Jubileu da Misericórdia
Misericordiae Vultus - 4ª Parte
16. No Evangelho de Lucas, encontramos outro aspecto
importante para viver, com fé, o Jubileu. Conta o evangelista que Jesus voltou
a Nazaré e ao sábado, como era seu costume, entrou na sinagoga. Chamaram-No
para ler a Escritura e comentá-la. A passagem era aquela do profeta Isaías onde está escrito: «O espírito do
Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a
boa-nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação
aos exilados e a liberdade aos prisioneiros; para proclamar um ano de
misericórdia do Senhor» (61,1-2).
«Um ano de misericórdia»: isto é o que o
Senhor anuncia e que nós desejamos viver. Este Ano Santo traz
consigo a riqueza da missão de Jesus que ressoa nas palavras do Profeta: levar uma
palavra e um gesto de consolação aos pobres, anunciar a libertação a quantos
são prisioneiros das novas escravidões da sociedade contemporânea, devolver a
vista a quem já não consegue ver porque vive curvado sobre si mesmo, e
restituir dignidade àqueles que dela se viram privados. A pregação
de Jesus torna-se novamente visível nas respostas de fé que o testemunho dos
cristãos é chamado a dar. Acompanhem-nos as palavras do Apóstolo: «Quem pratica a
misericórdia, faça-o com alegria»
(Rm 12, 8).
17. A Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais
intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de
Deus. Quantas páginas da Sagrada
Escritura se podem meditar, nas semanas da Quaresma, para redescobrir o rosto
misericordioso do Pai! Com as palavras do profeta
Miqueias, podemos também nós repetir: Vós, Senhor, sois um Deus que tira a iniquidade e perdoa o
pecado, que não Se obstina na ira mas Se compraz em usar de misericórdia. Vós,
Senhor, voltareis para nós e tereis compaixão do vosso povo. Apagareis as
nossas iniquidades e lançareis ao fundo do mar todos os nossos pecados (cf.
Mq 7,18-19).
As páginas do profeta Isaías poderão ser meditadas, de forma
mais concreta, neste tempo de oração, jejum e caridade. «O jejum que me agrada é este: libertar os que
foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em
liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão
com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e
não desprezar o teu irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas
feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente, e a
glória do Senhor atrás de ti. Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá,
pedirás auxílio e te dirá: “Aqui estou!” Se retirares da tua vida toda a
opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, se repartires o teu pão com o
faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na escuridão, e as tuas
trevas tornar-se-ão como o meio-dia. O Senhor te guiará constantemente, saciará
a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim
bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis» (58, 6-11).
A iniciativa «24 horas para o Senhor», que será celebrada na
sexta-feira e no sábado anteriores ao IV Domingo da Quaresma, deve ser
incrementada nas dioceses. Há muitas pessoas -e, em grande número, jovens - que
estão a aproximar-se do sacramento da Reconciliação e que frequentemente, nesta
experiência, reencontram o caminho para voltar ao Senhor, viver um momento de
intensa oração e redescobrir o sentido da sua vida. Com convicção, ponhamos
novamente no centro o sacramento da Reconciliação, porque permite tocar
sensivelmente a grandeza da misericórdia. Será, para cada penitente, fonte de
verdadeira paz interior.
Não me cansarei jamais de insistir com os confessores
para que sejam um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai. Ser confessor não se improvisa. Tornamo-nos tal
quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão.
Nunca esqueçamos que ser confessor significa participar da mesma missão de
Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e
salva. Cada
um de nós recebeu o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados; disto
somos responsáveis. Nenhum de nós é senhor do
sacramento, mas apenas servo fiel do perdão de Deus. Cada confessor
deverá acolher os fiéis como o pai na parábola do filho pródigo: um pai que
corre ao encontro do filho, apesar de lhe ter dissipado os bens. Os confessores
são chamados a estreitar a si aquele filho arrependido que volta a casa e a
exprimir a alegria por o ter reencontrado. Não nos cansemos de ir também ao
encontro do outro filho, que ficou fora incapaz de se alegrar, para lhe
explicar que o seu juízo severo é injusto e sem sentido diante da misericórdia
do Pai que não tem limites. Não
hão de fazer perguntas impertinentes, mas como o pai da parábola interromperão
o discurso preparado pelo filho pródigo, porque saberão individuar, no coração
de cada penitente, a invocação de ajuda e o pedido de perdão. Em suma, os
confessores são chamados a ser sempre e por todo o lado, em cada situação e
apesar de tudo, o sinal do primado da misericórdia.
18. Na Quaresma deste Ano Santo, é minha intenção enviar os
Missionários da Misericórdia. Serão um sinal da solicitude materna da Igreja
pelo povo de Deus, para que entre em profundidade na riqueza deste mistério tão
fundamental para a fé. Serão sacerdotes a quem darei autoridade de perdoar
mesmo os pecados reservados à Sé Apostólica, para que se torne evidente a
amplitude do seu mandato. Serão sobretudo sinal vivo de como o Pai acolhe a
todos aqueles que andam à procura do seu perdão. Serão missionários da
misericórdia, porque se farão, junto de todos, artífices dum encontro cheio de
humanidade, fonte de libertação, rico de responsabilidade para superar os
obstáculos e retomar a vida nova do Baptismo. Na sua missão, deixar-se-ão guiar
pelas palavras do Apóstolo: «Deus encerrou a todos na desobediência, para com
todos usar de misericórdia» (Rm 11, 32). Na verdade todos, sem excluir ninguém, estão chamados a
acolher o apelo à misericórdia. Os missionários vivam esta chamada, sabendo que
podem fixar o olhar em Jesus, «Sumo Sacerdote misericordioso e fiel»
(Hb 2, 17).
Peço aos irmãos bispos que convidem e acolham estes
Missionários, para que sejam, antes de tudo, pregadores convincentes da
misericórdia. Organizem-se, nas dioceses, «missões populares», de modo que
estes Missionários sejam anunciadores da alegria do perdão. Seja-lhes pedido
que celebrem o sacramento da Reconciliação para o povo, para que o tempo de
graça, concedido neste Ano Jubilar, permita a tantos filhos afastados encontrar
de novo o caminho para a casa paterna. Os pastores, especialmente durante o tempo forte da Quaresma,
sejam solícitos em convidar os fiéis a aproximar-se «do trono da graça, a fim
de alcançar misericórdia e encontrar graça» (Hb 4, 16).
19. Que a palavra do perdão possa chegar a todos e a chamada
para experimentar a misericórdia não deixe ninguém indiferente. O meu convite à
conversão dirige-se, com insistência ainda maior, àquelas pessoas que estão
longe da graça de Deus pela sua conduta de vida. Penso de modo
particular nos homens e mulheres que pertencem a um grupo criminoso, seja ele
qual for. Para vosso bem, peço-vos que mudeis de vida. Peço-vo-lo em nome do
Filho de Deus que, embora combatendo o pecado, nunca rejeitou qualquer pecador.
Não caiais na terrível cilada de pensar que a vida depende do dinheiro e que, à
vista dele, tudo o mais se torna desprovido de valor e dignidade. Não passa de
uma ilusão. Não levamos o dinheiro conosco para o além. O dinheiro não nos dá a
verdadeira felicidade. A violência usada para acumular dinheiro que transuda
sangue não nos torna poderosos nem imortais. Para todos, mais cedo ou mais
tarde, vem o juízo de Deus, do qual ninguém pode escapar.
O mesmo convite chegue também às pessoas fautoras ou
cúmplices de corrupção. Esta praga putrefacta da sociedade é um pecado grave
que brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social. A
corrupção impede de olhar para o futuro com esperança, porque, com a sua
prepotência e avidez, destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres. É
um mal que se esconde nos gestos diários para se estender depois aos escândalos
públicos. A
corrupção é uma contumácia no pecado, que pretende substituir Deus com a ilusão
do dinheiro como forma de poder. É uma obra das trevas, alimentada pela
suspeita e a intriga. Corruptio optimi péssima (A corrupção do melhor é o pior):
dizia, com razão, São Gregório Magno, querendo indicar que ninguém pode
sentir-se imune desta tentação. Para erradicá-la
da vida pessoal e social são necessárias prudência, vigilância, lealdade,
transparência, juntamente com a coragem da denúncia. Se não se combate
abertamente, mais cedo ou mais tarde torna-nos cúmplices e destrói-nos a vida.
Este é o momento favorável para mudar de vida! Este é o
tempo de se deixar tocar o coração. Diante do mal cometido, mesmo crimes
graves, é o momento de ouvir o pranto das pessoas inocentes espoliadas dos
bens, da dignidade, dos afetos, da própria vida. Permanecer no caminho do mal é fonte apenas de ilusão e
tristeza. A verdadeira vida é outra coisa. Deus não se cansa de estender a mão.
Está sempre disposto a ouvir, e eu também estou, tal como os meus irmãos bispos
e sacerdotes. Basta acolher o convite à conversão e submeter-se à justiça,
enquanto a Igreja oferece a misericórdia.
Dado em Roma, junto de São
Pedro, no dia 11 de Abril – véspera do II Domingo de Páscoa ou da Divina
Misericórdia – do Ano do Senhor de 2015, o terceiro de pontificado.
Bula de Proclamação do Jubileu
Extraordinário da Misericórdia - Francisco bispo de Roma servo dos servos de
Deus a quantos lerem esta carta graça, misericórdia e paz.
♡
⁀⋱‿♡
Nenhum comentário:
Postar um comentário