Assim como os pastores encontraram aquele adorável Menino reclinado
sobre as palhas do presépio, nós também podemos reencontrá-Lo
"reclinado" nos Tabernáculos de todo o mundo.
Clara Isabel Morazzani Arráiz
Era noite. Os pastores que apascentavam
seus rebanhos tinham acabado de ouvir o anúncio da Boa Nova que o Anjo
lhes fizera, e disseram entre si: "Vamos até Belém e vejamos o que se
realizou e o que o Senhor nos manifestou" (Lc 2, 15). Partiram então"com
grande pressa" (Lc 2, 16) para a gruta, a fim de adorar o Verbo feito
carne e servir de testemunhas do grande acontecimento para as épocas
futuras.
Docilidade à voz do Anjo
Ao compreenderem o significado da notícia
- a chegada do Messias - os pastores haviam sido tomados de um misto de
temor reverencial e de consolação, mas não duvidaram sequer um segundo.
Bastou a mensagem transmitida pelo celeste embaixador para
robustecê-los na fé e confirmar suas esperanças.
Sem dúvida, a luminosa aparição do Anjo
veio acompanhada de uma graça especial que os fazia pressentir a
grandeza doacontecimento anunciado. Flexíveis à voz do sobrenatural, não
manifestaram reservas, não opuseram objeções; pelo
contrário,
deixaram tudo, abandonando com presteza até mesmo os rebanhos confiados
à sua guarda e se dirigiram sem demora em busca do "Recém-nascido,
envolto em faixas e posto numa manjedoura" (Lc 2, 12).
Ali, como os Apóstolos que, anos mais
tarde, seriam chamados de bem-aventurados pelo Divino Mestre, também
eles poderiam ter ouvido dos lábios do Salvador: "Felizes os vossos
olhos porque vêem! Ditosos os vossos ouvidos porque ouvem!" (Mt 13, 16).
A humildade dos pastores atraiu o olhar de Deus
Aqueles rudes camponeses foram objeto
dessa predileção, por parte da Bondade Divina, muito mais por serem
pobres de espírito do que por sua modesta condição social. A virtude da
humildade, que os tornava aptos para compreender os mistérios de Deus,
sem opor ceticismos arrogantes, atraiu sobre eles os olhares do
Altíssimo, da mesma forma como Maria Santíssima, por Sua insuperável
despretensão, foi escolhida para ser Mãe do Redentor.
Já em Seu nascimento Jesus mostrava,
assim, Seu amor pelos mais pequeninos, por aqueles que, reconhecendo seu
nada ou até mesmo sua falência espiritual, põem toda a sua confiança no
poder de Deus.
Há quem possa ver nessa atitude de
submissão diante de Deus, tão própria aos santos de todos os tempos, uma
desprezível manifestação de ignorância ou insuficiência.
Mas essa é a opinião daqueles que o
próprio Jesus denominaria como os "sábios e entendidos" (Mt 11, 25)
deste mundo e que, por conseguinte, acham-se privados do conhecimento
das coisas divinas, por cegarem- se a si mesmos.
A sabedoria verdadeira - esta sim,
possuíam-na os pastores -, alcançaraa em altíssimo grau a virginal
Senhora que Se inclinava em adoração ante a mísera manjedoura
transformada em trono real. Movidos por essa "sabedoria da humildade",
os pastores haviam corrido até o estábulo e contemplavam a Sabedoria em
Pessoa, que repousava placidamente sobre as palhas: "Ela apareceu sobre a
terra, e habitou entre os homens" (Br 3, 38).
O presépio de Belém e os altares da Igreja
Hoje, de certo modo, se repete a cada dia
o mistério de Belém. Dois milênios depois do nascimento de Cristo, as
igrejas se encontram multiplicadas pelo mundo, e nos seus Tabernáculos
repousa Jesus, verdadeiramente presente, embora oculto sob os véus do
Pão Eucarístico, assim como repousou outrora sobre as palhas da
manjedoura, envolto nos panos que Maria Santíssima Lhe preparara.
A mesma presteza que admiramos nos
pastores deve impelir-nos, também nós, a deixar tudo e correr para o
altar, a fim de encontrar o Senhor que desce do Céu. Nos altares da
Igreja, obediente à voz do sacerdote, nasce Nosso Senhor Jesus Cristo
uma vez mais, fazendo-nos lembrar a maneira como Ele Se apresentou ante
os olhares maravilhados da Virgem Mãe, de São José e dos pastores,
naquela noite santa.
O Natal não é uma mera recordação histórica
A festa de Natal encerra um significado
litúrgico extraordinário: embora o Santo Sacrifício seja oferecido todos
os dias nos altares de tantas igrejas espalhadas pelo mundo, ele se
reveste de uma unção e densidade simbólicas particulares na noite de 24
para 25 de dezembro.
Não se trata apenas da recordação de
fatos históricos envoltos nas brumas do passado, mas de uma realidade
mais profunda do que aquela que captamos através dos sentidos. A
Liturgia do Natal traz um conjunto de graças vinculadas a esse mistério,
as quais se derramam sobre nossos corações quando o celebramos com
fervor sincero.
"O ano litúrgico - ensinava o Sumo
Pontífice Pio XII - que a piedade da Igreja alimenta e acompanha, não é
uma fria e inerte representação de fatos que pertencem ao passado, ou
uma simples e nua evocação da realidade de outros tempos. É, antes,
o
próprio Cristo, que vive sempre na sua Igreja e que prossegue o caminho
de imensa misericórdia por Ele iniciado, piedosamente, nesta vida
mortal, quando passou fazendo o bem, com o fim de colocar as almas
humanas em contato com os Seus mistérios e fazê-las viver por eles,
mistérios que estão perenemente presentes e operantes, não de modo
incerto e nebuloso, de que falam alguns escritores recentes, mas porque,
como nos ensina a doutrina católica e segundo a sentença dos doutores
da Igreja, são exemplos ilustres de perfeição cristã e fonte de graça
divina pelos méritos e intercessão do Redentor".1
A Fé em Nosso Senhor, deitado na manjedoura e presente na Eucaristia
Hoje não vemos, como os pastores, o
Divino Menino deitado sobre as palhas, mas contemplamo-Lo, com os olhos
da Fé, na Hóstia imaculada que o sacerdote apresenta para a adoração dos
fiéis; não ouvimos as vozes dos anjos fazendo ecoar o "Glória!" pelas
vastidões dos céus, mas chega até nós o apelo da Igreja, convidando seus
filhos: "Venite gentes et adorate!".
Se grande foi a Fé daqueles homens
simples ao acreditarem que, naquele pequenino vindo à terra em tal
despojamento, e aquecido tão-só pelo bafo dos animais, ocultava-Se o
próprio Deus, a nossa Fé poderá alcançar grau mais elevado se
considerarmos esse mesmo Deus escondido na Eucaristia. E poderemos, nós
também, ser contados entre os homens que o Senhor chamou de
bem-aventurados: "Felizes aqueles que crêem sem ter visto!" (Jo 20, 29).
Jesus, a Beleza suprema, vela-Se em vão
aos olhos de quem tem Fé: apesar da infância à qual O reduziu seu amor,
seu poder se manifesta nesse dia, e só Ele - quer sob a figura de frágil
criança, quer sob as espécies eucarísticas - derrota os infernos e
resgata a humanidade da vil escravidão do pecado.
Natal: uma "clareira" alegre e luminosa
Quantas graças de alegria e consolação
concedidas por ocasião do Natal! A cada ano, em todas as épocas da Era
Cristã, esta festa máxima abre uma "clareira" alegre e luminosa no curso
normal, por vezes tão cheio de sofrimentos e angústias, da vida de
todos os dias. Dominados pelas preocupações concretas ou pela ilusão
deste mundo passageiro, os homens esquecem-se facilmente da eternidade
que os espera e olham para esta terra como para seu fim último.
Todos se afanam em busca da felicidade;
entretanto, só uma é a verdadeira, e o Divino Menino vem para apontar o
único caminho que a ela conduz: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida"
(Jo 14, 6). E nessa noite silenciosa, todos param diante da gruta de
Belém, gozando, ainda que por alguns instantes, dessa alegria
envolvente, trazida pelo Redentor. "Ali, os maus cessam seus furores,
ali, repousam os exaustos de forças, ali, os prisioneiros estão
tranqüilos, já não mais ouvem a voz do exator.
Ali, juntos, os pequenos e os grandes se encontram, o escravo ali está livre do jugo do seu senhor" (Jó 3, 17-19).
De onde vem a felicidade que sentimos no Natal?
Prolonguemos esses momentos de alegria
vividos aos pés da manjedoura ou em torno do altar. De onde nos vem, ao
certo, essa felicidade? Onde a poderemos encontrar? Encarnando-Se, Deus
quis fazer- Se um de nós, para tornar essa felicidade ainda mais
acessível, mais atraente, mais encantadora. Ao entrar neste mundo, o
Divino Infante abre seus braços num gesto que prenuncia Sua missão
salvadora e parece exclamar: "Eis que venho. [...] Com prazer faço a
vossa vontade" (Sl 39, 8-9), manifestando neste ato Sua perfeita
obediência ao Pai, selada no Getsêmani: "Faça-se a vossa vontade e não a
minha" (Lc 22, 42).
Assim, na esplendorosa noite de Natal
inicia-se o grande mistério da Redenção, em sua dupla perspectiva: é o
perdão concedido ao homem réu, manchado pela culpa de Adão e por suas
más ações; e também a elevação desse mesmo homem à ordem sobrenatural,
convidando-o a participar da Família Divina, pelo dom da graça.
Nessa adorável Criança vemos nossa pobre
natureza galgar alturas inimagináveis, às quais seria incapaz de subir
por suas próprias forças, e entrar na intimidade do Deus inacessível e
infinito.
Celebramos a nossa própria deificação
O santo Papa Leão Magno, em seu célebre sermão sobre o Natal, mostrou, com palavras inspiradas, essa alegria universal
que
nos traz o nascimento de Cristo: "Ninguém está excluído da participação
nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque Nosso
Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém
isento de culpa, veio libertar a todos.
Exulte o justo, porque se aproxima da
vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se
o pagão, porque é chamado à vida".2 No Redentor, reclinado no presépio,
vemos nossa humanidade, reconhecemos nEle um Irmão, "em tudo semelhante
a nós, exceto no pecado" (Hb 4, 15); nos pastores, e em todos aqueles
que circundam a manjedoura ou o altar, admiramos uma luz, de fulgor até
então desconhecido, que brilha, expulsando as trevas da maldição do
pecado no qual estavam envoltos.
"Oh admirável intercâmbio! O Criador do
gênero humano, assumindo corpo e alma, quis nascer de uma Virgem; e,
tornando-Se homem sem intervenção do homem, nos doou sua própria
divindade!".3 Celebramos, pois, no Natal, a nossa própria deificação.
É preciso retribuir todo esse amor
Quem não corresponderá com amor ao
próprio Amor em Pessoa? Quem, remido, não se ajoelhará em adoração ante a
fragilidade de um Redentor que Se faz pequeno para engrandecer os
homens? Também nós, resta-nos retribuir esse mesmo amor ao Pequeno Rei
que hoje Se nos entrega no mistério do altar.
O amor torna o amante semelhante ao
amado, afirma o grande místico São João da Cruz. Para consolidar essa
união é necessário, entretanto, que Um desça até o outro pela ternura,
ou que o segundo suba até o Primeiro pela veneração. Jesus já desceu até
nós pela compaixão, pelo afeto, pela ternura...
Subamos até Ele, ou melhor, peçamos, por
intercessão de sua Mãe Santíssima, que Ele mesmo nos faça subir. Bem
junto ao altar, entoando com os lábios o "Venite gentes et adorate" da
Liturgia, cantemos com o coração nossa entrega sem reservas ao Menino
Salvador.
(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2008, n. 84, p. 20 a 23)
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