Qual é a maior obra de Deus?
Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Te amei! Estavas
dentro e eu fora Te procurava. Precipitava-me eu disforme, sobre as
coisas formosas que fizeste. Estavas comigo, contigo eu não estava. As
criaturas retinham-me longe de Ti, aquelas que não existiriam se não
estivessem em Ti. Chamaste e gritaste e rompeste a minha surdez.
Cintilaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste
perfume, aspirei-o e anseio por Ti. Provei, tenho fome e tenho sede.
Tocaste-me e abrasei-me no desejo de tua paz. (Confissões X)
Qual
é a maior obra de Deus? Certamente muitos afirmariam que criar o Céu e a
Terra; o Doutor Angélico, entretanto, respondeu esta pergunta fazendo
uma sutil distinção ao indicar que a grandeza de uma obra pode ser
determinada sob dois pontos de vista: pelo modo de obrar e pela
magnitude do resultado obtido.
Sob o primeiro aspecto realmente a
criação é a Sua maior obra, pois o universo foi criado ex nihilo;
porém, de acordo com o segundo, a justificação do ímpio é a maior uma
vez que o seu término é o bem eterno da bem-aventurança, que é ainda
mais excelente do que a criação do Céu e da Terra, cujo término é o bem
da natureza mutável (cf. S. Th. I-II, q. 113, a. 9).
Uma das mais
belas conversões da história é, sem dúvida, a de Santo Agostinho. Mas
grave erro cometeria quem julgasse que a conversão é fruto de
raciocínios que movem a pessoa a mudar de vida. Na realidade, explica
São Tomás que "o homem não pode de modo algum levantar-se por si mesmo
do pecado sem o auxílio da graça" (I-II, q. 109, a. 7).
Com
efeito, tarde amou Santo Agostinho a Beleza tão antiga e tão nova porque
o homem não pode amar a Deus sobre todas as coisas sem o auxílio da
graça que cure a sua natureza degradada pelo pecado original (cf. I-II,
q. 109, a. 3); ele procurava fora a Beleza que nele estava porque como
mais adiante ele mesmo a iria explicar: "merecidamente a luz da verdade
abandona os prevaricadores da lei, com o qual se tornam cegos";
igualmente precipitava-se disforme sobre as coisas formosas que Deus
criou porque o pecador é como um enfermo que pode executar alguns
movimentos, mas não com a perfeita desenvoltura do homem sadio até que
não seja curado com a ajuda da medicina que é a graça (cf. I-II, q. 109,
a. 2); em fim, ele não estava com Deus dado que as criaturas o retinham
longe dEle pois enquanto a natureza está desordenada pelo pecado, a
vontade humana não se submete a Deus (cf. I-II, q. 109, a. 7).
Contudo, em determinado momento Deus o chamou e lhe rompeu a surdez;
cintilou e resplandeceu afugentando-lhe a cegueira.
Quando Santo
Agostinho recebeu a graça da conversão, que moveu a sua vontade para
abraçar a Fé, finalmente conseguiu amar a Beleza tão antiga e tão nova
que tanto tinha procurado onde não estava. Tendo experimentado em si
mesmo a excelência da graça da conversão e como a misericórdia de Deus
realmente é superior a todas as suas obras, o Santo Doutor de Hipona
afirmou com toda propriedade: "julgue quem puder se é mais criar anjos
justos ou justificar ímpios. Certamente se as duas coisas supõe o mesmo
poder, a segunda requer mais misericórdia".
Portanto, poderá
ainda existir alguma dúvida sobre qual é a maior obra de Deus?
Encerremos ouvindo esta vez ao Santo Doutor de Hipona: "é mais excelente
tornar justo um pecador do que criar o céu e a terra, porque o céu e a
terra passarão; mas a saúde e a justificação dos predestinados
permanecerá para sempre".
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