DESCOBERTA DAS PROFUNDEZAS DA ALMA
Ao
mostrar-se na alma, Deus iluminou-lhe as profundezas. Despertou novas
capacidades de ver e compreender.
O
contemplativo descobre a realidade de sua alma e nela, as íntimas manifestações
de Deus.
Através de um modo novo de conhecimento, descobre em si a presença
divina e logo perceberá, de maneira quase imediata e direta, a ação de Deus.
O
homem, habituado a viver no mundo do sensível e das idéias, não pode
compreender o que seja este modo novo de conhecimento, mas a este respeito
todos os místicos cristãos e não-cristãos estão de acordo: o homem percebe a
ação divina.
O
primeiro efeito da manifestação da presença de Deus na alma é o fato de a alma
descobrir-se a si mesma, tomar consciência de sua existência.
Esta
auto-exploração da alma, de que a psicanálise detecta apenas os fragmentos, a
intuição espiritual permite realizar.
Ao
manifestar-se, a luz divina projeta uma luminosidade sobre o quadro no qual se
manifesta.
No início, a presença divina é muito velada e a alma custa a
percebê-la. À medida, porém, que esta presença faz-se mais perceptível, a alma
se torna como um centro de receptividade em relação a Deus e de atividade em
sua própria natureza.
Sob
a luz divina, a alma se vê, de repente, como um universo sem limites que parece
estender-se às dimensões do Deus que se manifesta e como um centro de
infrangível unidade em sua personalidade.
Em seu contato com o sensível, pode
facilmente ver-se a si mesma como simples centro de convergência das impressões
dos sentidos, mas, quando descobre em si a unicidade de Deus, compreende que é
o centro indefinível onde se fundem a unidade que lhe vem de Deus e a
multiplicidade que lhe advém do sensível.
É ela o ponto de convergência de tudo
o que existe.
Conforme se volte para a direita ou para a esquerda, pode
considerar-se um absoluto ou um simples reflexo da ilusão das coisas. Na
descoberta de Deus, descobre sua verdadeira unidade e seu papel de grande
incorporador do criado na consciência.
Quando
a presença de Deus invade a alma, inicialmente vê-se habitada por esta presença
e, depois, invadida por ela . . . como se, a uma profundidade maior de si
mesma, ela fosse presença . . . Mergulhada na graça divina e repleta desta
graça, vê-se como uma pessoa amada por Deus.
Na graça, descobre-se mais
centrada, mas una ...
Como
já disse, é a presença divina que, ao se mostrar na alma, ilumina-lhe as
profundezas. A alma conhece a si própria e conhece Deus numa mesma luz. Quanto
mais o "quadro" no qual a luz divina se mostra estiver
"próximo" da fonte de luz, mais a alma vê profundamente em si mesma.
Ela pode, assim, ascender até Deus pelos raios da luz divina . . . Não
consegue atingi-lo, mas poderá, por vezes, numa luz especial de Deus,
encontrar-se tão próxima dele que dirá tê-lo tocado.
Feliz
a alma que, tendo Deus atraído tão perto de si, poderá dizer: "Vi
Deus".
Diz
ter visto Deus. É preciso compreender o que tal afirmação significa, pois não
se trata de visão comum.
Ao se mostrar, Deus se deixa perceber à alma e para
tanto lhe dá os sentidos capazes de receber sua luz. É difícil explicar como se
processa este aperfeiçoamento dos sentidos. São, aliás, os sentidos, a visão e
os ouvidos do espírito que se tornam aptos a captar Deus.
A
presença de Deus em todas as coisas é um fato indubitável...
A questão é poder
fazer-se reconhecer como presença divina. Se refletirmos na própria
constituição do criado que não se segregou de Deus, compreendemos que o criado
pode, para um espírito esclarecido por Deus, tornar-se sinal da presença divina.
Se admitirmos a realidade da manifestação de Deus na humanidade daquele a que
chamamos Jesus, não existe mais problema.
Este conhecimento a que me referi
pertence à mesma ordem. Em Jesus, o homem correspondia perfeitamente ao Deus
que era.
Deus
marcou toda a criação com o sinal de sua presença. Ao homem que por muito tempo
o procurou na contemplação ele dá um sentido novo, tornando-o sensível aos
sinais de sua presença e ação. Realmente, muitas vezes a alma só vê na luz da
fé, mas acontece que a presença divina se manifesta de maneira tão forte, tão
clara, que a alma pode dizer: "Eu vejo".
Do
choque inicial que surpreende o contemplativo — pois ele é um contato profundo
e oculto — à luz total da presença, há muitos degraus. A alma caminha de luz em
luz, atravessando também grandes zonas de trevas e deserto . . .
Caminha e se
descobre ao descobrir Deus.
Um dos fatos mais extraordinários da vida mística é
esta descoberta progressiva de Deus que um dia se torna iluminação total.
Quantos místicos a desejaram e nunca a obtiveram!
De todos os caminhos, o que
passa por Cristo é o mais direto e o que conduz mais longe, acima e além de
tudo, até o coração de Deus.
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