Os dons do Espírito Santo em Maria
Por Pe. Gabriel Roschini
“Pentecostes” – Pintura de Jean Restout (1692-1768)
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1. QUE COISA SÃO
Os dons do Espírito Santo são hábitos sobrenaturais que dão às faculdades da alma tal docilidade que estas obedecem prontamente às inspirações da graça.
A diferença essencial entre as virtudes e os dons deriva da
diferente maneira de operarem aquelas e estes: na prática da virtude, a
graça nos deixa ativos, sob o influxo da prudência; o uso dos dons, ao
invés, quando já chegamos a seu pleno desenvolvimento, requer de nossa
parte mais docilidade do que atividade.
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Uma comparação: quem pratica a virtude navega a remo; quem goza, ao invés, dos dons navega à vela, com o que anda mais depressa e com menor esforço. Os dons aperfeiçoam as virtudes teologais e morais.
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Quais e quantos são esses dons? São sete (Is 11, 2-3):
sabedoria, inteligência, ciência, conselho, piedade, fortaleza e temor
de Deus.
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Deus dá, juntamente com a graça santificante, todos esses dons;
dá-os, porém, a cada um em determinada medida. Só a Maria, por assim
dizer, os deu sem medida. Passemo-los brevemente em revista.
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2. A PLENITUDE DOS DONS EM MARIA
a) O dom de conselho aperfeiçoa a virtude da prudência, fazendo-nos
julgar prontamente e com segurança, por uma espécie de intuição
sobrenatural, sobre o que convém fazermos, especialmente nos casos
difíceis. O objeto próprio do dom de conselho é a boa direção das ações particulares.
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Admirável foi esse dom em Maria, que é chamada pela Igreja a “Mãe do Bom Conselho”.
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Com efeito, a alma de Maria esteve sempre voltada para Deus, de
quem recebia com suma facilidade todas as aspirações, motivo por que a
Ela, mais de que a qualquer outro Santo, se podem aplicar as palavras: “Tua proteção será o bom conselho e a prudência te salvará” (Prov 2, 11).
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Essa prontidão de Maria em voltar-se para Deus e em receber as
divinas iluminações em todas as circunstâncias de sua vida manteve em
sua alma uma paz perfeitíssima.
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Mas foi especialmente em duas circunstâncias que Maria Santíssima
deixou conhecer o modo eminente em que possuía esse dom precioso.
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Isto aconteceu, primeiro, em sua apresentação no Templo, quando,
por inspiração divina, soube ser coisa agradável a Deus que lhe fosse
consagrada, desde a infância, pelo voto de perpétua virgindade.
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Em segundo lugar, foi em sua Anunciação, quando, ao ser saudada pelo
Anjo como cheia de graça e ao ser pedido o seu consentimento para o
cumprimento da Encarnação, se dirigiu ao Núncio celeste para saber dele
quais eram as disposições divinas a seu respeito e, conhecidas estas, se
ofereceu totalmente, como serva, ao Senhor (LÉPICIER, Il piú bel fiore del Paradiso, p.68-69).
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b) Passemos agora ao dom da piedade. Este dom aperfeiçoa a virtude de religião, que é anexa à justiça e
produz no coração um afeto filial para com Deus e uma terna devoção às
Pessoas e às coisas divinas, para fazer-nos cumprir com santa presteza
os deveres religiosos.
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Se nos fosse dado penetrar com o olhar no íntimo de Maria,
ficaríamos maravilhados com os sentimentos de filial afeto para com
Deus, nEla inspirados pelo dom de piedade. Que doçura em seus colóquios
com o Esposo de sua alma!
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Foi o dom de piedade que levou Maria menina a dedicar sua atividade
ao serviço do Templo, que Ela, com a mesma terna piedade, venerava por
cima de todas as coisas materiais.
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Foi o dom de piedade que lhe inspirou uma veneração especial pela
Sagrada Escritura, como pelas palavras pronunciadas por seu Filho Jesus,
as quais “conservava todas em seu coração”.
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c) O terceiro dom do Espírito Santo é a fortaleza.
Este aperfeiçoa a virtude da fortaleza, dando à vontade um impulso e
uma energia que a tornam capaz de operar e de sofrer alegremente e
intrepidamente grandes coisas, superando todos os obstáculos.
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“Se considerarmos, de um lado, a grandeza da obra a realizar-se, a
que Maria fora predestinada por Deus e, de outro lado, as dificuldades
inumeráveis que lhe competia afrontar, não por parte da carne, pois era
imaculada, mas por parte do demônio e do mundo, veremos que teria havido
motivo muito justo para Ela perder a coragem, se houvesse sido deixada
entregue a suas próprias forças.
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Como poderia jamais uma criatura, santa sim, mas débil por natureza,
achar tanta coragem para realizar uma obra tão árdua e para vencer os
inimigos tão feros? Na graça de Deus, por Jesus Cristo, responde São
Paulo.
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“Sim, por meio da graça que lhe será dada quase sem medida pelos
méritos de Jesus Cristo, seu Filho, Maria vencerá todas as dificuldades,
todo perigo e cumprirá a árdua empresa de cooperar com Cristo, no
resgate do gênero humano. Essa graça a tornará inarredável, qual escolho
em meio de um mar tempestuoso e fará com que Ela repouse em Deus como
uma criança nos braços maternos” (LÉPICIER, 1. c.).
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d) O dom do temor aperfeiçoa ao mesmo tempo a virtude da esperança e a virtude da temperança: a
virtude da esperança, fazendo-nos temer desagradar a Deus e sermos
separados dEle; a virtude da temperança, apartando-nos dos falsos
deleites que nos poderiam levar a perdermos Deus.
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É um dom, portanto, que inclina a vontade ao respeito filial de
Deus, nos afasta do pecado que lhe desagrada e nos faz esperarmos em seu
auxílio poderoso.
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Não se trata, pois, daquele medo de Deus que nos inquieta quando
nos lembramos de nossos pecados, nos entristece e perturba. Nem se trata
do temor do inferno, que basta para esboçar uma conversão, porém não
basta para dar acabamento à nossa santificação. Trata-se do temor
reverencial e filial, que nos faz recear toda ofensa a Deus.
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Grande foi, na realidade, o temor de Maria, porém não foi nada
servil. Com efeito, cheia como era da graça divina e tão pura, tão
santa, que castigo poderia jamais temer?
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Nem ao menos houve propriamente nEla aquele temor chamado casto, o qual
considera a possibilidade e o perigo de perder Deus com o pecado, pois
sabia que, por uma assistência especial do Espírito Santo, não podia
perder a graça; pelo que o temor de Maria, à semelhança do temor de que
esteve oprimida a própria alma de Cristo, era um temor reverencial,
produzido por um sentimento vivíssimo da majestade infinita de Deus e de
seu infinito poder.
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e) Resta-nos considerar agora os três dons intelectuais: de ciência, de inteligência e de sabedoria. O dom de ciência nos faz julgar retamente das coisas criadas em suas relações com Deus; o dom de inteligência nos descobre a íntima harmonia das verdades reveladas; o dom de sabedoria nos faz julgarmos, apreciarmos e gostarmos das coisas divinas (reveladas).
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Todos os três têm de comum que nos dão um conhecimento experimental ou
quase experimental, porque nos fazem conhecer as coisas divinas não por
via de raciocínio ou reflexão, mas por meio de uma luz superior que
no-las faz atingir como se delas tivéssemos a experiência.
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A ciência de que se fala não é a ciência filosófica ou teológica, mas é chamada ciência dos Santos, que nos faz julgar santamente das coisas criadas em suas relações com Deus.
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Pode, pois, definir-se o dom de ciência como um dom que, sob a ação
iluminadora do Espírito Santo, aperfeiçoa a virtude da fé, fazendo-nos
conhecer as coisas criadas em suas relações para com Deus.
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O objeto do dom de ciência são, portanto, as coisas criadas enquanto nos conduzem a Deus, do qual todas provêm e pelo qual todas são conservadas. Elas são como degraus para se subir até Deus.
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À Mãe de seu Filho, Deus não só concedeu uma vastíssima ciência das
coisas sobrenaturais e naturais, mas infundiu também aquele instinto
divino, com o qual Ela poderia apreciar com segurança o valor das coisas
divinas e como todo saber humano converge para a fonte de toda verdade,
que é Deus.
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“À eficácia desse espírito de ciência se devem especialmente aquelas
profundas palavras que Maria pronunciou, quando foi saudada por Santa
Isabel como a Mãe do Verbo. Além disso, se vemos que na vida, tanto
privada quanto pública, de Cristo, Maria sabia discernir com certeza o
verdadeiro do falso, desprezando os bens falazes do mundo e estimando em
seu justo valor os trabalhos aos quais se tinha voluntariamente
sujeitado pela nossa redenção, tudo isso aconteceu exatamente como
efeito do dom de ciência, pelo que poderia dizer com São Paulo: “As
coisas que eram ganho para mim estimei-as como perda, por causa de
Cristo” (LÉPICIER, 1. c.).
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f) Afim ao dom da ciência é o dom de inteligência. O dom de inteligência distingue-se do de ciência, porque seu objeto é muito mais vasto: não se restringe só às coisas criadas, mas se estende a todas as verdades reveladas; além disso, seu olhar é mais profundo, fazendo-nos penetrar (intus légere - ler dentro) no significado interior das verdades reveladas.
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Não nos faz, é certo, compreender os mistérios da fé, mas nos faz
compreender que, não obstante sua obscuridade, são críveis, que se
harmonizam bem entre si e com o que há de mais nobre na razão humana,
com o que se confirmam os motivos de credibilidade.
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“Como o Espírito se comprazia em escolher Maria para sua esposa,
assim quis também adorná-la com o precioso dom de inteligência, para
que, além da luz da fé que a iluminou acerca dos mistérios, Ela
recebesse outros raios de viva luz, destinados a dar-lhe a inteligência
dos mistérios divinos e especialmente daquele glorioso mistério que nEla
devia realizar-se.
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“Ora, foi justamente na Encarnação do Verbo que essa resplandeceu
vivíssima a seus olhos, de tal modo que, indo visitar sua prima Isabel,
pode, à saudação dessa, responder em termos tão elevados e tão acertados
que nos deixam entender como havia compreendido a grandeza do desígnio
divino e a utilidade da Encarnação.
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“Quando, no dia da purificação, o santo velho Simeão, tomando nos
braços a divina criança, profetizou que ela se iria tornar um sinal de
contradição e, voltando-se para Maria, lhe revelou que uma espada de dor
lhe havia de atravessar o coração bendito, oh! Maria entendeu tanto
quanto uma pura criatura o podia entender nesta vida todo o plano da
Redenção e percebeu como era necessário que também Ela, em união com seu
Jesus, sofresse para o resgate do gênero humano.
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Por isso, pôde dizer com muita verdade que não teve nunca outros
sentimentos senão os sentimentos de Jesus Cristo mesmo: Nós temos o
senso de Cristo” (LÉPICIER, 1. c.).
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g) E agora eis o mais perfeito dos três dons intelectuais do Espírito Santo, o dom de sabedoria. É um dom que aperfeiçoa a virtude da caridade e reside, ao mesmo tempo, no intelecto e na vontade, pois infunde na alma luz e calor, verdade e amor. Este dom compendia todos os outros dons, como a caridade compendia em si todas as outras virtudes.
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O dom de sabedoria pode, pois, definir-se um dom que, aperfeiçoando
a virtude da caridade, nos faz discernir e julgar relativamente Deus e
as coisas divinas segundo seus mais altos princípios, e nos dão disso o
sabor.
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“Como Maria recebeu, mais que qualquer outra criatura, uma larga
participação na virtude da caridade divina, assim também possuiu, com
inigualável perfeição, o dom de sabedoria, pelo qual sabia discernir
quase por instinto divino as coisas divinas das coisas do mundo, com
aquela delicadeza de afeto própria de todo aquele ama, em todas as suas
ações.
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Essa celeste sabedoria encheu, em seguida, sua alma de uma doçura imensa
e infundiu, por fim, em suas obras exteriores um perfume do paraíso,
pois está escrito que “nada de amargo existe no trato da sabedoria e
conviver com ela não causa tédio, mas consolação e gáudio”.
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“Quando lemos que “a Sabedoria edificou para si uma casa e levantou
sete colunas”, podemos entender como a espiritual e celeste sabedoria
de Maria houvesse sido assinalada por sete caracteres que são, por assim
dizer, outros tantos sustentáculos seus.
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“A sabedoria do alto é, primeiramente, pura, depois pacífica, modesta,
dócil, procedendo ao modo dos bons, é cheia de misericórdia e de bons
frutos; sem o hábito de criticar e alheia à hipocrisia”.
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“Pense-se em quanto deviam ser sólidas as bases dessas sete colunas
em Maria e com que majestade se levantava sobre elas sua sabedoria”
(LÉPICIER, 1. c.).
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3. CULTIVEMOS OS DONS DO ESPÍRITO SANTO!
Também a nós, como a Maria, conforme o dissemos, embora em uma
medida incomparavelmente inferior, no Batismo, junto com a graça
santificante, Deus bendito prodigalizou os dons do Espírito Santo. pois
bem, à imitação de Maria, cultivemo-los também nós incansavelmente em
nossa alma! Cultivemo-los, antes de tudo, pela prática das virtudes morais, prática
que constitui a primeira condição necessária para a cultura dos dons.
Cultivemo-los, em segundo lugar, combatendo estrenuamente o espírito do mundo, que
é diametralmente oposto ao espírito de Deus, lendo, meditando as
máximas evangélicas e conformando às mesmas nosso próprio procedimento.
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Cultivemo-los, finalmente, pelo recolhimento interior, isto
é, pelo hábito de pensar frequentemente em Deus, que vive não somente
vizinho a nós, mas em nós e, assim recolhidos, nos será mais fácil
escutarmos a voz do Espírito Santo e segui-la.
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ROSCHINI, G. Instruções Marianas. Tradução de José Vicente. São Paulo: Edições Paulinas, 1960, p.176-181.
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