Julho /2013
Coerência entre fé e vida
Hebreus 12,1-2
Deste modo, também nós, circundados como
estamos de tal nuvem de testemunhas, deixando de lado todo o impedimento e todo
o pecado, corramos com perseverança a prova que nos é proposta, tendo os olhos
postos em Jesus, autor e consumador da fé. Ele, renunciando à alegria que lhe
fora proposta, sofreu a cruz, desprezando a ignomínia, e sentou-se à direita do
trono de Deus. (Hebreus 12,1-2)
Uma grande nuvem de testemunhas
Os crentes da Igreja primitiva
não eram numerosos, mas estavam conscientes de estarem rodeados por uma vasta
nuvem de testemunhas de fé de todas as épocas. O capítulo anterior (Hebreus 11)
menciona algumas dessas testemunhas, começando por Abel, Henoc, Noé e Abraão e
alude a outras.
Nada há de mais íntimo do que a
fé.
Mas não é verdade que acreditamos
como outros acreditaram e porque outros acreditaram em Deus antes de nós?
Encontrei cristãos em momentos
importantes da minha existência. As suas vidas pareceram-me autênticas. Vi que
eram como eu, com questões e combates similares aos meus. E eles acreditavam em
Deus.
Os argumentos a favor ou contra a
fé são como partículas e antipartículas em física. Anulam-se
mutuamente. Quase todos os argumentos a favor de Deus possuem argumentos
contrários.
É por isso que, em geral, as
discussões sobre a existência de Deus terminam num empate.
Com a crença numa pessoa, a
situação é diferente. A existência de uma pessoa não pode ser refutada como um
argumento. A sua própria existência desperta esta questão: «Se a fé em Deus
transformou e tornou coerente e autêntica a vida deste homem ou desta mulher,
não poderá esta mesma fé oferecer do mesmo modo uma autenticidade e um sentido
à minha vida?»
A «grande nuvem de testemunhas»
que nos rodeiam são pessoas de todas as épocas cuja vida foi marcada pela fé em Deus. O autor da epístola
aos Hebreus compara-as aos fãs de desporto nas bancadas dos estádios de
futebol, pessoas que já terminaram as suas corridas, mas que, contudo, não
perdem interesse nos que ainda lutam e correm. Motivam-nos e aplaudem. E desta
forma as testemunhas suportam a nossa fé.
Contudo, por mais encorajadora
que seja a presença das testemunhas, não é a elas que somos convidados a
dirigir os nossos olhos, mas em direção a «Jesus, autor e consumador da fé».
Jesus aceitou percorrer um árduo
caminho, avançar através do sofrimento e da humilhação. Aceitou ser uma simples
testemunha e não julgar. Diante de Pilatos, «deu uma bela profissão de fé» ( I
Timóteo 6,13).
O crescimento na fé deve ser
integral, abarcando todo o ser humano: a mente, coração e ação.
Fé: opção e adesão
A fé, convém recordar brevemente, é um
processo de abertura a Deus e de confiança n’Ele, processo que leva à adesão
total de minha pessoa —mente, coração, ação— a tudo quanto Ele revelou e que a
Igreja —instruída pelo Senhor e assistida pelo Espírito Santo— propõe para ser
crido[Catecismo da Igreja Católica, 1814.]. Nisto o Senhor Jesus ocupa
novamente um lugar primordial: «a verdade íntima sobre Deus e sobre a salvação
humana nos é manifestada pela revelação
em Cristo, que é, ao mesmo tempo, mediador e plenitude de toda a revelação»[ Dei
Verbum, 2].
Aceitar o Senhor, optar por crer
n’Ele, é abrir a mente à verdade que Ele revela e o coração ao amor que Ele
derrama em nossos corações, é aspirar a viver um processo que leve lentamente à
plena e fecunda adesão a Ele. A adesão ao Senhor Jesus permite o fluxo vital da
graça que, com nossa cooperação, nos leva a transformar-nos interiormente, a
conformar-nos com quem é modelo de autêntica e plena humanidade, e a dar frutos
de santidade em nossa vida cotidiana. O Senhor o explicou usando uma simples
comparação: «Eu sou a videira; vós os ramos»[ Jo 15,5.]. Todo um programa de
vida! Quem pelo amor se adere e permanece aderido a Ele, como os ramos que se
nutrem da seiva do tronco, se desenvolve, dá fruto abundante na vida cotidiana.
Ao contrário, quem se separa dele, se fecha sobre si mesmo, e com o tempo se
seca e murcha. Simplesmente assim.
Senhor, eu creio!
O Senhor Jesus, dia a dia, dirige
também uma pergunta crucial a quem se curou da cegueira que produz o pecado[Atos
26,17-18], ou seja, a todo batizado: «Crês tu no Filho do homem?».
Frente a esta pergunta cabe
apenas uma resposta certa: «Creio, Senhor!». Este é um creio adorativo que leva
ao cristão a prostrar-se diante d’Ele[Jo 9,35-38.], este é o creio que
se une ao primeiro “credo” que, ao acolher o dom do Alto, professou Pedro: «Tu
és o Cristo, o Filho do Deus vivo»[ Mt 16,16]. A fé professada por
Pedro é, convém recordar, a fé que também hoje professa a Igreja. É pela fé de
Pedro que conhecemos, e por ela que confessamos, quem é Jesus Cristo, sua
verdadeira identidade.
Esta pergunta que através dos
tempos também nos faz o Senhor hoje, não permite uma atitude indiferente,
despreocupada: pede uma resposta comprometida, dada desde nossa fome de
plenitude, nossa fome de Deus. Pede um
prostrar-se diante d’Ele com todo o ser, reconhecê-lo como Senhor[Fp
2,9-11.].
Este “Creio” exige uma aderência
total da própria pessoa, tal e como Deus a solicitou desde o princípio ao
primeiro povo eleito: «Amarás ao Senhor teu Deus com todo teu coração[O termo
hebraico lebab traduz-se literalmente por coraçaõ, que
na mentalidade semita significava não só a sede do sentimento
do amor —como costuma entender nossa cultura —, mas a totalidade
da pessoa, todo o ser.], com toda tua alma e com toda tu
força»[ Dt 6,5.]. Quando vê realmente, quando se dissipa a cegueira
que o impedia de reconhecer Quem é Ele, o homem está capaz de crer n’Ele e de
adorá-lo como Senhor. Sua adoração, se é sincera, o envolve por inteiro: corpo,
alma e espírito.
Coerência entre fé e vida
O título deste dia de oração abre
espaço a algumas perguntas: São a fé e a vida duas realidades que podem
permanecer freqüentemente desconexas uma das outras, de modo que posso afirmar
que sou cristão e comportar-me habitualmente como quem não crê?
É válido dissociar assim fé e
vida, estabelecer um “divórcio” entre ambas? Ou devo afirmar porém, que toda a minha vida, e portanto tudo
o que penso, digo e faço em minha vida cotidiana deve sempre fundar suas raízes
na fé e nutrir-se dela?
Sim, é importante compreender e
afirmar isto: a fé no Senhor Jesus necessariamente deve exercer uma crescente
influência em meus pensamentos e reflexões, em meu modo de me aproximar à
realidade e de relacionar-me com as pessoas, em meus comportamentos, em meus
sentimentos, em minhas opções cotidianas, em minhas obras.
E se descubro alguma incoerência em minha
vida, entre o que creio e o que faço, tenho o auxilio do Alto[Rm 8,26.]
e a liberdade para dizer: «Basta! Creio em Ti, Senhor, e vou ser coerente em
minha vida diária, em minha vida cotidiana, em meus afazeres cotidianos. Vou esforçar-me
dia a dia para crescer nesta coerência! E se acaso caio, me levantarei. E se
caio novamente tornarei a levantar-me quantas vezes forem necessárias, porque
creio, Senhor, que Tu és “o Caminho, a Verdade e a Vida”[ Jo 14,6.]».
Eis aí a chave: crescer em coerência. Por
isso, esta é a pergunta chave à luz da qual devo examinar-me todos os dias:
estou me esforçando realmente para ser mais coerente, para fazer com que minha
fé se faça vida cotidiana? Que meios vou colocar, para que assim seja?
As perguntas que o próprio papa
Bento XVI fez na abertura do "Ano da Fé", provavelmente, são as
mesmas que mais de um leitor já se fez alguma vez: ainda tem sentido crer, quando a
ciência e a técnica conferem ao homem uma sensação próxima da onipotência? O
homem ainda precisa da fé? A fé não humilha a razão? O que significa crer?
Razão e fé, ciência e religião
foram e são contrapostas com frequência, como se fossem inconciliáveis. Sobre
esse tema o papa João Paulo II escreveu a carta encíclica Fides et Ratio (A Fé
e a Razão), de grande profundidade, que permanece plenamente atual.
Razão e fé não precisam nem
devem, necessariamente, ser contrapostas. São duas vias de acesso à única
realidade, percebida de maneiras diferentes; abordagens diversas quanto ao
método e complementares quanto ao seu objeto, que é a verdade.
O ato de crer, no sentido
cristão, vai além da mera adesão intelectual a uma verdade, ou a um ideal ético
elevado. Tampouco se restringe à afirmação de doutrinas sobre Deus ou sobre
realidades sobrenaturais.
A fé é um dom de Deus, que se
manifesta ao homem e o atrai a si, dando-lhe a capacidade de entrar em sintonia
e diálogo com Ele. Ao mesmo tempo, é um ato que envolve plenamente o homem e o
faz reconhecer os motivos para crer e a razoabilidade da adesão livre a uma
realidade que se lhe apresenta luminosa e forte.
A fé, nesse sentido, não é um ato
irracional nem contrário à razão; nem puro sentimento, podendo ser compreendida
e explicitada com argumentos, embora não seja fruto desses argumentos.
Nossa fé está ligada a fatos e
eventos, mediante os quais Deus envolve o homem e se manifesta a ele; ao longo
da História, de diversos modos Ele veio ao encontro do homem, sobretudo por
Jesus Cristo.
A fé é, portanto, a resposta
livre e pessoal do homem a Deus; por ela nos abrimos para esse encontro
misterioso e aderimos a Deus, que é mais que uma verdade intelectual, uma
energia ou mesmo o grande caos... Ele se dá a conhecer como um "tu"
pessoal, o grande Tu, em referência ao qual tudo passa a ter uma compreensão
nova. De fato, a fé, no sentido cristão, oferece uma percepção própria da
realidade, à luz de Deus.
O ato de fé é mais que um
"crer em qualquer coisa"; é, acima de tudo, abrir-se a Deus e crer
nele e, como consequência, naquilo que decorre desse ato de fé primeiro; por
isso, a fé se traduz numa relação pessoal com esse grande Tu, que Jesus Cristo
ensinou a reconhecer como um pai e a ter com Ele uma relação filial. Apesar de
parecer a suprema ousadia da parte do homem, isso corresponde, de fato, ao
anseio mais profundo do seu coração, que consiste em relacionar-se de maneira
próxima e familiar com Deus.
No ato de crer, a dignidade do
homem não é anulada, mas supera-se a frequente tentação de contrapor Deus ao
homem. Deus não é a suprema ameaça à autonomia do homem, nem representa o
grande obstáculo para que ele seja feliz. O ato de fé em Deus, no sentido
exposto, proporciona ao homem a máxima possibilidade de compreensão dos
mistérios de sua própria existência e de seu ser.
De fato, por muito que explique o
mundo e a si mesmo pela ciência e pela filosofia, o homem não se dá por
satisfeito, nem pode abafar algumas questões de fundo, que permanecem sem
resposta: quem somos? Por que somos capazes de pensar, querer, decidir?
Que significa essa inquietude,
essa espécie de saudade interior, que nos impele a procurar a felicidade, o
amor, a liberdade, a vida, algo que nos faz falta, como se um objetivo nos
atraísse de maneira sutil, mas irresistível?
Como orientar nossas escolhas
livres para um êxito bom e feliz na vida? E a morte? Haverá algo além desta
vida?
Responder de maneira peremptória
a essas interrogações com um seco "não me interessa" seria levar
pouco a sério o próprio mistério humano e fazer um ato de fé negativo, da mesma
forma como faz um ato de fé positivo quem crê em Deus e, à sua luz, procura
compreender melhor a si mesmo e ao mundo. E a contraposição inconciliável entre
fé e razão, entre ciência e religião pode ser cômoda e simplista, levando a
reprimir as interrogações humanas mais angustiantes e a estreitar o horizonte
da compreensão do mundo e do ser humano; seria diminuir a própria dignidade
homem.
Nossa inteligência é "capaz
de Deus" e não está fechada para Ele.
Crer é um ato humano livre por
excelência, mediante o qual nos abrimos ao supremo Tu, ao Deus pessoal, e
podemos alcançar uma certeza interior não menos importante do que aquela que
nos vem das ciências exatas ou naturais. Reduzir nossa capacidade racional às
certezas verificáveis seria diminuir essa mesma capacidade.
Vamos rezar:
Citações para a oração
·
Para pedir que aumente a fé: Mc 9,24; Lc 17,5.
·
Sobre a necessidade de por em prática o que o
Senhor ensina: Mt 7,21.24-27.
·
Relação entre a fé e as obras da vida cotidiana:
Tg 2,14-24.
·
Maria é modelo de uma fé que se faz vida
cotidiana: Lc 11,27-28. Ela nos alenta a atuar conforme o que ensina seu Filho:
Jo 2,5.
·
Sobre a necessidade de crer no Senhor Jesus: Jo
3,16; Jo 3,35-36; Jo 5,23; Jo 6,40; Jo 14,6.
PARA MEDITAR
Guia para a Oração:
• Conhecer a verdade nos torna
livres: Jo 8,32
• O Senhor Jesus é a Verdade: Jo
14, 5-6; Mt 5,37
•Amar ao Senhor com todo o
coração: Mt 22,37
• O apostolado é expressão de
nosso ardor interior: Mt 5,16
• O caminho do amor filial para
viver a fé no coração: Jo 19, 25-27
Questões para rezar:
1. Eu realizo um esforço constante e cotidiano
para viver segundo a verdade revelada pelo Senhor Jesus?
2. Que conseqüências têm na minha
vida o viver segundo o meu subjetivismo e não segundo a Verdade?
3. O que é a fé integral? Como
posso crescer nela?
4. Amas ao Senhor com todo teu
coração?
5. Você está consciente de que o apostolado é
expressão de nossa experiência de encontro profundo com o Senhor Jesus e não
uma “transmissão de ideias”?
6. Conheço, pessoalmente ou
através de livros ou filmes, pessoas cuja vida foi moldada pela fé em Cristo?
De quem se tratam ? Em que momentos da minha vida foram particularmente
importantes para mim ?
7. O que significa para mim não
caminhar ou correr sozinho, mas rodeado por uma «grande nuvem de testemunhas»?
De que forma nos suportam? Como podemos ganhar consciência de que somos
suportados pelas testemunhas de fé de todos os tempos?
8. Que olhar dirijo a Jesus? Como
fazer para que não seja apenas um mestre escutado, mas para que também, um
testemunho contestado marque a minha relação com ele?
Sugestão:
Assistir os filmes:
- Refugio Secreto
-China Chora
- Romero
- O Santo Negro
- Molokai
- Dom Bosco
- São Felipe Neri
Santo Retiro +
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