Um amigo verdadeiro é como um tesouro, diz a Escritura. Quando o encontramos, devemos saber guardá-lo com cuidado.
Alguns personagens são difíceis de esquecer. Um desses era um antigo sacerdote, que com certeza já passara dos oitenta anos. Um homem bem interessante, que não procurava de modo algum esconder a idade; pelo contrário, ufanava-se das décadas vividas como um guerreiro, das batalhas vencidas. Magro, um pouco encurvado e locomovendo-se com certa dificuldade, possuía, no entanto, uma extraordinária vivacidade e alegria de alma, e isso muitas vezes surpreendia os jovens com quem tratava, pois freqüentemente a idéia de velhice é associada à de decrepitude e tristeza.
- Não se iluda, meu filho! As coisas boas são as novas, as velhas para nada servem...
A entonação da voz e um certo brilho maroto no olhar do esperto ancião davam a entender que ele não formulava um princípio, mas preparava algum dito de espírito. De fato, ele logo continuou:
- Na pequena aldeia onde nasci, as pessoas costumavam dizer que quatro coisas são boas quando são velhas: vinho velho para beber, madeira velha para queimar, livros velhos para ler e amizades velhas para confiar.
O sacerdote sorriu satisfeito, enquanto algumas pessoas próximas se entreolhavam, meneando a cabeça em sinal de aprovação. Quanto ao vinho, à madeira e aos livros, não há muito a discutir. Mas em que consiste exatamente o valor de uma amizade, sobretudo uma amizade entendida sob o prisma cristão?
Os homens, porém, transferem para o seu relacionamento social as qualidades e os defeitos inerentes à sua complexa natureza.
Lamentavelmente, trazemos em nós várias tendências más. Uma delas, sobremaneira dura, é o fato de o homem ser por natureza egoísta, ou seja, levado a procurar em primeiro lugar seu próprio interesse; num grau maior, a se preocupar só com seu interesse; e nos casos extremos, a ver em qualquer outro interesse um inimigo potencial...
Os anos requintam os bons vinhos e consolidam as verdadeiras amizades |
Mas para alguém chegar a ser de fato um "amigo", terá necessidade de subir muitos degraus na dura faina de escalar e transpor o mencionado muro do egoísmo. Quantos estarão dispostos a fazê-lo?
- Vamos sair.
- Eu prefiro ficar.
- Está bem... ficarei aqui contigo.
Se alguém não está disposto a fazer isso, não é um amigo.
Vamos conversar? É preciso saber calar, é preciso saber ouvir, é preciso prestar atenção num tema pouco interessante. É preciso apresentar as coisas das quais se gosta sem violentar o interesse do outro nem seqüestrar a conversa.
Saber chegar na hora certa e ir embora no momento oportuno. Estar sempre presente, mas ausentar-se quando isso for necessário. Apresentar- se como útil e solícito, mas não insinuar-se como indispensável. Ser capaz de cativar a atenção, e libertála sem custo.
O outro tem defeitos? Deve-se saber suportá-los, mas também, se necessário, apontá-los com tato, ao mesmo tempo estendendo a mão em auxílio para a correção. Sobretudo, ter sempre em vista que também somos portadores de falhas a serem emendadas.
Seu fundamento natural é a reciprocidade. Quem espera receber, precisa estar disposto a dar. Sem isso, não é algo sincero. Mas um grau superior de amizade, e que denota nobreza de alma, é quando num relacionamento se está mais disposto a dar do que a receber.
Mas ainda um passo haveria de ser dado, nessa íngreme estrada do relacionamento humano, e seria dado pelo Cristianismo. À amizade natural, já tão difícil de ser praticada, Nosso Senhor Jesus Cristo acrescentou outras exigências, chamando os homens à maior perfeição. Primeiro, pedenos amar os outros como a nós mesmos; depois, amar até mesmo quem nos maltrata; e, por fim, Se coloca a Si mesmo - Homem-Deus - como modelo do amor que todos os homens devem ter entre si: "Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei" (Jo 15, 12).
Não se pode conceber modelo mais alto e perfeito de amizade do que este para o qual nos convida o Salvador. Ele ultrapassa de muito as melhores expectativas dos antigos clássicos, pois contraria os mais arraigados costumes e defeitos humanos. Ele parece estar além do limitado alcance de nossa pobre natureza. É bem verdade! Tanta generosidade e abnegação só são possíveis com um auxílio celeste, ou seja, a graça, esse dom oferecido por Deus para elevar o homem até sua divina estatura.
A amizade cristã é, pois, um dom sobrenatural, um doce e suave fruto do amor ao próximo, sublime ideal apontado pelo Salvador no Evangelho.
O fundamento da amizade cristã é o amor ao próximo, ensinado por Jesus Jesus e os pequeninos, Igreja de São Patrício - Nova Orleans, EUA |
Uma sociedade construída a partir de princípios como este seria um agrupamento humano sem afeto, onde não haveria amizade, só egoísmo. Os homens se conheceriam, mas não seriam amigos. Viveriam juntos, porém, não como companheiros. Habitariam o mesmo território e, entretanto, não seriam mais do que estranhos.
E a amizade cristã? Sem dúvida, podemos reconhecer nela um dos mais doces e suaves presentes oferecidos pela infinita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo à pobre humanidade. Mas esta amizade só será autêntica se tiver num sólido amor a Deus a principal razão de sua existência. Aí sim, será um poderoso sustento e lenitivo nas agruras desta vida, e continuará na eternidade, onde teremos a suprema amizade d'Aquele que, além de Pai, é o Divino Amigo de todos os homens.
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