À Imagem e semelhança de Deus
2. Consequências. A afirmação da Igreja de que a particular dignidade do ser humano brota da sua condição de «imagem e semelhança de Deus» dificilmente encontra eco na vida colectiva. E a sua insistência em temas éticos e morais derivados desta particular dignidade torna-se incompreensível para muitos dos nossos contemporâneos. Os casos do aborto e da eutanásia são, a este respeito, paradigmáticos: se cada ser humano, desde a sua origem até à sua morte natural, não é, em si mesmo, um testemunho incontornável da transcendência que lhe está na origem e constitui a fonte última da inviolabilidade da sua existência, então é sempre possível estabelecer excepções a essa dignidade inviolável, em função dos interesses do momento, sejam eles de um indivíduo, de um grupo ou de uma colectividade. E é isso que está em jogo no aborto e na eutanásia legalizados: não se reconhece uma trans-cendência legitimadora da dignidade humana, não se admite uma instância exterior e melhor do que a sociedade para decidir sobre tal dignidade – logo, esta está ao dispor de maiorias conjunturais ou de poderes de facto que se exercem num determinado momento. Acresce que nunca se sabe quem vai, em última instância, estabelecer tais excepções e em relação a quem: no passado foram os hereges, os judeus, os inimigos da classe operária... hoje são as crianças ainda não nascidas, os doentes incuráveis... amanhã poderão ser os idosos, os deficientes, os improdutivos...
3. Anunciar pelo exemplo. O anúncio, por parte da Igreja, da dignidade humana e a denúncia oportuna de todas as violações da mesma, encontrará a melhor explicação no exemplo que a Igreja der de respeito absoluto deste valor e de serviço constante, descomprometido e pleno de amor àqueles que, em cada momento, se encontrem em situação de maior necessidade. Ou seja: a Igreja não pode condenar o aborto e passar ao lado das situações de miséria e fome; a Igreja não pode condenar a eutanásia e ignorar que muitos seres humanos não têm acesso a cuidados básicos de saúde – não porque tais situações sejam ética e moralmente equivalentes, mas porque em qualquer dos casos, de modos distintos, está em jogo a dignidade humana.
Elias Couto
J
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