Belo como todas as passagens do rosário, o 4º Mistério Gozoso focaliza o resgate
do Menino Jesus e a purificação de Nossa Senhora. Esses dois atos se passam
dentro da casa do Senhor, o Templo de Jerusalém.
À
espera do Messias, glórias e vicissitudes do Templo de Jerusalém.Quase
seis séculos antes tinha sido arrasado esse edifício. Indispensável fora
aproveitar a primeira ocasião para reconstruí-lo. Essa nobre tarefa
coube a Zorobabel, chefe da Casa de Davi e antepassado de Cristo (515
a.C.). Entretanto, quão mais grandioso havia sido o esplendor daquele
Templo "em sua primeira glória"! - afirmara o profeta Ageu, ao vê-lo
reerguido.
Na
época de Salomão, a inauguração do Templo havia se dado com pompa e
majestade. Logo depois "uma névoa enchera a casa do Senhor, e os
sacerdotes não podiam ter-se de pé nem fazer as funções do seu
ministério por causa da névoa, porque a glória do Senhor tinha enchido a
casa do Senhor. Então disse Salomão: O Senhor declarou que habitaria
numa névoa. Eu edifiquei esta casa para tua morada, para teu trono
firmíssimo para sempre" (1 Rs 8, 10-13).
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Apresentação do Senhor Paróquia Santa Maria Hermosa - Veneza
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Mas agora, "não parece ele, aos vossos olhos, como uma coisa de nada?" - perguntava Ageu ao povo (Ag. 2, 3).
A
consternação se abateu sobre todos os que ouviam a recriminação de Deus
pelos lábios de seu profeta. Mas logo suas faces se tornaram mais
luzidias do que nunca: "Porque isto diz o Senhor dos exércitos: Ainda
falta um pouco, e eu comoverei o céu e a terra, o mar e todo o universo.
Abalarei todas as nações, e virá o desejado de todos os povos; e
encherei de glória esta casa. .... Minha é a prata, meu é o ouro .... A
glória desta casa será maior que a da primeira .... e darei a paz neste
lugar" (Ag. 2, 7-10).
O cumprimento da profecia
Quem
poderia imaginar a cena na qual a profecia de Ageu se cumpriria? O
Templo na glória de sua inauguração, ou na esperança da hora de sua
reconstrução, jamais acolheu alguém mais importante: o próprio Criador
Menino, nos braços de sua Mãe, para ser oferecido ao Pai!
Tem
Ele já o pleno uso da razão, apesar de ainda tão criança. Quais teriam
sido, então, seus pensamentos ao cruzar o portal daquele sagrado
edifício? Grande emoção humana num Coração Infante e Sagrado, que ardia
em desejo de se oferecer como vítima expiatória. Já ao ser concebido por
obra do Espírito Santo no claustro de sua Mãe, esse ofertório se
efetivara. Durante os trinta anos em Nazaré, a vida do Cordeiro de Deus
foi uma constante renovação desse ato supremo da entrega de Si próprio
em holocausto, que atingiu seu ápice no Calvário. É o que afirma São
Paulo: "... entrando no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício, nem
oblação, mas me formaste um corpo .... Em seguida ajuntou: Eis que venho
para fazer, a tua vontade .... Foi em virtude desta vontade de Deus que
temos sido santificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de
Jesus Cristo." (Hb. 10, 5, 9-10)
Mas
foi quando Simeão, representante do povo judeu, tomou o Cristo nos
braços para entregá-Lo ao Pai, que a oferenda ganhou um caráter oficial.
O sacerdote se uniu a Cristo nesse momento, ou vice-versa? É um belo
problema teológico. Com inteira propriedade exclama Frei Luís de
Granada:
"Cristo
não só se oferece ao Pai, mas por meio de Maria é entregue à Igreja,
representada por Simeão. Maria .... nos entrega o melhor que possui. A
Santíssima Trindade ratifica essa doação, pois o Pai assim havia
disposto, o Filho se oferecera para nosso remédio e o Espírito Santo
trouxe Simeão.
"Hoje
é-nos entregue oficialmente em lugar público o Templo; por pessoa
pública, Maria .... Correi, pois .... e aprendei na escola desse Menino
como, sendo Deus tão elevado, agradam-Lhe os corações humildes no céu e
na terra" (Obra selecta de Fray Luis de Granada, 1.3, c.15, p. 763 e
764).
O ensinamento de Maria Virgem para nós
Quanto
à Purificação da Virgem Maria, está ela adstrita à Lei Mosaica (Lv.
12). Nenhum dos requisitos da Lei precisava cumprir Maria. Entretanto
assim procedeu a Mater Ecclesiae, para, entre outras razões, ensinar-nos
com que amor e carinho devemos seguir as leis da Igreja. Ela fará o
oferecimento dos pobres: "um par de rolas, ou dois pombinhos".
"A
rola", dirá São Tomás (Summa Theologica, III - q. 37, a. 3), "com seu
contínuo canto significa a pregação e confissão da fé; ave casta e
solitária, recorda essas duas virtudes. A pomba, mansa e feita de
simplicidade, amiga de viver em coletividade, representa a vida ativa; a
perfeição, portanto, da comunidade formada por Cristo e seus membros.
Rolas
e pombos com seus gemidos nos falam do suspi rar contínuo dos santos
pela vida futura. Enquanto a rola solitária significa o gemido da oração
sereta, a pomba, animal gregário, geme em público, como a oração da
Igreja. Oferecem-se dois animais que simbolizam a Igreja. Oferecem-se
dois animais que simbolizam a dupla santidade: a do corpo e a da alma"
(ad 2 e 3).
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Apresentação de Jesus por Giovanni F de Rimini Museo-Louvre - Paris |
O
famoso Beda, anteriormente a São Tomás, já afirmara representar a pomba
a candidez, por amar a simplicidade, e a rola, a castidade, porque, se
perde sua companheira, não procura outra (in homil. Purificat.)
Simeão, varão de fé e de discernimento
"Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Este homem era justo e temente a Deus..." (Lc. 2, 25).
É bem o elogio e a essência correspondentes a um varão santo. São as características de uma ancianidade perfeita.
"... esperava a consolação de Israel ..." (idem).
É
muito adequado o comentário de Santo Ambrósio a esse respeito. O velho
Simeão não procurava a graça tão-só para si; ele a queria para todo o
povo. Compreendia, portanto, dessa forma quão mais importante é a graça
para a coletividade do que para uma só pessoa. Era um varão conhecedor
do papel relevante da opinião pública.
Era
um homem de grande fé. Cria nas promessas de Deus. De grande
discernimento, pois sabia ser a libertação do pecado o consolo do povo, e
não o mero término das opressões estrangeiras.
"... e o Espírito Santo estava nele" (idem).
É
o que se passa com toda alma em estado de graça. Mas, aqui, São Lucas
parece querer indicar algo de mais profundo, ou seja, destacar que se
trata de um verdadeiro profeta, conforme melhor transparecerá mais
adiante, na promessa recebida e no fato de ter sido guiado ao encontro
com Jesus e Maria.
"Tinha-lhe
sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria sem primeiro ver o
Cristo do Senhor" (Lc. 2, 26). Não paira a menor dúvida de que se
tratava de uma revelação mística e clara.
A
promessa de ver a Cristo Jesus também nos foi feita. Para tal
acontecer, é necessário imitar Simeão, ser justo, temer a Deus e esperar
contra toda a esperança.
"Impelido pelo Espírito Santo, foi ao Templo" (Lc. 2, 27).
Tratava-se
de uma alma que havia alcançado os píncaros da união transformante.
Deixava-se conduzir pelo Espírito. "E levando os pais o menino Jesus,
para cumprirem a respeito dele os preceitos da lei..." (idem)
Não
nos esqueçamos de que o esposo era senhor e dono de todo fruto de sua
mulher. Jesus pertencia a José, e, assim, este era mais que um pai
adotivo.
Graça maior do que ter o Menino Jesus nos braços
"... tomou-O nos braços..." (Lc. 2, 28)
Que
graça extraordinária! Talvez depois de São José, Simeão tenha sido o
primeiro varão a gozar dessa indizível felicidade. Deus lhe deu mais do
que prometera.
São
Beda assim se expressa sobre esta passagem: "Aquele homem recebeu o
Menino Jesus em seus braços, segundo a lei, para demonstrar que a
justiça das obras, que, segundo a Lei, estavam figuradas pelas mãos e os
braços, devia ser substituída pela graça, humilde certamente, mas
revigorante, de fé evangélica. Tomou o ancião o Menino Jesus, para
demonstrar que este mundo, já decrépito, ia voltar à infância e à
inocência da vida cristã" (Beda, in homil. Purificat.).
Porém,
nós ainda recebemos mais do que Simeão, pois, na hora da comunhão,
nossa união com Cristo é muito mais íntima. Que Simeão nos obtenha a
graça de comungar diariamente como ele mesmo teria gostado de fazê-lo.
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A nossa íntima união com Cristo através da Sagrada Eucaristia é uma graça ainda maior do que a de receber nos braços o Menino Jesus |
"... e louvou a Deus nestes termos: Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz" (Lc. 2, 29).
Mais
uma vez transparece por suas próprias palavras, a fidelidade desse
varão. Certamente suas forças estiveram para abandoná-lo várias vezes.
Quais não devem ter sido suas súplicas a Deus para que não falhasse em
sua divina promessa? Quantas vezes não terá sido provado: "Será que
agora morrerei sem ter visto o Messias?"
Não O vimos, nem O vemos, mas, na Eucaristia, podemos unir-nos a Ele mais intimamente do que Simeão. Que felicidade a nossa!
Um Salvador para todos os povos
"... luz para iluminar as nações, e para glória de teu povo" (Lc. 2, 32)
Sim,
as outras nações não haviam recebido a Revelação. A glória cabia ao
povo judeu; aos demais devia ser concedido o conhecimento da chegada do
Salvador. Nesse momento estavam a caminho os três Reis Magos, que dariam
ocasião à manifestação da missão universal do Menino Deus, a Epifania.
"Seu pai e sua mãe estavam admirados das coisas que se diziam" (Lc. 2, 33).
Assim
haviam estado ao constatarem as manifestações angélicas e a presença
dos pastores na gruta em Belém. A mesma admiração se repetirá na chegada
dos Reis do Oriente. Discerniam ambos a glória futura da Civilização
Cristã, promovida pelo oferecimento de Jesus.
"Simeão os abençoou e disse a Maria, sua mãe" (Lc. 2, 34)
Cabia-lhe abençoar, pois era da raça de Levi, sacerdote, portanto. É à co-redentora que ele se dirige.
Sinal de contradição, para se revelarem os segredos dos corações
"Eis
que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e de
soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal de
contradição" (Lc. 2, 34)
No
primeiro livro de suas homilias (hom. 15, De purificatione Beatae
Mariae: PL 94, 79-83), São Beda, o Venerável, assim se expressa:
"Com
júbilo ouvem-se essas palavras, que exprimem haver sido destinado o
Senhor a conseguir a ressurreição universal, conforme o que Ele mesmo
disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida; o que crê em mim, ainda que
esteja morto, viverá' (Jo 11, 25).
"Mas
quão terríveis soam aquelas outras palavras: Eis que este Menino está
destinado a ser uma causa de queda! "Verdadeiramente infeliz aquele que,
depois de haver visto sua luz, fica, sem embargo, cego pela névoa dos
vícios... porque, segundo o Apóstolo (2 Pd. 2, 21), ‘melhor fora não
terem conhecido o caminho da justiça, do que, depois de tê-lo conhecido,
tornarem atrás, abandonando a lei que lhes foi ensinada'.
"Contradizem-No
os judeus e gentios, e, o que é mais grave, os cristãos que,
professando interiormente o Salvador , desmentem-No com suas ações."
"... a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações" (Lc 2, 35).
Continua São Beda:
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Rainha dos Mártires, Nossa Senhora sofreu com Cristo, por Cristo, em Cristo
Nossa Senhora das Dores, Igreja de São Jorge, Vigoleno, Itália
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"Antes
da Encarnação, estavam ocultos muitos pensamentos, mas uma vez nascido
na terra o Rei dos céus, o mundo se alegrou, enquanto Herodes ‘se
perturbava e com ele toda Jerusalém'. Quando Jesus pregava e
prodigalizava seus milagres, enchiam-se as turbas de temor e
glorificavam o Deus de Israel; mas os fariseus e escribas acolhiam com
raivosas palavras quantos ditos procediam dos lábios do Senhor e quantas
obras realizava.
Quando
Deus padecia na cruz, riam com alegria nécia os ímpios, e choravam com
amargura os piedosos; mas, quando ressuscitou dentre os mortos e subiu
aos céus, mudou-se em tristeza a alegria dos maus, e se converteu em
gozo a pena dos amigos..." (S. Beda: ut supra).
Ainda
hoje e até o Juízo Final, os cristãos, outros Cristos, são "sinais de
contradição" e, em função deles, revelar-se-ão os pensamentos escondidos
nos corações de muitos.
Maria, co-redentora, e o amor às nossas cruzes
"E uma espada transpassará tua alma" (Lc 2, 35) .
Maria
é co-redentora do gênero humano. Essa profecia de Simeão, Ela já a
conhecia. Mais ainda, estaria gravada em seu espírito até a ressurreição
de Jesus. Ela é a Rainha dos Mártires e, desde a Anunciação, sofreria
com Cristo, por Cristo e em Cristo.
Nós
somos convidados neste trecho do Evangelho a dar um caráter de
holocausto às dores que nos forem permitidas pela Providência. Tenhamos
amor às cruzes que nos cabem, unindo-nos a Jesus e a Maria nessa
grandiosa cena da apresentação.
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