A força do amor vença o temor da morte
O Senhor pergunta, não uma, mas duas e três vezes o que já
sabia: se Pedro O amava; e por três vezes ouve de Pedro repetir que O ama; e
por três vezes faz a Pedro a mesma recomendação, de apascentar as suas ovelhas.
À tríplice negação corresponde a tríplice confissão, para
que a língua não sirva menos ao amor que ao temor, e não pareça que a iminência
da morte o obrigou a falar mais do que a presença da vida.
Seja serviço de amor apascentar o rebanho do Senhor como
foi sinal de temor negar o Pastor. Os
que apascentam as ovelhas de Cristo como se fossem suas e não de Cristo,
mostram que não amam a Cristo mas a si mesmos.
Contra esses, que também o Apóstolo censura dizendo que
procuram os próprios interesses e não os de Cristo, estas palavras que o Senhor
repete insistentemente são uma séria advertência:
Amas-Me? Apascenta as
minhas ovelhas.
Quer dizer: se Me amas, não penses em apascentar-te a ti mesmo, mas
sim as minhas ovelhas: apascenta-as como minhas, não como tuas;
procura nelas a minha glória e não a tua; a minha propriedade e não a tua; os
meus interesses e não os teus; não sejas daqueles que nos tempos de perigo só se amam a
si mesmos e tudo o que deriva deste princípio, que é a raiz de todo
o mal. Os que apascentam as ovelhas de Cristo não se amem a si mesmos; não as
apascentem como próprias, mas como de Cristo.
O defeito que mais devem evitar os que apascentam as ovelhas
de Cristo consiste em procurar os interesses próprios e não os de Jesus Cristo,
destinando ao proveito próprio aqueles por quem Cristo derramou o seu sangue.
O amor de Cristo deve crescer até atingir tal grau de ardor
espiritual naquele que apascenta a suas ovelhas, que supere mesmo o natural temor
da morte, que nos leva a não querer morrer, ainda que queiramos viver com
Cristo.
Mas, por maior que seja o temor da morte, deve ser superado
pela força do amor Àquele que,
sendo a nossa vida, quis também padecer a morte por nós.
Com efeito, se na morte não houvesse nenhum sofrimento,
não seria tão grande a glória dos mártires.
Mas, se o Bom Pastor, que deu a vida pelas suas ovelhas, suscitou tantos
mártires entre as suas ovelhas, quanto mais devem lutar pela verdade até à
morte, e até ao sangue, contra o pecado, aqueles a quem o Senhor confiou a
missão de apascentar as suas ovelhas, isto é, de as instruir e orientar?
Perante o exemplo da paixão de Cristo, e ao pensar em tantas
ovelhas que já O imitaram, quem não compreende que os pastores devem ser os
primeiros a imitar o Pastor? Na verdade, os mesmos pastores são
também ovelhas do único rebanho, governado pelo único Pastor. De todos nós
Ele fez suas ovelhas, por todos nós padeceu; e, para padecer por todos nós, Ele
mesmo Se fez Cordeiro.
- Santo Agostinho
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