2. A misericórdia divina. "Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom! Eterna é a sua misericórdia!" (Sal 117, 1). Tomemos para nós a exclamação que repetimos no salmo responsorial: a misericórdia do Senhor é eterna. Para compreender a fundo a verdade destas palavras, deixemos que a liturgia nos guie até o coração dos acontecimentos salvíficos, que unem a morte e a ressurreição de Cristo com a nossa existência e a história do mundo. Este prodígio de misericórdia mudou radicalmente o destino da humanidade. É um prodígio em que se manifesta plenamente o amor do Pai, que, buscando a nossa redenção, não retrocede nem sequer diante do sacrifício de seu Filho unigênito.
Falando da misericórdia divina, São Bernardo comenta com grande unção no seu sermão 1 na Epifania do Senhor (1-2 PL 133, 141-143): "Agora, a nossa paz não é prometida, mas enviada; não é diferida, mas concedida; não é profetizada, mas realizada: o Pai enviou para a terra uma grande carga de misericórdia; uma carga que será aberta na paixão, para que o preço do nosso resgate, contido nela, se derrame... sob o véu da humanidade (de Cristo), a misericórdia divina foi conhecida, pois quando a humanidade de Deus se revelou, a sua misericórdia já não pôde permanecer oculta. De que maneira Deus poderia manifestar melhor o seu amor do que assumindo a nossa própria carne?... Que o homem compreenda, portanto, até que ponto Deus cuida dele; que reflita sobre o que Deus pensa e sente por ele... Que grande é esta misericórdia e este amor de Deus para com os homens! Deu-nos uma grande prova de amor quando quis que o nome de Deus fosse acrescentado ao título de homem".
Tanto os crentes como os não crentes podem admirar no Cristo humilhado e sofrente uma solidariedade surpreendente, que o une à nossa condição humana indo além de qualquer medida imaginável. A cruz, inclusive depois da ressurreição do Filho de Deus, "fala e não cessa nunca de dizer que Deus Pai é absolutamente fiel ao seu eterno amor pelo homem (...) Crer nesse amor significa crer na misericórdia" (João Paulo II, Dives in misericordia).
O evangelho de hoje nos ajuda a captar plenamente o sentido e o valor deste dom. O evangelista São João nos faz compartilhar a emoção que os apóstolos experimentaram durante o encontro com Cristo, depois da sua ressurreição. A nossa atenção se fixa num gesto do mestre, que transmite aos discípulos temerosos e atônitos a missão de serem ministros da misericórdia divina. Mostra-lhes as mãos e o lado com os sinais da paixão e diz: "Como o Pai me enviou, também eu vos envio" (Jo 20, 21). Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo: "Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; a quem não os perdoardes, serão retidos" (Jo 20, 22-23). Jesus lhes dá o dom de "perdoar os pecados", um dom que brota das chagas de suas mãos e de seus pés e, sobretudo, de seu lado perfurado. A partir daí, uma onda de misericórdia inunda toda a humanidade (João Paulo II, homilia do domingo da misericórdia, em 2001).
3. O coração de Cristo. O coração de Cristo! Seu "Sagrado Coração" deu a todos os homens a redenção, a salvação e a santificação. Deste coração transbordante de ternura, Santa Faustina Kowalska viu sair os feixes de luz que dominavam o mundo. "Os dois raios -como lhe disse o próprio Jesus - representam o sangue e a água" (Diário, p.132). O sangue evoca o sacrifício do Gólgota e o mistério da Eucaristia; a água, de acordo com a rica simbologia do evangelista São João, faz alusão ao batismo e ao dom do Espírito Santo (cf. Jo 3, 5; 4,14). Por meio do mistério deste coração ferido, não cessa de se difundir também entre os homens e mulheres da nossa época o fluxo restaurador do amor misericordioso de Deus. Quem aspira à felicidade autêntica e duradoura, só pode encontrar seu segredo nele (João Paulo II, homilia do domingo da misericórdia, em 2001).
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é substancialmente o culto do amor que Deus tem por nós em Cristo, e ao mesmo tempo a prática do nosso amor a Deus e a todos os homens.
1. A confiança em Jesus. João Paulo II expressava com grande emoção: "Jesus, eu confio em ti". Esta jaculatória, que vários cristãos rezam, expressa muito bem a atitude de abandono confiante nas mãos do Senhor, nosso único Salvador. Deus arde de desejo de ser amado, e aquele que sintoniza com os sentimentos do seu coração aprende a ser construtor da nova civilização do amor. Um simples ato de abandono basta para quebrar as barreiras da escuridão e da tristeza, da dúvida e do desespero. "Os raios da tua misericórdia divina, Senhor, devolvem a esperança, de modo especial para aqueles que se sentem oprimidos com o peso do pecado. Maria, mãe de misericórdia, faz que mantenhamos sempre viva esta confiança no teu Filho, nosso Redentor. Ajuda-nos também tu, Santa Faustina, que hoje lembramos com particular afeto. Fixando o nosso fraco olhar no rosto do Salvador divino, queremos repetir contigo: Jesus, eu confio em ti" (João Paulo II, Homilia do domingo da misericórdia, em 2001).
2. A misericórdia de Deus é infinita. A conversão do coração. "A misericórdia em si mesma, como perfeição do Deus infinito, é também infinita. Infinita, portanto, e inexaurível, é a prontidão do Pai em acolher os filhos pródigos que voltam à sua casa. São infinitas também a prontidão e a força do perdão que brotam continuamente do admirável valor do Sacrifício do Filho. Nenhum pecado humano prevalece sobre esta força e nem sequer a limita. Da parte do homem, pode limitá-la somente à falta de boa vontade, a falta de prontidão na conversão e na penitência, isto é, o permanecer na obstinação, que está em oposição com a graça e a verdade, especialmente diante do testemunho da cruz e da ressurreição de Cristo.
É por isso mesmo que a Igreja professa e proclama a conversão. A conversão a Deus consiste sempre na descoberta da sua misericórdia, isto é, do amor que é "paciente e benigno" (117) como o é o Criador e Pai; amor ao qual "Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo" (118) é fiel até às últimas conseqüências na história da Aliança com o homem, até à cruz, à morte e à ressurreição do seu Filho. A conversão a Deus é sempre fruto do retorno para junto deste Pai, "rico em misericórdia"" (João Paulo II, Dives in misericordia, 13).
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