QUARTA-FEIRA DE CINZAS
10
de fevereiro de 2016
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“Convertei-vos e Crede no Evangelho”
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Leituras:
Joel 2, 12-18;
Salmo 50
(51);
Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios 5, 20-6,2;
Mateus 6, 1-6.16-18.
COR
LITÚRGICA: ROXA
Com esta celebração de cinzas
iniciamos nossa caminhada quaresmal rumo à Páscoa do Senhor. As cinzas
simbolizam a penitência. A quaresma, a qual estamos dispostos a entrar e a
vivenciar como cristãos é um tempo penitencial por excelência. As cinzas não
apagam nossos pecados, não perdoam nossos pecados, mas nos fazem reconhecer
pecadores e necessitados de conversão, de voltar a caminhar nos caminhos de
Deus.
Para isso a Campanha da
Fraternidade nos ajuda nesta conversão apresentando um tema para nossa
reflexão. Este ano será ecumênica, ou seja, feita em conjunto com outras
Igrejas cristãs que fazem parte do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs
(CONIC). Fala sobre o saneamento básico.
O tema é: “Casa comum, nossa
responsabilidade”, com o lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr
a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24). Que o direito ao saneamento
básico seja assegurado a todos.
1. Situando-nos
Animados pela fé, iniciamos o Ciclo Pascal que tem a Quaresma
como tempo de preparação. A Quaresma é o tempo que precede e predispõe à
celebração da Páscoa: festa central do ano litúrgico.
O Papa Francisco nos faz um apelo: “A Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo
forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus” (Idem). O Senhor
nunca se cansa de ter misericórdia de nós, e quer nos oferecer uma vez mais o
seu perdão, todos precisamos disso, convidando-nos a voltar a Ele com um
coração novo, purificado do mal, purificado pelas lagrimas, para tomar parte da
sua alegria” (PAPA FRANCISCO, Homilia da Quarta-feira, 18 de fevereiro de
2015).
O início da Quaresma é marcado com o rito da imposição das
cinzas. Ela advém do antigo ritual com que os pecadores convertidos se
submetiam à penitencia canônica. O gesto de se cobrir de cinzas tem o sentido
de reconhecer a própria fragilidade e mortalidade, que necessita ser redimida
pela misericórdia de Deus. Longe de ser um gesto puramente exterior, a Igreja o
conservou como símbolo da atitude do coração penitente que cada pessoa é
chamada a assumir no itinerário quaresmal (Cf. Diretório sobre Piedade Popular
e Liturgia, n.125).
A celebração da bênção e a imposição das cinzas lembram as
palavras de Jesus: “Convertei-vos e crede
no Evangelho”. A Igreja suplica a Deus: “Derramai
a graça da vossa bênção sobre os fiéis que vão receber as cinzas, para que,
prosseguindo na observância da Quaresma, possam celebrar de coração purificado
o mistério pascal de vosso Filho” (Oração da Bênção das cinzas. Missal
Romano, p. 175-176).
Receber as cinzas, nesta quarta-feira, significa confirmar nossa
fé na Páscoa de Cristo, na reconciliação, na esperança de um estar na comunhão
do Ressuscitado. Participar do rito da imposição das cinzas, significa ainda,
como convertidos, agir para que a fé continue a ser vivida no presente,
continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança.
Neste Tempo da Quaresma, fazemos comunhão com o Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. Com elas rezamos e assumimos as
propostas da Campanha da Fraternidade Ecumênica com o tema “Casa comum, nossa
responsabilidade”, tendo como lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e
correr a justiça qual riacho que não seca” (cf. Am 5,24).
O objetivo principal é “assegurar
o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da
fé, por políticas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro
de nossa Casa Comum” (CONIC - Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016:
Texto-base. Brasília. Edições CNBB, 2015, n.7).
2. Recordando a Palavra
No começo da caminhada quaresmal, Jesus nos dirige sua Palavra
convidando-nos a seguir com Ele o caminho rumo à Páscoa. Sua Palavra, que chega
até nós pelo Evangelho de Mateus, situa-se no centro do “Discurso da Montanha” (cap.
5-7), o primeiro dos cinco grandes discursos de Jesus, assinalados por este
evangelista. Esta passagem tem como conteúdo o anúncio inicial da proclamação
do Reino de Deus. Ela deve ser lida na perspectiva da constituição do novo povo
de Deus, da nova aliança que se cumpre em Jesus, o Salvador.
Pela escuta da Palavra do Mestre e pela acolhida da misericórdia
divina revelada em Jesus, superam-se a falsidade e a infidelidade, constitui-se
o novo povo de Deus. É nesta perspectiva que podemos compreender a palavra do Evangelho
proposto para a celebração da Quarta-feira de Cinzas: os cristãos são chamados
pelo Mestre a assumirem, com fidelidade, as obras de justiça no relacionamento
com o próximo: a esmola; para com Deus: a oração; para consigo mesmo: o jejum.
A esmola, a oração e o jejum são práticas antigas e consideradas
parte dos exercícios da ascese espiritual. Elas sempre foram retomadas e
recomendadas pelos mestres a seus seguidores. Contudo, ao longo dos tempos,
estas prescrições foram corridas pelo formalismo exterior, ou se transformaram
em um sinal de superioridade social (Cf. Lc 18, 9-14).
Jesus também retoma tais exercícios e, para que respondam à sua
finalidade essencial, os enquadra na relação de intimidade com o Pai e com os
discípulos. O evangelista ressalta o contraste entre a prática sugerida por
Jesus e a dos fariseus e escribas. Para estes, tais práticas são expressão da
observância da Lei, em vista da recompensa, mesmo que não correspondam a uma
atitude interior.
Para o Mestre, a esmola, a oração e o jejum devem simbolizar a
fidelidade e a comunhão do novo povo com Deus. Sua prática deve, contudo,
evitar a busca de privilégios, poder e recompensas. Isto, além de bloquear a relação
filial com Deus, torna-se fonte de conflitos entre as pessoas. A recompensa
anunciada por Jesus não é a correspondência entre prestação de serviço e
pagamento. Ela é dom divino, salvação. Ela é o Reino prometido e oferecido a
quem, na obediência, abre-se às exigências de sua novidade.
O profeta Joel, diante das plantações devastadas pela praga dos
gafanhotos, reflete com o povo sobre a exigência de uma nova vida. A devastação
era um sinal da proximidade do dia do Senhor. O profeta incentiva o povo ao
cuidado da terra devastada e convoca todos à conversão, à penitência e à
mudança de vida. Isto não pode ser algo apenas exterior, aparente e sem
conseqüências práticas, mas deve significar uma transformação radical rumo a
Deus.
O Salmo 50 (51) constitui-se numa grande súplica pela libertação
da desgraça pessoal e social causada pelos pecados. O canto desse salmo reflete
a consciência contrita do pecador e sua confiança na ação misericordiosa de
Deus. É ela quem gera um coração novo e imprime o espírito de santidade.
Na segunda leitura de hoje, o apóstolo Paulo interpela a
comunidade: “Em nome de Cristo, nós vos
suplicamos: deixa-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Este esforço de
conversão não é somente uma obra humana, é deixar-se reconciliar pela graça. A
reconciliação entre nós e Deus é possível graças à misericórdia do Pai que, por
amor a nós, não hesitou em sacrificar o seu Filho unigênito (Cf. PAPA
FRANCISCO. Homilia da Quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015).
3. Atualizando a Palavra
Na Quarta-feira de Cinzas, quarenta dias antes da celebração da
Páscoa, a Igreja abre o tempo de penitência denominado de Quaresma. Este tempo
precede e predispõe à celebração da Páscoa. Pela meditação assídua da Palavra
de Deus, a oração e a prática da caridade, somos convidados a entrar na
dinâmica pascal da conversão que consiste na passagem da morte para a vida, das
trevas para a luz, do egoísmo e do pecado para a vitória da ressurreição. A
Igreja proclama no Prefácio da Quaresma IV: “Pela penitência da Quaresma, corrigis
nossos vícios, elevais nossos sentimentos e fortaleceis nosso espírito fraterno
e nos garantis uma eterna recompensa”.
A Quaresma é um tempo primordial de conversão, isto é, de
reconciliação com Deus e com os irmãos e irmãs. A Palavra de Deus nos convida a
rever nossos relacionamentos com Deus, com o próximo, com o mundo que nos cerca
e conosco mesmos, através da prática da oração, do jejum e da esmola. O
terceiro Prefácio da Quaresma ressalta a ação pedagógica de Deus: “Vós acolheis
nossa penitência como oferenda à vossa glória. O Jejum e a abstinência que
praticamos, quebrando nosso orgulho, nos convidam a imitar vossa misericórdia,
repartindo o pão com os necessitados”.
São Leão Magno afirma: “Aquilo que cada cristão deve realizar em
todos os tempos, agora deve praticá-lo com maiores solicitude e devoção, para
que se cumpra a norma apostólica do jejum quaresmal, que consiste na
abstinência não apenas dos alimentos, mas também e, sobretudo, dos pecados.
Além disso, a estes jejuns obrigatórios e santos, nenhuma obra pode ser
associada mais utilmente que a esmola que, sob o único nome de “misericórdia”,
inclui muitas obras boas. Imenso é o campo das obras de misericórdia (São Leão
Magno, Discurso VI sobre a Quaresma, 2: PL 54,286).
O Papa Francisco afirma: “É meu vivo desejo que o povo cristão,
durante o Jubileu sobre as obras de misericórdia corporal e espiritual. Será
uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o
drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os
pobres são os privilegiados da misericórdia divina. A pregação de Jesus
apresenta-nos estas obras de misericórdia, para podermos perceber se vivemos ou
não como seus discípulos.
Redescubramos as obras de misericórdia corporal: dar de comer
aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos,
dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. E não
esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos,
ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as
ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e
defuntos (MV, n.15).
As cinzas evocam nossa realidade humana. Através do gesto ritual
da imposição as cinzas, reconhecemos nossa fragilidade e nossa condição de
pecadores, como também a nossa disposição de caminhar para o dia maior da
ressurreição, vivendo a misericórdia de Deus, a exemplo de Cristo obediente e
ressuscitado. As cinzas, preparadas pela queima de palmas abençoadas no Domingo
de Ramos do ano anterior, lembram o Cristo vitorioso sobre a morte. Se
aceitarmos reconhecer nossa condição humana e nos transformarmos em pó, ou
seja, passarmos pela experiência da morte, a exemplo de Cristo, pela renúncia
de nós mesmos, participaremos também da vida que ressurge das cinzas.
“Lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar”, ressalta que “o
ser humano ‘formado do pó da terra’ ´e símbolo da relação que Deus quer que
tenhamos com a natureza” (CONIC. Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016:
Texto-base4. Brasília: Edições CNBB, 2015, n.126).
Ao participar da celebração da benção e da imposição das cinzas,
aderimos à dinâmica pascal. Páscoa que se vive na conversão por meio da prática
da oração, do jejum e da caridade (esmola). É o Senhor quem nos convida a
voltarmos para ele de todo coração.
Que a leitura e a meditação da Palavra de Deus, a participação
nas atividades sugeridas pela Campanha da Fraternidade, no curso da Quaresma,
nos conduzem à descoberta do rosto misericordioso do Pai!
4. Ligando a Palavra com a ação
eucarística
Com a celebração da imposição das cinzas, iniciamos o Tempo Quaresmal,
ouvindo o convite do Senhor: “Convertei-vos! O Reino de Deus está no meio de
vós”. A proclamação e escuta da Palavra de Deus, as orações, as ações simbólicas
nos possibilitam experimentar a bondade infinita de Deus, como reza a antífona
de entrada: “Ó Deus, vós tendes compaixão de todos e nada do que criastes
desprezais: perdoai nossos pecados pela penitência, porque sois o Senhor nosso
Deus” (antífona da entrada da Quarta-feira de Cinzas).
Na caminhada quaresmal, somos convidados a experienciar o Deus
que acolhe nossa penitência, corrige nossos vícios, cuida de nós
incansavelmente, fortifica nosso espírito fraterno, nos dá a graça de sermos
nós também misericordiosos.
Hoje, na celebração da Eucaristia, nós nos oferecemos com Cristo
ao Pai, pelo Espírito Santo. Que o sacramento pascal recebido na mesa da
Palavra e na mesa da Eucaristia nos ajude a fazermos de nossa vida uma oferta
agradável a Deus, especialmente pela vivência do jejum, do amor fraterno e da
oração. “Ó Deus assisti com vossa bondade a penitência que iniciamos, para que
vivamos interiormente as práticas externas da Quaresma”. (Oração da Coleta da
sexta-feira depois das cinzas).
Nos passos de Jesus, caminhando rumo à Páscoa, revivemos a
experiência daquele que a partir do batismo do Jordão caminha para o “batismo
da Sua morte” (Mc 10,38; Lc 12,50). Contemplamos o mistério do coração transpassado
e aberto do Redentor, do qual nasce a Igreja e provém toda a eficácia dos
Sacramentos; e donde promana sangue e água (Jo 19,34), símbolos da Eucaristia e
do Batismo. No Mistério Pascal, o testemunho concorde do Espírito, da água e do
sangue (1Jo 5, 5-8) que manifesta o “nascer da água e do Espírito” para entrar
no Reino de Deus (Jo 3,5).
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