24
de janeiro de 2016
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“Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir”
Lc 4,21
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Leituras: Neemias 8, 2-4a.5-6.8-10;
Salmo 18B; Primeira
Carta de São Paulo aos Coríntios 12, 12-30;
Lucas 1, 1-4;
4,14-21.
Iniciamos hoje a proclamação do
evangelho de Lucas, o evangelista que vai nos acompanhar durante este ano C da
Liturgia. Jesus encontra-se na sinagoga de Nazaré, sua terra natal, para início
de seu ministério e revelação do seu programa de evangelização. Ele
apresenta-se na sinagoga de Nazaré sem títulos nem poderes. Define-se por
aquilo que faz. Hoje a Igreja continua a obra de Cristo. Que neste Ano Santo da
Misericórdia “a Igreja se faça eco da Palavra de Deus que ressoa forte e
convincente, como uma palavra e um gesto de perdão, apoio ajuda, amor” (MV 25).
1. Situando-nos
Neste terceiro domingo do Tempo Comum tem início a proclamação
do Evangelho segundo Lucas, considerado o Evangelho dos pobres, das mulheres,
do Espírito, da prática da misericórdia e que vai conduzir o itinerário
espiritual da liturgia dominical no chamado Ano C.
Celebrando o mistério de sua manifestação, vamos hoje acompanhar
Jesus num culto semanal na sinagoga de Nazaré, onde Ele participa, exercendo o
ministério de leitor. Motivado pela palavra da Escritura, Ele dá início à sua
missão e faz a apresentação-síntese de seu programa de vida e ação: o anúncio
da Boa-Nova aos pobres, aos que ase4 abrem ao dom de Deus.
Somos convidados a proclamar, na força do Espírito Santo, a
Boa-Nova em palavras e ações, criando condições para que toda pessoa humana se
torne Teófilo: “amigo (a) de Deus” ou “aquele (a) que ama a Deus” e para que o
“dia da Graça”, tempo de partilha e liberdade, seja hoje.
2. Recordando a Palavra
A liturgia deste domingo coloca no centro da nossa reflexão a
Palavra de Deus: ela é, verdadeiramente, o centro à volta do qual se constrói a
experiência cristã. Essa Palavra não é uma doutrina abstrata, para deleite dos
intelectuais; mas é, primordialmente, um anúncio libertador que Deus dirige a
todos os homens e que encarna em Jesus e nos cristãos.
O Evangelho deste domingo está composto pelo prólogo de Lucas
(cf. 1,1-4) que justifica e explica o relato que ele faz dos fatos já contados
por outros evangelistas. Lucas não é testemunha ocular e por isso serve-se de
tradições dos que conviveram com Jesus. A segunda parte do Evangelho é a
apresentação pública de Jesus na sinagoga de Nazaré. Jesus vem impulsionado
pela força do Espírito. Como era de seu costume, participa do rito semanal da
sinagoga, que compreendia a oração de Shemá (cf. Dt 6, 4-9), a leitura da Lei
(Pentateuco) e dos profetas, seguida de um comentário homilético.
Jesus faz a leitura do profeta Isaías. Lucas diz que Jesus
“encontrou” aquela passagem. Lendo a profecia Ele encontrou o seu programa de
vida e o significado da sua missão: ser consagrado pelo Espírito do Senhor,
para realizar a libertação final, assumindo a situação dos pobres e oprimidos e
proclamando do ano da graça (cf. Lv 25).
Jesus atualizou a Escritura Sagrada em sua vida, em sua
atividade iniciada no Batismo e terminada na cruz. Ele proclama a Palavra com
tal expressão, que todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele.
Enfim, no Evangelho, apresenta-se Cristo como a Palavra que se
faz pessoa no meio dos homens, a fim de levar a libertação e a esperança às
vítimas da opressão, do sofrimento e da miséria. Sugere-se, também, que a
comunidade de Jesus é a comunidade que anuncia ao mundo essa Palavra
libertadora.
Na primeira leitura, exemplifica-se como a Palavra deve estar no
centro da vida comunitária e como ela, uma vez proclamada, é geradora de
alegria e de festa. O mesmo ritual, renovando a Aliança de Deus com o povo,
vemos nesta leitura de hoje. Esdras retorna, com um grupo de judeus do exílio
da Babilônia (458 a.C.). Dois meses depois, convoca os repatriados para
renovação da Aliança. O centro não será mais o sacrifício no Templo, que já não
existia, mas a proclamação e a escuta da Palavra.
O contexto é de um povo sofrido, tentando a reconstrução da
cidade de Jerusalém e o renascimento da identidade nacional. Trata-se de um ato
litúrgico, em praça pública, em território não sagrado, por iniciativa do povo.
O sacerdote Esdras faz a leitura solene do Livro da Lei. Neemias e Esdras dizem
ao povo que este é um dia consagrado ao Senhor e não deviam ficar tristes nem
chorar. Era dia de festa. Conclamam o povo que na refeição deveriam dar uma
parte aos que nada tem. Todos deviam ficar alegres, porque a alegria do Senhor
é a força do povo. Ouvir a Palavra e comer juntos, um único ato de culto!
O Salmo 19 (18) canta o valor mais importante da Lei, louva o
Senhor por ter revelado sua Palavra. O Salmo da celebração é de estilo
sapiencial conferindo vários nomes à Palavra: lei, testemunho, preceitos,
mandamentos, julgamentos, decisões. São seis palavras acompanhadas por um
desses adjetivos, respectivamente: perfeita, firme, retos, transparente, puro,
verdadeiros. Tudo para expressar o mesmo conteúdo. A Palavra de Deus é melhor
que o ouro mas puro! É mais doce que o mel!
A segunda leitura tirada da 1ª. Carta aos Coríntios 12,12-30, apresenta
a comunidade gerada e alimentada pela Palavra libertadora de Deus: é uma
família de irmãos, onde os dons de Deus são repartidos e postos ao serviço do
bem comum, numa verdadeira comunhão e solidariedade. Recorda-nos a unidade que
através do Batismo se estabelece entre os cristãos: somos membros do Corpo de
Cristo. E como membros, somos diferentes, com funções e ministérios diversos
entre nós. A multiplicidade dos membros estabelece o pluralismo na unidade.
Partilhamos uma existência comum, pois, “todos nós bebemos de um único
Espírito” (12,13) que habita em nós.
Na parte final do texto, Paulo apresenta uma espécie de
hierarquia dos “carismas”. Obviamente, os “carismas” apresentados em primeiro
lugar são os que dizem respeito à Palavra, ao anúncio da Boa Nova (“apóstolos”,
“profetas”, “doutores”). Isso significa que o corpo de Cristo é,
verdadeiramente, a comunidade que nasce da Palavra e que se alimenta da
Palavra: tudo o resto passa para segundo plano, diante da Palavra criadora e
vivificadora que Deus dirige à comunidade.
No entanto, também aqui não podemos esquecer o que Paulo disse atrás: todos os
membros do corpo desempenham funções importantes para o equilíbrio e harmonia
do conjunto e para a consecução do bem comum.
3. Atualizando a Palavra
Jesus realiza plenamente as Escrituras, anunciando a Boa-Nova
aos pobres, a liberdade aos que se encontram aprisionados, a vista aos que não
enxergam, a liberdade aos oprimidos. Assim ele cumpre o ano da graça do Senhor,
proclamando a salvação integral do ser humano, ou seja, a libertação de todas
as formas de opressão. O olhar fixo nas palavras e nas ações de Jesus, nos conduzem
a fixar nossas forças no serviço ao Reino da vida.
O mesmo Espírito que conduziu Jesus ao deserto (cf. Lc 4,1),
agora o impele para o meio do povo marginalizado – na Galileia, terra dos
excluídos. Ele anda nomeio do povo, participa de sua vida empobrecida,
suscitando esperança e vida nova.
Na Sinagoga descortina-se o programa da missão de Jesus, em
favor de toda espécie de desfavorecidos da vida, como diz o Papa Francisco,
“dos descartáveis da sociedade”.
O ponto de partida é o texto de Isaías 61, 1-2. O profeta
anônimo que, como um “escolhido de Deus” possui o seu Espírito. Sua missão
consiste em proclamar a “boa notícia” de que a libertação chegou ao coração e à
vida de todos os prisioneiros do sofrimento, da opressão, da injustiça, do
desânimo e do medo. O que é mais significativo, no entanto, é a “atualização”
que Jesus faz desta profecia: Ele se apresenta como o “profeta” que Deus ungiu
com o seu Espírito, a fim de concretizar essa missão libertadora.
O Evangelho de Lucas ressalta, em particular no texto de hoje, a
consciência que Jesus de que foi investido do Espírito de Deus e enviado para
pôr fim a tudo o que rouba a vida e a dignidade do ser humano. A nossa
civilização, há 21 séculos, conhece Cristo e a essência da sua proposta. No
entanto, o nosso mundo continua a multiplicar e a refinar as cadeias
opressoras. Quais são os motivos?
Somos convidados a ler o testemunho de Jesus e continuá-lo no
hoje de nossas vidas. Todos somos batizados no Espírito de Jesus. O nosso
espaço e tempo, nossas atividades e atitudes expressam a força do Espírito de
Jesus, questionando e salvando a humanidade, a começar pelos pobres, cegos,
presos, oprimidos, para colocar a história na marcha para o “na da graça do
Senhor”.
Lucas anuncia também, neste texto programático, o caminho futuro
da Igreja e as condições da sua fidelidade a Cristo. A comunidade que crê, toma
consciência, através deste texto, de que a sua missão é a mesma de Cristo e
consiste em levar a “boa notícia” da libertação aos mais pobres, débeis e marginalizados
do mundo. Ungida pelo Espírito para levar a cabo esta missão, a Igreja cumpre o
seguimento de Jesus.
A exemplo de Jesus, hoje, a Igreja é convocado a ser sinal e
instrumento da misericórdia do Pai a todos os homens e todas as mulheres. “Por
isso, o Ano Santo deverá manter vivo em nós o desejo de levar a Misericórdia os
que sofrem, aos que estão sem esperança de serem perdoados, de serem amados
pelo Pai” (Papa Francisco).
A nossa civilização, há vinte e um séculos que conhece Cristo e
a essência da sua proposta. No entanto, o nosso mundo continua a multiplicar e
a refinar as cadeias opressoras. Porque é que a proposta libertadora de Jesus
ainda não chegou a todos?
Que situações hoje, à minha volta, me parecem mais dramáticas e
exigem uma ação imediata (pensar na situação de tantos imigrantes de leste ou
das ex-colônias; pensar na situação de tantos idosos, sem amor e sem cuidados,
que sobrevivem com pensões de miséria; pensar nas crianças de rua e nos sem
abrigo que dormem nos recantos das nossas cidades; pensar na situação de tantas
famílias, destruídas pela droga e pelo álcool, etc.?
Como ressoa hoje a Palavra e a prática de Jesus em nossas
comunidades? Como nós estamos hoje vivenciando o projeto fundamental de Jesus
que ouvimos no Evangelho de hoje? A lei que nos conduz é realmente a lei de
Deus, ou fizemos muitas leis que não libertam das opressões físicas, econômicas
e políticas, de acordo com a Boa Notícia trazida por Jesus de Nazaré?
4. Ligando a Palavra com a ação eucarística
A celebração é para nós, o “hoje” da salvação, torna presente a
ação libertadora de Cristo que vem em auxílio de nossa fraquezas e limitações e
nos põe em comunhão com seu projeto.
Também hoje, Cristo está presente com sua Palavra, pois é ele
mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na Igreja (cf. SC, n.7).
Cristo Cabeça da Igreja é o Cristo Senhor, o Cristo-Palavra que convoca e
recria a assembleia, edifica o Corpo eclesial, com inúmeros dons e ministérios.
É Ele que unifica a multiplicidade e a diversidade dos membros em um só Corpo e
gera a unidade da fé. A Palavra torna-se corpo, carne e espírito para nossa
vida.
Na celebração reunidos em comunidade de irmãos, ouvindo, sendo
interpelados e aderindo à Palavra que é o próprio Jesus, damos graças nos
oferecendo com Ele ao Pai e recebemos o mesmo Espírito que o ungiu e o
consagrou como Messias. Ele nos capacita para proclamar, justi8ça e
solidariedade que trazem vida, liberdade e salvação.
Participando do sacramento de seu Corpo e Sangue, vamos progressivamente
assimilando seu programa missionário, sendo no mundo sinais da misericórdia do
Pai.
“Como outrora aos discípulos (hoje), ele nos revela as
Escrituras e parte o pão para nós” (Oração Eucarística para diversas
circunstâncias).
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