Um
olhar da Virgem Santíssima inunda de alegria um pastorzinho inocente,
na Gruta de Belém. A ambição das riquezas apaga nele a lembrança dessa
inefável graça. A caminho do Calvário, 33 anos depois, a Mãe de
Misericórdia fita-o novamente...
Nos arredores de Belém de Judá, morava
um inocente menino hebreu, filho de pastores. Seus pais chamaram-no Sear
Jasub em homenagem ao significado profético do nome de um dos filhos do
profeta Isaías: "o resíduo que voltará".
Uma noite, Sear estava no campo com seu pai e outros pastores.
Acordou sob efeito de uma encantadora
luz. Saiu da tenda e viu todos contemplando maravilhados um coro de
anjos luminosos que cantavam: "Glória a Deus nas alturas, e paz na terra
aos homens de boa vontade". Cessada a aparição, seguiu com os pastores
para Belém. Não entendia o que se passava, mas sentia na alma uma imensa
alegria.
Chegando à cidade, encontraram uma gruta intensamente iluminada.
Um menino de celestial beleza estava deitado numa manjedoura, envolto em panos. A se lado, uma senhora muito jovem, de
rosto
resplandecente. Ela olhou e sorriu para Sear, gravando-lhe na alma esta
promessa: "Meu filho, tudo isto um dia retornará para você".
Impossível descrever a paz e o gáudio do inocente pastorzinho!
Esqueceu o que nunca deveria esquecer!
Sear Jasub cresceu. Foi trabalhar com um tio, dono de uma banca de câmbio nos átrios do Templo de Jerusalém.
Ainda jovem e cheio de fé, freqüentava a
escola de Gamaliel, entusiasmou-se com João Batista e foi um dos
primeiros a receber seu batismo.
Mas... passaram-se os anos e a preocupação dos negócios amorteceu em sua alma a recordação daquele olhar e daquele sorriso.
Com ajuda de alguns fariseus, conseguiu estabelecer sua própria banca.
Relacionou-se também com os saduceus, e casou-se com uma contra-parente de Caifás.
Só
uma coisa empanava esse horizonte promissor. Eram as notícias de que um
novo e controvertido profeta começava a ameaçar a hegemonia dos
fariseus e saduceus, seus amigos.
Entre a admiração e o ódio
Um dia apareceu no Templo um homem
seguido por alguns rudes pescadores. Tomando uma corda, fez um açoite e
pôs-se a expulsar vendilhões e animais. Quando Sear viu suas mesas
derrubadas e suas preciosas moedas espalhadas pelo chão, precipitou-se
encolerizado sobre o homem. Fitando, porém, seu rosto, tomou-se de
pavor.
Parecia-lhe ver de novo aquele menino da manjedoura, cercado de anjos. Fugiu desconcertado. Informando-se depois, descobriu que esse homem era o próprio Nazareno.
Sentiu-se perturbado. Queria odiá-lo,
mas era propenso a admirá- lo. Suas obras eram portentosas, embora os
fariseus garantissem tratar-se de um possesso.
A dúvida crescia no espírito de Sear
Jasub. Decidiu abafar a voz da consciência, assumindo uma atitude de
neutralidade. Cuidaria apenas de seus interesses pessoais. Se o Galileu fosse mesmo o Messias, tanto melhor, pois viria o Reino e isso só lhe traria vantagens. Se não fosse, tudo se desfaria, inclusive aquela sensação de remorso que lhe corroia a alma.
O reencontro
Passaram-se os meses. Numa sexta-feira
pela manhã, recebeu uma convocação de Caifás. O "blasfemador" estava
preso e seria julgado. Sear afligiu-se.
Mandou dizer que estava de viagem. Como já era seu costume, recorreu ao
vinho para acalmar-se e foi passear fora da cidade.
Próximo ao campo do oleiro, viu passar um homem correndo alucinado em direção a umas figueiras próximas, com uma corda na mão. Era um antigo conhecido seu, chamado Judas.
No caminho de volta à casa, ouviu uma
gritaria. Numa curva pouco adiante, surgiram três condenados à morte,
cercados pelo populacho que vociferava contra um deles.
Estremeceu, adivinhando de quem se
tratava. Era um homem coberto de sangue e ferimentos, com uma coroa de
espinhos na cabeça e uma pesada cruz às costas.
Sear desviou por um momento o rosto.
Quando olhou novamente, notou que ao lado desse condenado seguia uma
senhora resplendente de luz e, ao mesmo tempo, carregada de dores. Seria
a mãe
dele?! Passando por Sear, ela o fitou...
Neste momento, ele lembrou- se!
Cintilava nela aquele mesmo olhar materno da senhora que lhe havia
sorrido trinta e Natal - Cascais - atrês anos antes, na Gruta de Belém.
À procura de Maria
Tomado por um enlevo indescritível, Sear
saiu vagando pelas ruas. No final da madrugada, em meio às brumas,
esbarrou num transeunte. Reconheceu-o. Era Pedro, o chefe dos
pescadores, que, em prantos, repetia sem cessar: "Preciso encontrar a
Senhora!" Aquelas palavras penetraram-lhe fundo na alma. Sentiu, também
ele, a mesma necessidade premente: encontrar a mãe do Messias! Claro!
Quem, a não ser ela, poderia socorrê-lo? Precisava encontrá- la. Mas...
como? E Sear fez algo de que há muito tempo se olvidara: rezou. Javeh
não deixaria de atendê-lo, se pedisse por intercessão daquela senhora.
Inocência restaurada
Dito e feito. Passados alguns dias, viu
na rua outro discípulo do Crucificado. Chamava-se Tomé e andava
depressa. Seguiu-o pelas ruelas estreitas até chegar a uma grande
habitação. Abordou-o, confiante, suplicando-lhe que o apresentasse à
Senhora. Vendo-o tão movido pela graça, Tomé acedeu.
Sear quase não podia acreditar no que
aconteceu então. Sim, era aquela mesma régia Senhora que lhe havia
sorrido quando criancinha, que agora lhe falava e o consolava! E
restaurava sua inocência primaveril. Contudo, ele nem imaginava o que
ainda estava por acontecer.
Estando as portas fechadas, surgiu um homem chamejante de luz. Em seu flanco, em suas mãos e pés, fulguravam chagas rubras.
Sear o reconheceu. Era o Crucificado.
Ouviu sua voz, viu Tomé pôr a mão numa de suas chagas sagradas. E creu: o Senhor havia ressuscitado verdadeiramente.
Procurando Maria, ele encontrou também Jesus.
(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2003, n. 24, p. 42-43)
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