Qual culto deve o mundo ao Espírito Santo?
Como o Pai e o Filho, o Espírito Santo é Deus.
Como o Pai e o Filho, tem direito ao culto de latria. O culto soberano é interior e exterior, público e privado. Todos estes aspectos, obrigatórios em relação ao Pai e ao Filho, se devem também guardar em relação ao Espírito Santo. Ousemos acrescentar que, em desagravo do longo esquecimento, cuja culpa recai na Europa moderna, e em razão da ameaçadora invasão do espírito do mal, a terceira pessoa da Santíssima Trindade há de ser atualmente objeto de culto preferencial, ardentíssimo como nenhum outro.
Consiste o culto interior na fé, na esperança e na caridade (S. Aug. Euchyrid., c. III). Crer que o Espírito Santo é Deus, como o Pai e o Filho; como eles, pessoa distinta; com eles, uma só natureza; neles, em tudo igual; como eles, eterno, todo-poderoso, infinitamente bom e perfeito. Deve-se crer que é tudo o Espírito Santo, como se crê que é o Pai e o Filho; e esperar no Espírito Santo, como se espera nas duas outras pessoas da Adorabilíssima Trindade; e amar o Espírito Santo com amor soberano, de complacência, de reconhecimento, de esperança, como se ama, pelos mesmos motivos, o Filho e o Pai – eis os três atos fundamentais do culto interior que deve o mundo ao Espírito Santo.
Dizemos: amor de complacência, por causa das infinitas amabilidades do Espírito Santo. Amor de reconhecimento, por suas mercês. Só para falar de algumas, deve-lhe o mundo a Santa Virgem, o Homem-Deus, a Igreja e o cristão. Amor de esperança, por suas magníficas promessas: o céu será o reino excelente do Espírito Santo, pois que há de ser o reino da caridade (Corn. a Lapid., in Luc., I, 35).
Como a claridade sai da fornalha, necessariamente o culto exterior sai do culto interior, não menos obrigatório. É ao homem impossível, composto de dupla substância, não manifestar por sinais exteriores os sentimentos que lhe agitam a alma. Melhor ainda: todos seus atos exteriores não passam da tradução dos pensamentos e sentimentos interiores. Além disso, deve violentar de contínuo sua natureza, para recalcar ao fundo d’alma o que imperiosa e constantemente teima em se manifestar. Deve o homem a Deus a homenagem dos sentidos, tanto quando lhe deve a do espírito. Assim, os atos exteriores de adoração, as orações, o sacrifício, a ação de graças devidas ao Pai e ao Filho, devem-nas ao Espírito Santo.
O homem não é um ser isolado, mas social. A este título, é obrigado a prestar a Deus um culto público. Deus, autor das famílias, dos povos e da sociedade, e também dos indivíduos, tem direito às homenagens deste ser coletivo, como tem direito às homenagens do ser individual. Enquanto pessoa pública, os seres coletivos só retribuem a Deus o tributo por meio de adorações coletivas. Um povo sem culto público seria um povo ateu; como jamais existisse um povo ateu, desde a origem do mundo e sobre todos os pontos do globo, houve um culto público.
Acrescentemos que este culto é todo benesses para as nações, que dele tem necessidade para viver. Um mero raciocínio é bastante para prová-lo: não há sociedade sem religião; não há religião sem culto interior; não há culto interior sem culto exterior. São tais proposições axiomas de geometria moral e também de leis sociais e políticas, que época alguma, nem nação, jamais dispensou impunemente.
Não menos necessário que o culto público, o culto privado se deve manifestar na lembrança do Espírito Santo, na oração, na imitação e no temor de ofendê-lo.
A lembrança é o pulso da amizade. Enquanto bata, existe amizade. Com que força ou freqüência não deve bater nosso coração pelo Espírito Santo? Amor consubstancial do Pai e do Filho, amor ativo de eternidade, fonte dos bens da natureza e da graça de que gozamos cá embaixo, é também rei do século futuro, quando santificará os eleitos na efusão, ilimitada e infinita, dos divinos deleites.
Enquanto espera, por quantos expedientes solicita nosso amor! O ar que se respira, a estrela que brilha no firmamento, as árvores carregadas de frutos, as ricas colheitas, as flores tão odoríferas, variadas e belas – todas as criaturas que só tem alento para nosso serviço, parecem gritar-nos com voz infatigável: Amai o Espírito de amor que nos criou como a vós, e que para vós nos criou. Se escutássemos esta voz, e quem não na escutaria! o amor do Espírito Santo extravasaria do coração nosso, como o ribeiro da nascente. Manifestando-se o Espírito, a ação de graças, a invocação, a adoração, as confidências íntimas, a oração em suas várias formas, tornar-se-iam um laço de comércio habitual entre o mundo e o Espírito Santo, em que todo lucro seria nosso.
Nas dúvidas, perplexidades, doenças d’alma ou do corpo, a quem nos dirigir com maiores oportunidades de êxito? Sobretudo, qual defensor invocar, ao considerar as catástrofes com que nos ameaça o espírito do mal? Somente o Espírito do bem lhe pode obstar o progresso. O mesmo é dizer que a devoção ao Espírito Santo deve ser a favorita dos cristãos atuais, e as orações íntimas, inspirada na fé dos avós, hão de exalar do coração, com freqüência semelhante a do alento que nos sai dos lábios: Veni, creator Spiritus Veni, sancte Spiritus, etc.
Aqui se apresenta uma questão: quando da necessidade de luzes, por que se dirigir ao Espírito Santo e não ao Filho, luz do mundo: Ego lux mundi? Tal prática não se opõe ao costume de atribuir ao Pai o poder, ao Filho a sabedoria e ao Espírito Santo a caridade?
É fácil responder: a luz é dom de Deus, e como ato de amor é natural pedi-lo ao Espírito Santo, o amor por essência e, por conseguinte, o princípio de todos os dons. Acrescente-se que, sendo Deus, o Espírito Santo é luz, como é o próprio Filho; e que o amor, principal atributo do Espírito Santo, é a luz verdadeira, por que são esclarecidos a alma e o coração. Donde vem que o melhor conselheiro, o causídico mais confiável, é o amor de Deus e do próximo, cuja fonte é o Espírito Santo.
Ademais, seguindo a prática secular, a Igreja limita-se a se conformar às intenções de Nosso Senhor. Não fora ele mesmo que ensinara a guardar o Espírito Santo como a morada da luz e oráculo da verdade? Na pessoa dos apóstolos, disse ele a sua esposa, duma vez por todas: “Quando vier o Espírito que vos enviarei, ele vos instruirá de toda a verdade” (Joan., XVI, 13). Assim, nada mudou: nem o papel que o Verbo feito carne toma em face do Espírito Santo, nem a missão excelente do Espírito Santo. Luz dos profetas do Antigo Testamento, locutos per prophetas, ele continua a inspirar a Igreja e todos seus filhos.
Entretanto, não bastam as orações e adorações para que haja o verdadeiro culto do Espírito Santo. O culto tem por fim aproximar o adorador do ser adorado. Essencialmente, consiste esta aproximação na imitação. Imitar o Espírito Santo é parte fundamental de seu culto.
Ora, a pureza e a caridade são atributos distintivos do Espírito Santo. Segue-se que imitá-los constitui a essência do culto. A pureza de afetos, i. é, o desapego do coração das paixões desordenadas, é tão almejada pelo Espírito Santo, que somente a sombra de tal imperfeição o impediria de descer ao coração dos apóstolos. Já que é assim, seria ilusão grosseira ter a pretensão de que ele escolheria por morada a alma escrava da carne. Santificar os afetos e pensamentos é o primeiro passo a se dar na imitação e no culto do Espírito Santo.
A caridade é o outro atributo da terceira pessoa da Santíssima Trindade. Por um lado, tende a caridade à união, união que faz a força; por outro, a caridade se manifesta nas obras. Esta segunda parte do culto do Espírito Santo é tão necessária quanto a primeira. Daí, nos séculos cristãos, as ordens militares do Espírito Santo, as numerosas associações de caridade espiritual e corporal, conhecidas sob o nome de Confrarias do Espírito Santo. Uma palavra acerca destas instituições, cuja só existência caracteriza o Espírito reinante sobre a velha Europa.
No século catorze, apesar da decadência dos costumes, era o Espírito Santo popular o bastante, até nas classes altas da sociedade, para permitir aos reis honrá-lo com cultos vistosos, com a participação da flor da nobreza. No dia de Pentecostes de 1352, Luís de Tarento instituiu, quando de sua coroação como rei de Jerusalém e de Sicília, em honra do Espírito Santo, a quem se considerava devedor deste insigne favor, a ordem militar do Espírito Santo da Reta Intenção.
Ele mesmo redigiu os estatutos, que começavam assim: “Estes são capítulos feitos e engendrados pelo excelentíssimo príncipe Senhor rei Luís, pela graça de Deus, rei de Jerusalém e de Sicília, em honra do Espírito Santo, provedor e fundador da nobilíssima companhia do Espírito Santo da Reta Intenção, começada no dia de Pentecostes do ano da graça de MCCCLII”.
“Nós, Luís, pela graça de Deus, rei de Jerusalém e de Sicília, em honra do Espírito Santo, no dito dia, por sua graça, fomos coroados de nossos reinos, e por alçamento e crescimento de sua honra, ordenamos se fizesse uma Companhia de cavaleiros que serão chamados os cavaleiros do Espírito Santo da Reta Intenção, e os ditos cavaleiros serão em número de trezentos; dos quais Nós, como provedor e fundador desta Companhia, seremos príncipe; e também o devem ser todos nossos sucessores reis de Jerusalém e de Sicília” (Ver Guisliniani Ist. di tui gli ordin. ozilit., et Hélyot, Hist. des ordres religieux T. VIII, p. 319, edit, in-4).
Ajudar e socorrer o rei, na guerra ou demais ocasiões, era o grande dever dos cavaleiros. A disposição constante ao sacrifício simbolizava-se em um nó ou um laço de amor, em fazenda colorida, pregado sobre o peito. Acima do nó, lia-se: Se Dieu plaist [Se praz a Deus]. Enquanto o cavaleiro não prouvesse a Deus com um assinalado e esclarecido feito de devotamento, o nó continuava atado.
Se combatesse o inimigo superior em número e recebesse honrosas feridas, ou levasse notável vantagem, desde este dia levava consigo o nó desatado, até que visitasse o Santo Sepulcro e rendesse preito a Nosso Senhor de sua vitória. Ao retorno, o nó estaria novamente atado, com este dístico: Ele prouve a Deus, acompanhados dum feixe de luz ardente, a representar uma língua de fogo, memória do símbolo sob que o Espírito Santo descera sobre os apóstolos.
Tais guerreiros, verdadeiros cristãos, jejuavam todas as quintas-feiras do ano, e neste dia davam de comer a três pobres em honra do Espírito Santo. A cada ano, compareciam em Nápoles no dia de Pentecostes. Encerrava-se a celebração por uma refeição, que o rei em pessoa presidia. No centro do salão, punham uma mesa chamada de “A Mesa Desejada”, onde comiam os cavaleiros que, durante o ano, desataram o nó. O que carregava o nó novamente atado com a flama recebia uma coroa de louros.
À morte dum cavaleiro, o rei celebrava um ofício solene pelo repouso de sua alma. Presentes, os cavaleiros ali assistiam; um parente próximo ou amigo do defunto pegava as espadas pela ponta e oferecia-as no altar, seguidos do rei e demais cavaleiros, que o acompanhavam até o altar. Em seguida, punham-se de joelhos, rogando pela alma do cavaleiro, e após o serviço fincavam a espada na amurada da capela. Recebida de Deus, empregada no servido de Deus, retornava ela a Deus. Se o cavaleiro trouxesse a flama presa ao nó, gravavam em seu sepulcro uma flama, donde saiam estas palavras: Ele cumpriu seu quinhão de Reta Intenção, estando cada cavaleiro obrigado a oferecer-lhe sete missas em intenção do repouso de sua alma (Helyot, ubi supra).
Dois séculos depois, a França teria também sua ordem do Espírito Santo. No dia de Pentecostes de 1573, Henrique III foi eleito rei da Polônia, e no mesmo dia, no ano seguinte de 1574, elevado ao trono francês. Com vontade de imortalizar o reconhecimento para com o Espírito Santo, dera este príncipe, em 1575, uma carta de privilégio para a instituição da ordem militar do Espírito Santo, de tantas glórias na história da Europa. Esta carta exprime sentimentos, dos quais nos regozijamos, tanto mais que estamos desacostumados em lhes encontrar na boca dum rei.
“Depositando, disse o monarca, toda a confiança na bondade de Deus, em quem reconhecemos a posse e o sustento de toda a felicidade desta vida, é razoável que relembrássemos quanto nos esforçamos de lhe prestar imortais ações de graças, e quanto testemunhamos à posteridade as grandes mercês que dele recebemos, particularmente em meio a tantas opiniões diferentes que se embatem sobre o assunto da religião, e que afligem a França. Ele a conservou no conhecimento de seu Santo Nome, na profissão da fé única e católica, e na união da única Igreja apostólica e romana.
“E por isso prouveram, por inspiração do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, reunir-se os corações e as vontades da nobreza polonesa, o que levou todos os Estados desse reino e do ducado de Lituânia a nos eleger rei, e depois de tal dia elevar-nos ao governo do reino de França; por meio do qual, tanto para conservar a memória de todas as coisas, como para fortificar e manter doravante a religião católica, e bem assim para condecorar e honrar a nobreza do reino, Nós instituímos a ordem militar do Espírito Santo... a qual ordem criamos e instituímos em aquele reino, a fim de que o Espírito Santo faça-nos a graça de ver reunidos todos nossos súditos na fé e na religião católica, e de viver para o amanhã em boa amizade e concordância uns com os outros... que é o fim ao qual tendem nossos pensamentos e ações, e o cúmulo de nosso maior regozijo e contentamento” (Helyot., t. VIII, p. 406 e ss).
Satã é o espírito da divisão. O Espírito Santo é o Espírito de caridade. Se há um meio de unir novamente um reino, cruelmente cindido por guerras de religião e discórdias civis, suas inevitáveis conseqüências, é com certeza o restabelecimento do reino do Espírito Santo. O pensamento do príncipe é justíssimo: nada é tão apetecível quanto a finalidade desta instituição. A sua mera existência é já um imenso serviço. Exibindo a nobreza mais alta comprometida após o pavilhão do Espírito Santo, dá-lhe suma importância enquanto elemento social, retardando a época do funesto esquecimento no qual caiu a terceira pessoa da Adorabilíssima Trindade, sob os olhares dos governos modernos.
Os estatutos da ordem eram adequados à realização dos votos do monarca. Como guia supremo, o rei da França, no dia da sagração, prestava juramento sobre o Evangelho: “de viver e morrer na santa fé e religião católica, apostólica e romana, e antes morrer que dela sair; de conservar para sempre a ordem do Espírito Santo; de nunca poder dispensar os comandantes e oficiais recebidos na ordem da comunhão e do recebimento do precioso corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, nos dias ordenados, quais sejam, o primeiro dia do ano e o dia de Pentecostes.”
Instituída a ordem na propagação da fé católica, e na extirpação das heresias, o mesmo juramento de fidelidade prestavam a Deus, à Igreja, ao Espírito Santo, ao rei os cavaleiros, no dia da recepção. Os cavaleiros eram em número de cem, todos egressos de famílias nobres, de boa vida e costumes. Quando podiam, assistiam a missa diariamente, e mais os dias de festa, na celebração pública do ofício divino.
Estavam obrigados a recitar a cada dia um rosário de uma dezena, que deviam levar consigo, e após o ofício do Espírito Santo, com seus hinos e orações; ou então os sete salmos penitenciais ou, se não o recitassem, dar uma esmola ao pobres. Nos dias de comunhão, ordenados pelos estatutos, deviam carregar o colar da ordem durante a missa e a comunhão, em qualquer lugar em que se encontrassem.
No dia seguinte ao da recepção, iam escutar a missa vestidos com os trajos de cerimônia, e o rei, no ofertório, apresentava um círio engastado de tantos escudos d’ouro quantos eram seus anos de idade. Após a missa, almoçavam com sua majestade, e à tarde assistiam às vésperas dos mortos. No terceiro dia, assistiam ao serviço pelos cavaleiros falecidos. O rei e os cavaleiros ofereciam cada um, no ofertório, um círio de uma libra. Além disso, duas missas se celebravam a cada dia, no convento dos Agostinianos, de Paris: uma pela prosperidade da ordem e dos cavaleiros vivos, outra para os cavaleiros falecidos (Helyot., ubi supra).
Que diferença entre as ordens militares d’outrora e as ordens modernas!
Enquanto a alta nobreza praticava com tanta pompa e circunstância o culto do Espírito Santo, o povo, ainda mais fiel às tradições, conservava-o na sua ingênua, contudo patética e enérgica simplicidade. Parte da Europa estava coberta de associações ou Confrarias do Espírito Santo. A alma destas instituições preciosas, cuja origem se perde na noite dos tempos da barbárie, era a santificação de seus membros na união fraterna e na caridade: eis o Espírito Santo em ação. É de se notar que elas existiam na maioria das paróquias da Sabóia. Até hoje, a privilegiada diocese de Saint-Jean de Maurienne regozija por lhes conservar muitos belos vestígios.
As refeições públicas, de que tomavam parte os confrades (os confrades eram todos ou quase todos habitantes da mesma paróquia), nos fazem pensar que as associações do Espírito Santo têm sua origem nos ágapes. Tais refeições se realizavam sobre o gramado, em campo aberto. Matavam um boi para o festim. Até um tempo atrás, quando se abatiam as enormes nogueiras, encontravam-se nos flancos das árvores seculares o gancho de ferro que utilizavam para despedaçar o animal. Ainda existem, nalgumas paróquias, daqueles caldeirões imensos, em que se cozia o ensopado para o dia do ágape. Mudados os tempos, converteram-se os ágapes em esmolarias gerais, para conservar a memória da antiga disciplina e confortar com mais eficácia os pobres envergonhados.
Na qualidade de confrades, tinham os ricos parte nas esmolas, recebendo-as como os pobres. Assim usava o grande e amável santo da Sabóia. Sabe-se que Francisco de Sales carregava religiosamente, nas dobras da sotaina, as nozes que as criancinhas lhe davam, quando apareciam para a confissão. Eles as mandava servir à mesa, dizendo ao comer: é o trabalho de minhas mãos, estou feliz de comê-las: Labores manum tuarum quia mandicabis, beatus es et bene tibi erit.
Mas em desagravo ao que recebiam, e para tornar mais e mais generosas as porções dos pobres, os ricos diligenciavam em aumentar, seja por doação ou testamento, a aporte de fundos dos confrades. Graças à liberalidade, havia em cada paróquia, até cinco esmolarias gerais por ano.
Devido à época em que ocorriam e à natureza dos objetos distribuídos, vê-se que as esmolas tinham por fim proporcionar aos confrades algumas alegrias inocentes, dulcíssimas ao deserdados do mundo, ou socorros materiais necessários ao cumprimento das leis da Igreja. Deste modo, faziam a distribuição de azeite de noz no começo da quaresma, pois que se não podiam curtir os alimentos na manteiga. A distribuição de toucinho era aos sábados santos, para que os fiéis pudessem preparar a comida na gordura, durante o tempo pascal.
Mas era mui pouco ter parcos alimentos curtidos em gordura, na época em que a Igreja estava em alegria e os ermitões mais rígidos afrouxavam as austeridades. Assim, no sábado de Páscoa distribuíam-se pão e vinho. Quando da Ascensão, em que a geada vinha se precipitar por sobre as montanhas, distribuíam sal. Enfim, na segunda ou terça-feira de Pentecostes, festa do patrono da confraria, distribuíam cozido, vinho e toucinho, o que permitia aos mais pobres esquecer um instante as privações habituais. Atualmente, as distribuições ou esmolas apoucaram-se àquelas do início da Quaresma e do Sábado Santo.
É isto apenas a face material da confraria. Todas as obras de caridade espiritual possuem sua face moral. Em primeiro lugar, figura o cuidado das almas do purgatório. Por elas se oferecem missas numerosas e obras pias e sortidas. Derramando sobre os mortos o orvalho refrigerante e pacífico, estes testemunhos de caridade intencional buscam para os vivos poderosas intercessões aos pés de Deus, e imortalizam os laços da confraria. Onde se pode encontrar algo melhor?
Por que o espírito moderno andou perseguindo ou destruindo as admiráveis associações? Nós o sabemos; mas o que impede seu restabelecimento onde outrora existiam, e sua criação, onde não existiam então? Não o sabemos. Para que isso aconteça, que falta?
Vontade. Vontade e sabedoria, considerando as circunstâncias de tempo e lugar[4]. Vontade e perseverança, não temendo obstáculos, tendo-se em conta que o necessário há de se fazer sempre. Cada dia vê novas confrarias se estabelecerem. São poucas as paróquias que não possuam associação ou conferência em honra da Santa Virgem, de Sant’Ana e dos diversos santos do paraíso. Estará só e esquecida a terceira pessoa da Augustíssima Trindade, a quem devemos tudo, até a Santa Virgem? Qual é a desculpa, sobretudo hoje em dia, para nossa indiferença?
Satã não se limita em capitanear o grande exército do mal. Com atividade inaudita, alicia sob nossos olhos numerosos adeptos nas milhares de confrarias da iniqüidade. Sabe que para destruir, como para edificar, a união faz a força. Sozinho, o Espírito do bem vence o espírito do mal. Basta dizer, parece-nos, que a ordem do dia é, mais que nunca, favorecer o reino do Espírito Santo.
Em favor deste culto salutar, ainda há uma última consideração, que será objeto do capítulo vindouro.
(Retirado de O Tratado do Espírito Santo; tradução: Permanência)
Notas:
[1] Um decreto de Pio IX anexa 50 dias de indulgência à prática deste sinal venerável. Ver nossa obra: Le Signe de la Croix au XIX siècle.
[2] Nunca cessam de repetir, conforme Bossuet, que o direito romano é a razão por escrito. Nada mais falso. A verdadeira razão por escrito é o decálogo. Não houve nem haverá outra, jamais.
[3] É de lamentar ao infinito que as prudentes intenções da Igreja não se cumpram sempre, e que, segundo um dito vulgar, a confirmação seja escamoteada em proveito da primeira comunhão.
[4] Que impediria, por exemplo, aproveitar o tempo da confirmação para realizar o projeto?
inserido por Padre Emílio Carlos+
18 de abril 2011
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