1. Batizado
nas águas do Jordão, Jesus parte sozinho para o deserto, a fim de se
preparar, para a bem dura prova da sua missão pública. Curiosamente, a
palavra “deserto” (midbar), na língua hebraica, tanto pode significar
“lugar solitário”, como traduzir esta afirmação: “Eu falo”. Nesse
sentido, o deserto é, ao mesmo tempo, o lugar do silêncio e é o lugar da
Palavra, que esse silêncio nos guarda!
2. À semelhança de
Jesus, também São Paulo, depois da conversão e do batismo, partiu para o
deserto. Diz o Apóstolo: “quando aprouve a Deus revelar o seu Filho em
mim, para que o anuncie como Evangelho entre os gentios, não fui logo
consultar criatura humana alguma, nem subi a Jerusalém para ir ter com
os que se tornaram Apóstolos antes de mim. Parti, sim, para (o deserto
da Arábia e voltei outra vez a Damasco” (Gal.1,15-17).
Assim, ao seu
primeiro arrebatador e entusiástico início, seguir-se-ão, para São
Paulo, os tempos de silêncio e provação. Não estranhamos: a resposta à
vocação implica um distanciamento de muitas vozes e ruídos, uma
verdadeira experiência de escuridão, dúvida e prova (cf. Act. 9,8-9;
22,11.13). Paulo não tem pressa em anunciar. Sente a necessidade de
continuar a lavar-se por dentro, no deserto da Palavra.
Nesta perspectiva, Paulo acompanha-nos no nosso caminho com Cristo, através do
deserto. Ele serve-nos de guia espiritual, neste tempo forte, em que
somos chamados a consultar Deus, a escutar a voz íntima, para nos
convertemos a Ele, para participarmos da vida nova da ressurreição.
3.
Frequentemos então este deserto, jejuando, como Jesus, para dar
prioridade “a toda a Palavra que nos vem da boca de Deus” (Mt.4,4)!
Devíamos criar este deserto, a partir do ambiente austero e silencioso
das nossas famílias. Porque não, pais e filhos, combinarem um tempo de
silêncio e Oração em comum, à custa de um jejum de TV ou de uns tempos
de café? Isso obrigar-nos-á, porventura, a silenciar muitas outras
palavras, para as quais os nossos ouvidos estão bem mais dispostos e
predispostos! É dessas «palavras», do ruído de outras vozes, com que a
rádio, a televisão, a Internet, a playstation, o mp 3/4, o telemóvel,
nos distraem, que precisamos agora de jejuar, para nos oferecermos ao Senhor, como um Povo bem disposto faminto da Sua Palavra!
De
certo modo, - e este desafio é sobretudo para os mais novos - é preciso
desconectar-se um pouco das novas tecnologias da informação, diversão e
comunicação, para se “conectar mais intimamente com Deus”. Como diz um
antigo hino quaresmal, «usemos de modo mais sóbrio palavras, alimentos,
bebidas, sono e jogos, e assim permaneçamos mais atentamente
vigilantes». Tenhamos, por isso, um maior compromisso na Oração, na
“Lectio Divina”, no recurso ao Sacramento da Reconciliação e na
participação ativa na Eucaristia, sobretudo na Santa Missa Dominical. E
por que não na missa diária?! As propostas de cada semana, destinam-se a
consultar, a gravar, a viver e a rezar a Palavra, que ressoa no deserto
das nossas vidas.
4. Mas – insisto - não há deserto,
sem experiência de jejum. E nós jejuamos, não apenas, para nos
dominarmos, mas também para nos darmos aos outros. Usamos e gastamos
menos, para podermos ser e dar mais. “Escolhendo livremente privar-nos
de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em
dificuldade não nos é indiferente”. Tem particular atualidade, no atual
contexto de crise social e econômica, este jejum, que eu definiria
sobretudo por um estilo de vida mais sóbrio.
Com tantas famílias em
dificuldades, com o desemprego a deixar na miséria mesmo os mais
remediados, impõe-se um jejum. É uma espécie de «greve de fome», um
protesto solidário com os pobres, um grito silencioso contra a crise. De
facto, o jejum – nas várias formas expressivas da sobriedade de vida e
de consumo – aviva e reaviva em nós o amor, abre no nosso coração a
fonte da partilha. Não faz barulho, mas dá frutos de justiça e de
caridade.
Então, que “a Quaresma seja valorizada, em cada família, para
afastar tudo o que distrai o espírito e para intensificar o que alimenta
a alma, abrindo-a ao amor de Deus e do próximo”.
5. O
que mais importa mesmo é chegar à Páscoa, de alma e coração lavados; já
fomos lavados na água do Batismo; agora, com a crosta do tempo, teremos
de ser lavados a seco! Para isso, vamos, com Cristo, como Paulo, ao
deserto. Vamos a banhos de areia! E silêncio … que Deus está aqui tão
perto!
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