A misericórdia
«Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia» (Mateus 5,7).
Aos misericordiosos, Jesus não promete nada mais do que aquilo que eles já vivem: a misericórdia.
«Misericórdia» é uma palavra antiga. Durante a sua longa história, tomou um sentido muito rico.
Hésèd, misericórdia ou amor, faz parte do vocabulário da aliança. Da parte de Deus, designa um amor inabalável, capaz de manter uma comunhão para sempre, seja o que for que vier a acontecer: «O meu amor por ti nunca mais será abalado» (Isaías 54,10).
Éléos traduz ainda uma outra palavra hebraica, rahamîm. Esta palavra associa-se frequentemente a hésèd, mas está mais carregada de emoções. Literalmente, significa as entranhas; é uma forma plural de réhèm, o seio materno. A misericórdia, ou a compaixão, é aqui o amor profundo, a afeição de uma mãe pelo seu filho (Isaías 49,15), a ternura de um pai pelos filhos (Salmo 103,13), um amor fraternal intenso (Génesis 43,30).
A misericórdia, no sentido bíblico, é muito mais do que apenas um aspecto do amor de Deus.
Esta última fórmula foi retomada pelos profetas e nos salmos, em particular no salmo 103 (versículo 8). Na sua parte central (versículos 11 a 13), este salmo maravilha-se com a envergadura inaudita da misericórdia de Deus. «Como é grande a distância dos céus à terra, assim é a sua misericórdia…»: ela é a grandeza de Deus, a sua transcendência. Mas ela é também como que a sua humanidade: «Como um pai se compadece dos filhos…» Tão transcendente e tão próxima, a misericórdia é capaz de ultrapassar todo o mal: «Como o Oriente está afastado do Ocidente, assim ele afasta de nós os nossos pecados».
A misericórdia é o que há de mais divino em Deus e é também o que há de mais completo no homem: «ele te enche de graça e de ternura», diz ainda o salmo 103. É preciso ler este versículo à luz de um outro versículo do salmo 8, onde se diz que Deus coroa o homem de «glória e de honra». Criados à sua imagem, os homens são chamados a partilhar a glória e a honra de Deus. Mas são a misericórdia e a ternura que nos fazem realmente participar na própria vida de Deus.
A palavra de Jesus: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lucas 6,36) faz eco de um antigo mandamento: «Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo» (Levítico 19,2).
À santidade, Jesus deu a face da misericórdia. É a misericórdia que é o mais puro reflexo de Deus na vida humana. «Pela misericórdia para com o próximo, tu tornas-te parecido com Deus» (Basílio, o Grande).
A misericórdia é a humanidade de Deus. Ela é também o futuro divino de homem.
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