Alguns princípios de mariologia
Impelida pela piedade popular e fundada na tradição proveniente dos
Santos Padres, a mariologia explicitou os princípios que delineiam a
singular grandeza da Mãe de Deus.
O interesse despertado pelas
grandezas e dons da Santíssima Virgem é tão antigo como a própria
Igreja, pois, como se sabe, desde os primeiríssimos tempos debruçavam-se
os cristãos sobre a singular figura da Mãe de Deus, anelando conhecer
mais a seu respeito.
O grau de graça e de glória ao qual Maria foi
predestinada excede muito o de todos
os Anjos e Bem-aventurados juntos
Uma ciência nascida da piedade popular
Nesse sentido, alegra-nos destacar que a amorosa consideração sobre
Nossa Senhora por parte do povo fiel antecedeu de muitos anos, até de
séculos, as explicitações dos teólogos. Neste movimento de fé, devemos
ver a ação do Paráclito impulsionando os devotos que começaram a
celebrar a maternidade divina, a virgindade perpétua de Maria ou sua
Assunção em corpo e alma aos Céus, muito antes dos pronunciamentos
oficiais do Magistério Pontifício. Esse feliz impulso dado pelo Espírito
Santo contribuiu para que, depois, os estudiosos recolhessem os
tesouros da piedade popular e lhes dessem adequada formulação teológica.
Contudo, a ciência mariológica enquanto tal demorou muito em
estruturar-se. Não quer isto dizer que antes não havia estudos
teológicos sobre a Donzela de Nazaré, pois desde os Santos Padres, e
depois na Idade Média, houve grandes explicitações marianas. Enquanto
ciência, porém, temos um primeiro estudo realizado pelo conhecido
teólogo espanhol Francisco Suárez (1548-1617). E quem pela primeira vez
usou o termo mariologia foi Plácido Nigido, em seu trabalho Summa Sacræ
Mariologiæ, editado na Itália em 1602.
Desse modo foram se
desenvolvendo os estudos teológicos sobre Maria Santíssima, e os
especialistas neste elevado tema, com ajuda da tradição proveniente dos
Santos Padres, cujos ensinamentos estão enraizados na piedade cristã,
explicitaram importantes princípios, como os relacionados a seguir.
Princípio de singularidade
A Santíssima Virgem ocupa na hierarquia da criação um lugar singularíssimo, imediatamente abaixo de Jesus.
Bastero de Eleizalde especifica: "Sendo Maria, por desígnio divino, uma
criatura única e singular, recebeu do Senhor graças e privilégios que
estão fora da lei comum e que não podem convir a nenhuma outra
criatura".1 Santo Anselmo de Cantuária exprime de modo poético esta
verdade: "Maria é a mulher maravilhosamente singular e singularmente
admirável".2 Segundo Royo Marín, o grau de graça e de glória ao qual
Maria foi predestinada, enquanto eleita para ser a Mãe do Verbo de Deus
Encarnado, "excede muito o de todos os Anjos e Bem-aventurados juntos,
sendo superado apenas pela graça e glória de seu
Divino Filho Jesus".
Em outros termos, Ela é única. Alguns teólogos formulam assim este
princípio: "Acima de Vós, só Deus; abaixo de Vós, tudo quanto não é
Deus". E o Papa Pio XI ensina: "Do dogma da maternidade divina, como do
jato de um arcano manancial, emana para Maria uma graça singular: sua
suprema dignidade, abaixo de Deus".
Princípios de conveniência e eminência
São Tomás fundamenta da seguinte forma o princípio de conveniência:
"Aqueles que foram eleitos por Deus para alguma coisa, Ele os prepara e
dispõe de modo que sejam idôneos para desempenhar a missão".5 Ora, a
missão da Virgem Santíssima foi a da maternidade divina! Conferiu-Lhe,
pois, o Criador todos os dons efetivamente convenientes para
desempenhá-la. E o Beato Pio IX ensina: "Certamente, era de todo
conveniente que uma Mãe tão venerável brilhasse sempre adornada dos
fulgores da santidade mais perfeita".
Variante do princípio de
conveniência é o de eminência. Assim o define a teologia: Maria recebeu
de Deus, em grau de plenitude, todos os privilégios conferidos por Ele a
qualquer Bem-aventurado. Grandes Santos - como São Bernardo, São
Boaventura e Santo Alberto Magno - afirmaram com clareza essa eminência
da Santíssima Virgem Maria. E o Papa Pio XI adota, em sua Encíclica Lux
veritatis, esta categórica afirmação de Cornélio a Lápide: "É a Mãe de
Deus. Logo, todo privilégio concedido a qualquer Santo, na ordem da
graça santificante, Ela o tem mais que todos".
Princípio de analogia
Indica a existência de uma semelhança entre os privilégios da
humanidade de Cristo e os de Maria. Em sua obra acima citada, explica
Bastero de Eleizalde: "Maria possui de forma análoga, de acordo com seu
estado e condição, os diversos privilégios da humanidade de Jesus
Cristo. Vemos que à plenitude de graças de Cristo, à sua realeza e a seu
caráter redentor, etc., correspondem de forma análoga a plenitude de
graças de Maria, sua realeza e sua mediação".
São Luís de
Montfort, em seu célebre Tratado da verdadeira devoção, vale-se de uma
expressão muito bela para explicar essa realidade: "Deus Pai reuniu
todas as águas e as denominou mar; reuniu todas as suas graças e as
chamou Maria".
Princípio de associação
Maria é associada
ao Filho na obra da Redenção. Grandes Santos e teólogos afirmam este
princípio, e a eles se junta a voz dos Papas que ressoa com áurea
sonoridade no firmamento da mariologia.
O Beato Pio IX afirma: "A
Santíssima Virgem, unida com Ele por um liame estreitíssimo e
indissolúvel, foi, conjuntamente com Ele e por meio d'Ele, a eterna
inimiga da venenosa serpente, e esmagou-lhe a cabeça com seu pé
virginal". 10 E, segundo Leão XIII, "A Virgem Imaculada, escolhida para
ser Mãe de Deus", foi "por isto mesmo feita Corredentora do gênero
humano".11 Pio XII, no mesmo sentido, declara: "Esta gloriosíssima
Senhora foi escolhida para Mãe de Cristo ‘para Lhe ser associada na
Redenção do gênero humano' [...]. A Bem-Aventurada Virgem Maria é
Rainha, não só porque é Mãe de Deus, mas ainda porque, como nova Eva,
foi associada ao novo Adão".
Pois bem, a origem de todos esses
princípios, e de muitos outros que poderíamos enunciar, está no inefável
privilégio da maternidade divina de Nossa Senhora. Por ter sido
escolhida por Deus para essa extraordinária missão, Ela foi cumulada de
dons e privilégios insondáveis. (Revista Arautos do Evangelho,
Fevereiro/215, n. 158, p. 36-37)
Pe. Juan Carlos Casté, EP
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