Solenidade de todos os Santos - 1
de Novembro
Nosso futuro tem a marca da eternidade.
Primeira leitura: Como descrever
a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para
isso, o profeta recorre a uma visão.
Salmo responsorial: O salmo de
hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a
bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao
encontro do Deus santo.
Segunda leitura: Desde o nosso batismo,
somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marca da eternidade.
Evangelho: Que futuro reserva
Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de
felicidade para eles.
LEITURA I – Ap 7,2-4.9-14
As primeiras perseguições tinham
feito cruéis destruições nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas
comunidades desaparecer, acabadas de fundar? As visões do profeta cristão
trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que
evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear diretamente, aplicando-lhe
o qualificativo de Babilónia. A revelação proclamada é a da vitória do
Cordeiro. Que paradoxo! O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da
Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em
caminho de vida para todos aqueles que O seguem, em particular pelo martírio, e
eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 23
(24)
Refrão: Esta é a geração dos que
procuram o Senhor.
LEITURA II – 1Jo 3,1-3
Segunda mensagem de esperança.
Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a
ser? Como sabê-lo, pois desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que
viremos a ser?
A resposta é uma dedução
absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não
nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já a que futuro nos conduz a pertença
à família divina: seremos semelhantes a Ele.
ALELUIA – Mt 11,28
Aleluia. Aleluia.
Vinde a Mim, vós todos os que
andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei, diz o Senhor.
EVANGELHO – Mt 5,1-12
Depois de dizer quem é Jesus (cf. Mt 1,1-2,23) e de definir a sua
missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão:
com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o
“Reino”. Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre
o “Reino” e a sua lógica.
Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na
importância dada pelo evangelista aos “ditos” de Jesus. Ao longo do Evangelho
segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25),
nos quais Mateus junta “ditos” e ensinamentos provavelmente proferidos por
Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro
Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a
antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do
Pentateuco.
O primeiro discurso de Jesus – do qual o Evangelho que nos é hoje
proposto é a primeira parte – é conhecido como o “sermão da montanha” (cf. Mt
5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus colecionou com a
evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos
básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à
comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga
Lei que guiava o Povo de Deus.
Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A
indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai),
onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa
montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que
estão interessados em aderir ao “Reino”.
As “bem-aventuranças” que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na
boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças”
propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”,
enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro
“maldições”, que estão ausentes do texto mateano; outras notas características
da versão de Mateus são a espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para
Mateus, os “pobres em espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à
vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o
texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha
sido mais trabalhado.
As “bem-aventuranças” são fórmulas relativamente frequentes na
tradição bíblica e judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria
futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas ações de graças pela alegria
presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida
sábia, refletida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl
1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
As “bem-aventuranças” evangélicas devem ser entendidas no contexto da
pregação sobre o “Reino”. Jesus proclama “bem-aventurados” aqueles que estão
numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar
o “Reino” e a situação destes “pobres” vai mudar radicalmente; além disso, são
“bem-aventurados” porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão
de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e
libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do “Reino”).
As quatro primeiras “bem-aventuranças” referidas por Mateus (vers.
3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos “pobres” (as segunda, terceira
e quarta “bem-aventuranças” são apenas desenvolvimentos da primeira, que
proclama: “bem-aventurados os pobres em espírito”). Saúdam a felicidade
daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre
a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua
confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para
esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que
aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os
outros.
Os “pobres em espírito” são aqueles que aceitam renunciar, livremente,
aos bens, ao próprio orgulho e autossuficiência, para se colocarem,
incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem
tudo com eles.
Os “mansos” não são os fracos, os que suportam passivamente as
injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos;
mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora
sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos… A sua
atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do “Reino”.
Os “que choram” são aqueles que vivem na aflição, na dor, no
sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do
“Reino” vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e
alegria…
A quarta bem-aventurança proclama felizes “os que têm fome e sede de
justiça”. Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico –
isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus
e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de
fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
O segundo grupo de “bem-aventuranças” (vers. 7-11) está mais orientado
para definir o comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se
constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos
devem assumir.
Os “misericordiosos” são aqueles que têm um coração capaz de
compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e
alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos
irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam.
Os “puros de coração” são aqueles que têm um coração honesto e leal,
que não pactua com a duplicidade e o engano.
Os “que constroem a paz” são aqueles que se recusam a aceitar que a
violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que
procuram ser – às vezes com o risco da própria vida – instrumentos de
reconciliação entre os homens.
Os “que são perseguidos por causa da justiça” são aqueles que lutam
pela instauração do “Reino” e são desautorizados, humilhados, agredidos,
marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a
opressão, que constroem a morte… Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá
vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
Na última “bem-aventurança” (vers. 11), o evangelista dirige-se, em
jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser
perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à
adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da
oitava “bem-aventurança”.
No seu conjunto, as “bem-aventuranças” deixam uma mensagem de
esperança e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que
está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua
situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse “Reino” onde
vão encontrar a felicidade e a vida plena.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes
elementos:
• Jesus diz: “felizes os pobres em espírito”; o mundo diz: “felizes
vós os que tendes dinheiro – muito dinheiro – e sabeis usá-lo para comprar
influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz
andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes”. Quem é,
realmente, feliz?
• Jesus diz: “felizes os mansos”; o mundo diz: “felizes vós os que
respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com
uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com
a violência e a injustiça”. Quem tem razão?
• Jesus diz: “felizes os que choram”; o mundo diz: “felizes vós os que
não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque
vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes:
casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma
conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo
ministro”. Onde está a verdadeira felicidade?
• Jesus diz: “felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus”;
o mundo diz: “felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e
não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque
assim sois mais livres”. Onde está a verdadeira liberdade, que enche de
felicidade o coração?
• Jesus diz: “felizes os que tratam os outros com misericórdia”; o
mundo diz: “felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes
comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem
misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo”. Qual é
o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?
• Jesus diz: “felizes os sinceros de coração”; o mundo diz: “felizes
vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a
verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso”.
Onde está a verdade?
• Jesus diz: “felizes os que procuram construir a paz entre os
homens”; o mundo diz: “felizes vós os que não tendes medo da guerra, da
competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra
os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e
mulheres de sucesso”. O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?
• Jesus diz: “felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade
de Deus”; o mundo diz: “felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e
mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois
só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira”. O que é que nos
eleva à vida plena?
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