SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE - 31 de maio de 2015
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“Batizai-os em nome do Pai, e do Filho e do
Espírito Santo”
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Leituras:
Deuteronômio
4,32-34.39-40;
Salmo 32 (33), 4-6.9.18-19.20.22 (R/ 12b);
Carta de São Paulo aos
Romanos 8, 14-17;
Mateus 28, 16-20.
COR LITÚRGICA: BRANCA OU DOURADA
A festa
da Santíssima Trindade é como um convite a um olhar para trás, a fazer uma
síntese. Agora, após ter vivido intensamente o tempo do Natal e o tempo da
Páscoa, a liturgia nos convida a contemplar o rosto do Deus que se revelou na
vida de Jesus e no início da Igreja. A liturgia nos fez reviver novamente estes
acontecimentos, a fim de que Deus não seja a memória de um passado sempre mais
longínquo, mas se torne para nós presença viva e atual, abrindo sempre mais
novas e ricas perspectivas de futuro.
1. Situando-nos brevemente
Neste domingo (depois de Pentecostes) retomamos o Tempo Comum
que se estenderá até as vésperas do 1º Domingo do Advento.
Hoje, celebramos a solenidade da Santíssima Trindade. Celebrar
esta solenidade, justamente no domingo depois de Pent4costes, pode ser
interpretado como um agradecido olhar retrospectivo sobre cumprimento da
salvação – mistério que, segundo a antiga teologia dos Santos Padres, é
realizado pelo Pai, através do Filho, no Espírito Santo (BERGAMINI, A. Cristo desta da Igreja. São Paulo, Paulinas, 1994, p.
427).
Celebrar o mistério da Trindade desperta em nós, “povo reunido pela unidade do Pai, do
Filho e do Espírito Santo”, o desejo de abrir-se a tão grande mistério. A
iniciativa é sempre d’Ele, que se manifesta, se revela e se dá a conhecer.
2. Recordando a Palavra
O Evangelho de Mateus pertence à narrativa da páscoa da
libertação, a entrega total de Jesus (cap. 26-28), na qual culmina toda a obra
de Mateus. A “Galileia das nações” era uma região estratégica que favorecia ao
cesso de povos diversos e também a dominação, como a dos assírios no passado
(2Rs 15,29). Jesus realizou grande parte de seu ministério na Galileia,
especialmente junto às pessoas mais sofridas e marginalizadas. Desde 4,12-25
até 19,1, quando partiu para a Judeia, Ele anunciou a Boa-Nova do Reino de Deus
na região da Galileia e reuniu, à sua volta, um grupo de discípulos,
comprometidos com sua missão libertadora.
A promessa do encontro com Jesus na Galileia, antes de sua morte
(26,32), é confirmada na manhã da Páscoa (Mt 28,7.10). Iluminados pelo caminho
pascal, “os discípulos foram para a Galileia, à montanha que Jesus lhes havia
indicado”. A montanha é o lugar especial da revelação de Deus. Na montanha,
Jesus foi tentado (4,8), ensinou (5,1; 8,1; 24,3), orou (14,23), curou os
doentes e alimentou os famintos (15,39), foi transfigurado (17, 1.9). A
montanha, no texto de hoje, sublinha a expectativa da realização plena do Reino
de Deus. Jesus se revela como o Filho do Homem, a quem é dado todo o poder (Cf.
Dn 7,13-14; Rm 1,4). Com essa autoridade divina sobre o céu e a terra,
plenificada na Páscoa, Jesus envia seus seguidores e promete-lhes sua presença
permanente.
Os discípulos reconhecem Jesus como o Senhor, o Kyrios através
de um gesto de adoração: “Quando o viram,
prostraram-se” (Mt 28, 17). Eles experimentam Jesus “vivo” em seu meio, de
mo especial enquanto permanecem unidos na oração (18,20), e na missão solidária
(25,35). Jesus ressuscitado revela o sentido da missão universal. “Ide, pois,
fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em no do Pai, e do Filho e
do Espírito santo. Ensina-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenador”
(28,19-20). A missão aos gentios, indicada de modo especial em 2,1-12, realiza-se
plenamente através dos discípulos chamados a transcender os limites de Israel
(10,5-15).
O apelo para fazer discípulos é acompanhado de dois particípios:
ensinando e batizando. Os novos discípulos devem ser iniciados em uma
comunidade nova pelo ensino e “Batismo no
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Jesus também foi batizado no
Espírito (3,16) e realizava o ministério em comunhão com Pai: “Quem me viu, tem
visto o Pai. Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14, 9.10). O testemunho
do encontro com Cristo na Palavra, na oração; o coração aberto ao mundo, aos
horizontes de Deus, despertam novos discípulos.
Para permanecer no caminho da escuta e na prática dos
ensinamentos, propostos especialmente nos cinco grandes discursos: sermão da
montanha (cap. 5-7); missão (cap. 10); parábolas (13,1-52); comunidade eclesial
(cap. 18) e vigilância na espera da vinda definitiva do Reino “Eis que estou
convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (28,20). Jesus, o Emanuel, o Deus
conosco (Cf. 1,23; Cf. Is 7,14) conduz seus seguidores até a realização plena
de seu reinado, o “cumprimento de toda a justiça” (3,15), missão confiada pelo
Pai em seu batismo (3,13-17) e que proporciona novas relações de comunhão e
fraternidade.
A leitura do livro do
Deuteronômio convida a reconhecer a presença salvadora do Deus solidário junto
ao povo oprimido. A formação do livro do Deuteronômio ajuda a entender o texto,
“O núcleo central do Deuteronômio (12, 1-26,19), possivelmente já ampliado
pelos escribas e sacerdotes de Jerusalém e já contendo 4,44-28,68, emerge como
o ‘Livro da Lei’ encontrado no templo (2Rs 22,8-20). A cidade e o templo de
Jerusalém são arrasados em 587 a.C. e milhares de judaístas são exilados para a
Babilônia.
A fim de responder ao contexto do exílio e/ou inícios do
pós-exílio, o Deuteronômio será finalizado, recebendo nova introdução
(1,1-4,43), outra conclusão (28,69-30,20) e mais um apêndice, com a despedida e
morte de Moisés (31, 1-34,12) (Cf. Nova Bíblia Pastoral, p.197-198).
Deuteronômio 1, 1-4,43, ao qual pertence nosso texto, apresenta
um resumo da história de Israel desde o Horeb até o Jordão. A partir desse
contexto, 4, 32-40, na perspectiva de Isaías 40-55, mostra que o povo exilado
na Babilônia procura fortalecer sua fé no Senhor, como o Deus único e
verdadeiro e celebrá-Lo através do culto. A contemplação da história salvífica
“desde o dia em que Deus criou o ser humano sobre a terra” (4,32) leva a
reconhecer que o Senhor é o Deus próximo que estabelece a aliança e caminha com
o povo. Diante das maravilhas da salvação, o povo compromete-se a guardar os
mandamentos do Senhor e meditá-lo no coração.
O Salmo 32 (33) é um hino de louvor a Deus por sua palavra e
ação, que se manifesta na criação e na caminhada do povo. Em Jesus Cristo, a
palavra criadora e eterna do Pai, o projeto salvífico universal de Deus ara
toda a humanidade chegou à plenitude.
A leitura da carta aos Romanos reflete sobre a vida nova no
Espírito, que nos torna filhos e herdeiros de Deus em Cristo. Por meio do
Batismo recebemos o espírito de filhos, que nos possibilita chamar Deus de
Abba, expressão aramaica que Jesus utiliza para falar com o Pai (Mc 14, 36),
assim como as crianças se dirigiam carinhosamente aos pais. Como filhos e
herdeiro, conduzidos pelo Espírito que liberta, somos impelidos a testemunhas a
vida em Cristo mediante relações de misericórdia e solidariedade.
Paulo, na Carta aos Romanos, escrita por volta do ano 57 ou 58,
durante sua terceira viagem missionária, sublinha que a salvação é dom gratuito
do amor de Deus. Diante da fragilidade do ser humano (1,18-3,20), Deus revela
sua bondade que salva através de Jesus Cristo (3,21-5,11). A adesão ao projeto
salvífico leva a participar da vida nova no Espírito (5,12,8,39), que
proporciona a identificação com Cristo e a experiência de comunhão filial como
Pai.
3. Atualizando a Palavra
Os discípulos, iluminados pela Páscoa de Jesus, ensinam a
exercer uma missão universal, destinada a todos os povos, sem preconceitos.
Eles mostram que o ensino e o Batismo, duas fases essenciais da iniciação
cristã, qualificam o ministério a serviço do Reino. O discípulo era instruído a
acolher e praticar as palavras e os gestos de Jesus, mediante o caminho do
catecumenato. O Batismo selava a comunhão do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito
santo. Jesus promete estar presente em todos os que seguem seu projeto “até o
fim dos tempos”, até a vinda do Reino de Deus em sua plenitude.
A Trindade celebra o amor do Pai, manifestado no dom gratuito do
Filho e na ação do Espírito Santo. O Papa Francisco sublinha que a solenidade
da Santíssima Trindade apresenta à nossa contemplação e adoração à vida divina
do Pai, do Filho e do Espírito Santo: vida de comunhão e amor perfeito, origem
e meta de todo o universo e de todas as criaturas em Deus. Na Trindade,
reconhecemos também o modelo da Igreja,
à qual fomos chamados para nos amarmos como Jesus nos amou. O amor é o sinal
concreto que manifesta a fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Ele é o
distintivo do cristão, como Jesus nos disse: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns
aos outros” (Jo 13, 35).
Somos todos chamados a testemunhar e anunciar a mensagem de que “Deus é amor”, que Deus não será
distante nem é invisível às nossas vicissitudes humanas. Ele está próximo de
nós sempre ao nosso lado, caminha conosco partilhando nossas alegrias e dores,
esperanças e desânimos.
Ama-nos tanto e a tal ponto que se fez homem, veio ao mundo não
para julgar, mas para que o mundo seja salvo por meio de Jesus (Jo 3, 16-17). Este
é o amor de Deus em Jesus, este amor tão difícil de entender, mas que o
sentimos quando nos aproximamos de Jesus. Ele perdoa-nos sempre, espera-nos
sempre, ama-nos muito. O amor de Jesus que sentimos é o amor de Deus.
O Espírito Santo, dom de Jesus Ressuscitado, comunica-nos a vida
divina e, deste modo, nos faz entrar no dinamismo da Trindade, que é amor,
comunhão, serviço recíproco e partilha. Uma pessoa que ama os outros pela
própria alegria de amar é reflexo da Trindade. Uma família na qual todos se
amam e se ajudam uns aos outros é um reflexo da Trindade. Uma paróquia na qual
os fieis se amam e partilham os bens espirituais e materiais é um reflexo da
Trindade. A Eucaristia é como a “sarça ardente” na qual humildemente a Trindade
habita e se comunica? Por isso a Igreja celebra a festa de Corpus Christi
depois da Trindade.
Relembrando a formula trinitária usada no Batismo cristão “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito
Santo”, somos chamados a renovar nosso compromisso de comunhão e vida com o
mistério do amor de Deus. Por meio da Palavra e da oração, mas, sobretudo, com
nossa vida cristã e nosso testemunho, anunciamos a mensagem libertadora de
Jesus que desperta novos discípulos para o Reino. A ação do Espírito Santo, que
recorda as palavras e os gestos compassivos de Jesus (Jo 14, 16), nos conduz a
anunciar o Evangelho com a ousadia de Paulo que afirma: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16).
4. Ligando a Palavra com ação
litúrgica
O amor da Trindade Santa nos gerou para uma vida nova.
Mergulhados na água, fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.
Inseridos neste mistério de amor, somos convocados a nos reunir
para bendizer a Santíssima Trindade, como reza a antífona de entrada: “Bendito seja Deus Pai, bendito o Filho
unigênito e bendito o Espírito Santo. Deus foi misericordioso para conosco”.
A oração litúrgica é dirigida ao Pai, pelo Filho, no Espírito
Santo. Já iniciamos a celebração em nome do Pai, e do Filho e do Espírito
Santo. A Trindade Santa nos reúne e nos une na celebração e na vida. Como
afirma a Carta aos Romanos (8,16-17); “O
próprio Espírito se une ao nosso espírito, atestando que somos filhos de Deus.
E, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de
Cristo; se, de fato, sofremos com ele, para sermos também glorificados com
ele”.
De rito em rito, vamos mergulhando no mistério inefável que nos
toca e nos transforma em pessoas novas, ressuscitadas.
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