“Eis que estou à porta e bato”...
Nossa
morada interior é guardada pela mais robusta e impenetrável das portas.
Esta, porém, tem a peculiaridade de não possuir fechadura pelo lado de
fora
Na época em que a sociedade não estava
tão mecanizada e as pessoas levavam uma vida muito menos agitada do que a
nossa, a chegada de visitantes a uma residência era um acontecimento.
Dotadas de paredes grossas, as casas daqueles tempos fechavam-se com
pesadas portas guarnecidas de travas robustas. E, ornando seu lado
exterior, contavam elas com um peculiar acessório que anunciava a
chegada dos forasteiros: as aldravas.
Belas peças decorativas, podiam ter a
forma de um dragão ameaçador ou reproduzir, com delicado realismo, belos
florões ou conchas. Grandes ou pequenas, refletiam de algum modo o bom
gosto, as posses e a têmpera do
proprietário.
No entanto, seu som era sempre forte e categórico, como prenunciando a
importância do que ia suceder: alguém se dispunha a transpor os umbrais
daquele lar para ser recebido como amigo e participar do convívio
familiar.
Franquear ou não a entrada de um hóspede
dependia da vontade do senhor da casa. Com seu assentimento, os
ferrolhos eram movidos e as portas se abriam de par em par, em sinal de
hospitalidade. Às vezes, até se entregava para o visitante uma chave
que lhe permitia entrar por si só. Não obstante, o dono da residência
podia também manter bloqueada a entrada, negando acolhida ao visitante.
Ora, não são apenas os edifícios que
possuem entradas que se abrem ou fecham. Nossa morada interior é
guardada pela mais robusta e impenetrável das portas: aquela que protege
o nosso coração. Esta, todavia, tem a peculiaridade de não possuir
fechadura pelo lado de fora, mas apenas uma aldrava. Não há chave que
permita abri-la. Para cruzá-la é preciso que nós - os "donos da casa" -
autorizemos a passagem.
E quantas vezes por ela quer entrar o
mais nobre dos hóspedes, desejoso de estar em nossa companhia! "Eis que
estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e
Me abrir a porta,
entrarei em sua casa e cearemos, Eu com ele e ele comigo" (Ap 3, 20),
diz a Sagrada Escritura.
Com efeito, Jesus bate em inúmeras
ocasiões à nossa porta: quando admiramos um belo pôr do Sol, ao
recebermos um bom conselho, ao lermos uma palavra edificante, quando nos
aproximamos dos Sacramentos ou estamos junto ao Sacrário, no silêncio
da oração ou até mesmo quando nos visita a dor e o sofrimento. Nesses
momentos está Ele ao nosso lado, querendo entrar em nosso íntimo. "Sua
visita é assídua ao homem interior. Palavras mansas, agradável consolo,
grande paz, maravilhosa intimidade".1
Contudo, não raras vezes ficamos surdos a
seu toque... As correrias do dia a dia, as preocupações com as coisas
materiais, o egoísmo e nosso imediatismo não nos deixam ouvir a chegada
de tão sublime hóspede, fazendo-nos esquecer dos autênticos valores
desta vida - os tesouros que acumulamos para a eternidade - e de que já
nesta Terra podemos, de alguma forma, prelibar o convívio paradisíaco
para o qual Ele nos convida.
E se acontecer que, depois de tanto
tocar a aldrava de nosso coração e Lhe negarmos pousada, Nosso Senhor se
vá? Como nos arranjaremos? "Timeo enim Iesum transeuntem - Temo a Jesus
que passa",2 dizia Santo Agostinho...
Ele, entretanto, em sua infinita bondade
nos deu uma Mãe de Misericórdia, que vem também, junto com seu Divino
Filho, tocar a aldrava de nossa porta com compaixão. Mas, ao notar que
esta não se abre, faz de vez em quando o papel de sacrossanta intrusa:
entrando pela janela, se aproxima de nós a fim de chamar a nossa atenção
e nos predispor para recebê-Lo. Feito isto, retorna para o lado de fora
para, com Ele, seguir tocando.3
Peçamos a Maria Santíssima que nos ajude
a abrir e manter escancarada esta porta, junto à qual Mãe e Filho tocam
de forma tão comovedora, a fim de que Eles penetrem em nossa morada e
nela façam a sua. E tendo sido nossos hóspedes nesta Terra, abram para
nós as portas da Pátria Celestial. (Revista Arautosdo Evangelho,
Setembro/2013, n. 141, p. 50-51)
1 KEMPIS, OSA, Thomas de. Imitação de Cristo. L.II, c.1, n.1.
2 SANTO AGOSTINHO. Sermo LXXXVIII, c.13, n.14. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1983, v.X, p.550.
3 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 5 jun. 1974.
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